JUE 21 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 07:02hs.
Filipe Senna, advogado pela Universidade de Brasília

Lootboxes e jogos eletrônicos: é necessária uma atenção especial do Legislador brasileiro?

As Lootboxes, ou caixas de recompensa, são a nova forma do mercado de entretenimento monetizar jogos eletrônicos, mas estão sendo vetadas em vários países por serem consideradas como jogos de azar. “Antes de recorrer a uma eventual proibição completa das Lootboxes no Brasil, existem outras alternativas para mitigar os possíveis efeitos negativos de sua comercialização e adequar a atividade à proteção constitucional conferida ao consumidor”, afirma Filipe Senna, advogado especialista em Regulação de Jogos de Fortuna nesta análise exclusiva para o GMB.

No Brasil e no mundo, as Lootboxes, ou caixas de recompensa, são a nova forma do mercado de entretenimento monetizar jogos eletrônicos, sejam eles de celular, computador ou Videogame. Essas caixas de recompensa são consumíveis que fornecem, aleatoriamente, benefícios ao jogador, os quais podem ser meramente estéticos ou até afetar a jogabilidade e garantir vantagens ao comprador.

As Lootboxes funcionam da seguinte maneira: o jogador adquire o produto na loja do respectivo jogo eletrônico; ao abrir a caixa, o jogador tem a chance de ganhar um item aleatório dentro de um conjunto, podendo o item sorteado ter um valor muito superior à caixa, tal como pode ter um valor agregado abaixo do que fora desembolsado para lançar-se à sorte.

Muitos dos jogos atuais, de todos os gêneros, possuem essas caixas de recompensas e, na maioria dos casos, podem ser comprados com um ou dois cliques. Inclusive, os jogos eletrônicos de maior sucesso na atualidade adotam essa prática, sejam eles destinados a crianças e adolescentes ou restritos ao público adulto.

Para uns, as Lootboxes podem ser um meio barato de adquirir itens virtuais ou recompensas interessantes, que normalmente são muito mais caros se comprados diretamente. No entanto, por envolver a expectativa do comprador na conquista de um item valioso dentro de um evento, em tese, aleatório, essa atividade pode gerar consideráveis prejuízos a esse jogador, se não forem determinadas regras específicas para o tema.

Conforme delineado pelo Professor Anthony Cabot, da Universidade de Las Vegas, Nevada, para se classificar uma atividade como um jogo de fortuna, popularmente chamado de jogo de azar, deve-se constatar três elementos essenciais: (i) uma aposta ou pagamento para participar do jogo (Consideration); (ii) uma chance de ganhar (Chance); e (iii) um prêmio a ser alcançado (Prize). Excluem-se desse rol todos os jogos aos quais se necessita habilidade para ganhar, e não só sorte, como bilhar e poker, por exemplo.

As Lootboxes podem, em regra, apresentar os elementos necessários à classificação da atividade como um jogo de fortuna mesmo inseridas em jogos eletrônicos gratuitos. Ao adquirir a caixa de recompensa, o jogador paga um valor para ter um acesso e participar do jogo, sendo cumprido o primeiro requisito; participando do sorteio, mesmo o jogador tendo a garantia de que irá ganhar alguma recompensa, essa recompensa pode ser monetariamente desfavorável, o que pode se considerar uma derrota, tal como pode ganhar um item valioso, sendo cumprido o segundo requisito; por fim, existe o prêmio que, se sorteado, pode contemplar algo sem valor, como uma derrota, tal como algo estimado e valioso, sendo muito semelhante ao terceiro requisito.

Como é uma atividade muito semelhante a um jogo de fortuna, as caixas de recompensa disponibilizadas em jogos eletrônicos podem contribuir para a adicção de parte desses jogadores na aquisição desses produtos. Um dos principais problemas vinculados à prática de jogos sem a devida regulamentação é a ludopatia, ou o Jogo Patológico (CID-10 F63.0), que consiste na prática abusiva e irresponsável da atividade, popularmente conhecida como “vício em jogos”.

Já foram constatados episódios semelhantes à ludopatia em outros países pela venda de Lootboxes, sendo sugerido por pesquisadores da York St John University que essas caixas estão relacionadas ao aumento do Jogo Patológico entre jogadores de jogos eletrônicos. A Bélgica, por exemplo, tomou a drástica atitude de proibir a comercialização de todos os tipos de Lootboxes em seu território, sob o argumento de que essa atividade fere as leis relativas a jogos de fortuna naquele país, por se tratar de uma atividade que causa danos à saúde mental da população, principalmente crianças e adolescentes.

