JUE 28 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 02:32hs.
Helio Beltrão, engenheiro com especialização em finanças

Azar do brasileiro: Governo quer taxar jogos de habilidade

Na edição da hoje (22) da Folha de S.Paulo, Helio Beltrão, engenheiro com especialização em finanças, MBA na universidade Columbia e presidente do instituto Mises Brasil, afirma que “o sucesso crescente das apostas em futebol atiçou o grande arrecadador” em referência ao processo de regulamentação que o governo leva adiante para o mercado de apostas esportivas no Brasil. O autor do texto salienta as diferenças e semelhanças de jogos que dependem da sorte e os jogos de habilidade.

Um amigo meu começou a investir na Bolsa, no ano passado. Comprou algumas ações ouvindo dicas e fazendo sua própria análise. Até uns meses atrás estava satisfeito com sua performance. Mas desde junho perdeu tudo que havia ganhado (desconsiderando a perda inflacionária), atribuídos por ele ao recrudescimento da pandemia e ao cenário externo.

Seu filho de 18 anos é adepto do Cartola FC, um ‘fantasy game’ no qual se pontua conforme os gols e assistências (e outros parâmetros) que seus jogadores ‘adquiridos’ converterem na vida real. Joga há dois anos e ganhou mais de R$ 6.000 em prêmios.

As atividades de pai e filho são mais parecidas do que possivelmente imaginam. Tanto os retornos de investimentos em bolsa como os resultados de jogos de futebol envolvem habilidade e chance, em proporções curiosamente parecidas. A sorte é importante em ambos os casos. Mas a habilidade também é determinante. É uma mistura.

Porém, ambos são jogos: (1) coloca-se um dinheiro na frente, (2) ocorre um componente de sorte, após o qual (3) apura-se lucro (prêmio) ou perda.

Não há dúvida que um jogo de tênis profissional – que pontua a cada 30 segundos em uma partida de horas –, tenha mais a ver com habilidade do que sorte. Por outro lado, um jogo como blackjack (‘21’) depende mais da sorte do que de habilidade (verdade contestada pela estupenda façanha dos estudantes do MIT que contavam cartas nos anos 80 e 90). A proporção entre sorte e habilidade varia para cada jogo.

Daniel Kahneman, psicólogo e Nobel de Economia, sustenta que a Bolsa de Valores é mais parecida com puros "jogos de azar" do que atividades como o Cartola FC. Kahneman afirma que o setor de fundos de ações “é sustentado majoritariamente por uma ilusão de habilidade”, e que as evidências de muitas décadas de pesquisa comprovam que “a seleção das ações é mais parecida com o lançar de dados do que com pôquer”.

Em boa parte dos países, jogos pagadores de prêmios que dependem exclusivamente da sorte – loteria, jogo do bicho, bingo, e roleta – tendem a ser monopolizados pelo Estado. Por outro lado, aqueles que dependem de habilidade – futebol, tênis, xadrez, Bolsa de Valores, Sudoku –, podem ser explorados comercialmente pela livre iniciativa.

Em 2018, a lei 13.756 legalizou as apostas esportivas (mais dependentes de habilidade do que sorte), nas quais o apostador sabe no momento da aposta quanto vai ganhar ("quota fixa"). É a modalidade que mais cresce no mundo, impulsionada por apostas online. No Brasil, apaixonado por futebol, as apostas em sites como bet365, Sportingbet, galera.bet, Netbet, e outros têm crescido substancialmente.

É uma saudável competição ao governo, que há séculos (1784) detém o monopólio de loterias. Atualmente distribui em prêmios, em termos brutos, apenas 43% (cerca de 31% líquidos) do total arrecadado. Para efeito de comparação, cassinos e caça-níqueis (proibidos no Brasil) costumam distribuir entre 85% e 95% do valor arrecadado, os sites de apostas, cerca de 95% (vencedor de um jogo), e os "fantasy games", cerca de 90%.

O Congresso acaba de aprovar urgência para tramitação de um projeto de lei que regulamenta e autoriza jogos de azar mediante leilões de concessões e taxas diversas de operação (além de criar mais um órgão federal). No mesmo bojo quer regular também os jogos de habilidade, como as apostas esportivas, que já operam desde 2018 sem necessidade de licença adquirida em leilão. Operar sem licença deixará de ser contravenção para ser crime punível com até sete anos de cadeia.

É mais um capítulo da triste história de um Estado que não pode ver um negócio prosperando, que logo quer meter a mão.

Helio Beltrão
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia e presidente do instituto Mises Brasil.