Posso estar enganado, mas acho que essa já é a terceira versão de minuta de decreto. A cada versão, uma novidade. Pessoalmente eu fico chateado com a política do órgão. A postura claudicante traz muita incerteza para o Brasil, contrariando a agenda de Paulo Guedes de atrair investimentos. Quem quer investir num lugar em que as autoridades mudam de ideia de 3 em 3 meses? A cada dia que passa é mais difícil compreender quem ganha com isso. O Governo não é, pois o jogo continua acontecendo em cada esquina, em cada computador, em cada celular, e os recursos nacionais vão sendo distribuídos mundo afora. O consumidor também não ganha com isso, pois permanece sem qualquer proteção estatal.
Comercialmente, vejo a minuta com perplexidade. Frequento os congressos sobre jogo há alguns anos. Desde que me deparei com a indústria, estive em praticamente todos, a maior parte deles participando como palestrante, panelista ou moderador. Essa hipótese nunca foi sequer ventilada por qualquer dos representantes da Fazenda com os quais conversei ou por aqueles aos quais simplesmente ouvi, da plateia. Clientes e amigos estrangeiros, gestores de sites internacionais, estão assombrados com a novidade e eu compartilho desse sentimento.
Academicamente, estou decepcionado. Dizem que a ideia de limitar o número de “concessionários” vem da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Advogado e professor de direito tributário, acabo tendo muitos amigos por lá. Me esforço para acreditar que a gênese desse despropósito seja realmente a PGFN, sobretudo pelas mentes diferenciadas que a Procuradoria congregou ao longo dos anos. Mas, se for verdade, penso que ninguém é obrigado a entender de tudo e seria natural que o Órgão não tivesse dentro de casa alguém versado numa atividade que sequer é desenvolvida legalmente no Brasil (ressalvo aqui os sites estrangeiros que operam a partir de seus respectivos territórios). Essa exigência, se proveniente realmente de lá, escancara que seja lá quem a definiu não tem a mínima ideia de como funciona o jogo no resto do mundo. Nenhuma noção técnica, operacional, jurídica, contábil... nada. Zero conhecimento. Podiam ter perguntado.
Trinta operadores. Por que não 5? Por que não 100? Trinta me parece um número sorteado. Mas lembremos que um Decreto não pode ser aleatório, pois todo ato administrativo deve ser motivado, sob pena de nulidade. Eu tenho muita curiosidade de saber qual a motivação para o número 30 e a razão técnica, jurídica ou administrativa para excluir as hipóteses do 5 ou do 100.
Numa palavra: Horrível!
A minuta de decreto regulamentando as apostas esportivas disponibilizada pela SECAP merece elogios. Naquilo que estava sob a competência regulamentar infralegal, vemos muitos acertos, como a o fato de não exigir identificação do CPF do apostador nas apostas físicas (exceto no pagamento de prêmios), bem como a obrigatoriedade de certificação e de manutenção de provedor independente de monitoramento de integridade. Em relação a este ponto, contido no artigo 12, inciso I, cremos que a restrição desse tipo de monitoramento ao desporto futebol decorreu de um equívoco de redação, pois todos os esportes necessitam desse tipo de proteção, não apenas o futebol.
A exigência de constituição de uma reserva financeira própria para garantir a solvência de prêmios, prevista no artigo 11, parece-nos excessivamente onerosa para as empresas, pois o mesmo objetivo pode ser atingido com a apresentação de seguro ou fiança bancária. Ademais, a exigência do artigo 20, parágrafo 1º, inciso I, de que qualquer ação de propaganda deverá envolver advertência sobre os riscos, pode criar obstáculos para os patrocínios esportivos, haja vista ser inviável incluir esse tipo de advertência em uniformes de jogadores ou placas de estádio. Deve haver flexibilidade, ou ainda, um melhor detalhamento acerca de quais formas de publicidade devem conter esse tipo de advertência.
Por último, o mais importante: a mudança do modelo de outorga para concessão. Sob o aspecto jurídico, a concessão traz muito mais segurança para o operador e para o órgão regulador. O operador passa a contar com uma expectativa legítima de prazo e de retorno, refletido no equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, ao passo que o órgão regulador passa a ter um instrumento legal hábil para aplicação de penalidades pecuniárias sem previsão em lei, mais sim em contrato.
Nesse novo paradigma, tão importante quanto a minuta de decreto submetida à consulta pública são as minutas de edital de licitação e de contrato de concessão. Sem esses documentos é impossível tecer maiores comentários acerca das condições do modelo regulatório. Ou seja, talvez uma quarta consulta pública venha por aí.
A primeira questão que chama a atenção é a mudança radical de postura do governo, que anteriormente havia informado ao mercado que não haveria limites para a concessão das licenças. Claramente o governo bateu cabeça internamente, tendo passado ao mercado uma perspectiva que não se realizou. E isso não é positivo. A limitação ao número de licenças tende a afetar os operadores menores, já que os grandes geralmente possuem todas as condições para participar e vencer processos licitatórios.
Uma questão fundamental que o governo não parece estar se preocupando muito neste momento é com a continuidade do mercado ilegal de apostas, que é fortalecido quando o sistema tributário é agressivo com o operador (o que parece ser o caso do Brasil), quando existe uma limitação no número de licenças (o que parece ser o caso do Brasil) e quando o governo não dá sinais claros de que irá fechar e proteger o mercado contra as apostas ilegais (o que também parece ser o caso do Brasil).
A nova redação do decreto tem pontos interessantes e polêmicos. O primeiro é que a outorga dos serviços será mediante processo licitatório de concessão de serviço público. E tem de ser uma concessão licitada para se adequar ao art. 175 da Constituição federal e porque os investimentos são relevantes e não seria adequada uma permissão, que possui caráter precário.
Diferente da minuta anterior, agora é previsto que a reserva técnica terá seu valor definido no contrato de concessão de outorga a ser celebrado com o Poder Público. No mínimo, os parâmetros objetivos para o valor dessa reserva técnica deverão estar explícitos no edital de licitação e justificados no processo administrativo, na fase interna da licitação da concessão, pois tem forte potencial restritivo e não só por isso, toda e qualquer exigência em licitação deve ser motivada.
Quanto à quantidade noticiada operadores que celebrarão contrato de concessão de serviço público, baseado no modelo de Dixit e Stiglitz, é adequado e necessário basear-se em fundamentação técnica, mas importante lembrar que modelo econômico é uma tentativa conceitual de explicar um mercado e antever seus efeitos, tornando-se inadequados às vezes, sendo elogiável essa fundamentação teórica.
A questão das apostas esportivas, embora tratando-se de produto único, possui uma variedade atrelada aos diferentes operadores e aos tipos eventos esportivos, logo, sua adequação ao modelo é mais complexa do que parece.
Também, a modelagem escolhida, em que não há interação negocial entre os operadores, pois um poderia utilizar-se da operação do outro para comercializar ou para “descarregar” apostas sem eventual lastro em reserva técnica, induz a uma realidade sobre a qual se aplica o modelo. Quero dizer o óbvio que a modelagem escolhida influencia o modelo.
Em síntese, toda e qualquer possível restrição será examinada pelos órgãos de controle.
Fonte: Exclusivo Games Magazine Brasil