No Reino Unido, foi adotada uma proibição parcial da comercialização dessas caixas surpresa. O Parlamento proibiu a venda de Lootboxes que contenham o elemento de chance em jogos que fossem destinados a crianças e adolescentes. A decisão quanto a proibição se deu em razão da aplicação do Princípio da Precaução, dada a insuficiência de estudos que comprovem a ausência de ligação entre as Lootboxes e o jogo patológico em jovens.

A proibição das Lootboxes no Reino Unido é adotada mesmo diante da ausência de elementos que as classifiquem como jogos de fortuna na legislação daquele País. A ‘Gambling Act’, de 2005, condiciona a classificação da atividade em jogo de fortuna à existência de valor monetário real atrelado ao prêmio e, na interpretação atual, os prêmios das Lootboxes não conteriam esse valor real.

Antes de recorrer a uma eventual proibição completa das Lootboxes no Brasil, existem outras alternativas para mitigar os possíveis efeitos negativos de sua comercialização e adequar a atividade à proteção constitucional conferida ao consumidor. Essas alternativas contemplam ações preventivas, informativas e de sensibilização quanto aos eventuais danos provenientes da prática abusiva daquela atividade, sendo necessária a difusão de boas práticas e a promoção de ações que conscientizem o jogador do possível risco de adicção naquela prática.

A transparência na probabilidade de se obter cada um dos prêmios oferecidos, ao menos referente a cada categoria de prêmios, é um importante avanço para a proteção e conscientização do jogador. A partir do momento que o jogador tem acesso aos números correspondentes à chance de obtenção dos itens inseridos em certo conjunto sorteado, ou seja, uma probabilidade certa e visível de se obter um determinado item, é possível a esse comprador especular um valor médio que gastará para atingir o item desejado, tal como ponderar se aquela compra é viável diante de seu orçamento pessoal.

É necessário estipular regras às empresas que comercializam as Lootboxes para a delimitação de todos os itens que podem ser sorteados em uma determinada caixa. Um dos grandes problemas associados às Lootboxes, além das probabilidades muitas vezes incertas e obscuras, é a falta de transparência quanto ao que pode ser adquirido por meio daquele consumível, ou seja, quais itens estão inseridos no conjunto sorteado por aquela compra.

Um produto apresentado ao consumidor com a devida transparência reduz os eventuais danos colaterais que podem ser atrelados à atividade. Sendo assim, é possível definir, em meio a um conjunto determinado de itens com porcentagens claras acerca do seu respectivo sorteio, se o consumidor de fato quer participar do sorteio e qual a média de valores e caixas que deve gastar para atingir o item desejado.

Além da implementação de elementos que confiram maior transparência a esses produtos, pode-se adotar ações em caráter preventivo para conscientizar os jogadores acerca dos eventuais riscos de prática abusiva da atividade.

Em meio ao temor de aumento dos índices de ludopatia dos jogadores, a alocação de alertas e elucidação de riscos provenientes da aquisição descontrolada de Lootboxes pode se tornar uma alternativa para a conscientização dos jogadores a respeito daquele item. Ao adentrar na página de compra desses consumíveis, alerta-se ao consumidor o caráter potencialmente sedutor da atividade, com exposição breve dos possíveis riscos, tal como a necessidade de moderação na prática da atividade, para que não se torne um transtorno.

Ademais, é prudente fornecer aos pais de crianças e adolescentes que jogam jogos eletrônicos a possibilidade, por meio de ferramenta de controle parental, de restringir as compras ou limitá-las a um número máximo de compras diárias a seus filhos. Tais medidas reduzem o risco de compras exacerbadas feitas por crianças ou adolescentes, ao passo que permitem a restrição dos gastos com Lootboxes à porção disponível para tal fim no orçamento familiar.

Mesmo que ainda pouco estudadas, as Lootboxes merecem atenção especial. Delineados os eventuais ou possíveis riscos do produto, é possível adotar medidas preventivas para mitigar os eventuais danos ao consumidor e, se constatado, o aumento do jogo patológico entre jovens, como aumento da transparência e conscientização a respeito dos riscos do produto. Assim, pode ser possível conciliar as garantias ao jogador e a viabilidade da atividade.


Filipe Senna

Advogado pela Universidade de Brasília, Pós-graduando em Direito Administrativo pelo IDP e especialista em Regulação de Jogos de Fortuna