Folha de S. Paulo - Como tem sido a transição de executivo da Globo para dono de sua própria empresa?
Marcelo Gonçalves de Campos Pinto - Em toda minha carreira sempre busquei o crescimento através do estudo dos mercados, para entendê-los em profundidade e poder traçar suas tendências, com vistas a produzir conteúdos e modelos de distribuição inovadores. Assim foi minha passagem pela Globo. Após 43 anos de trabalho, tirei um período sabático para aprofundar o conhecimento sobre as estratégias das diversas plataformas digitais e entender como os detentores de direitos poderiam tirar o melhor proveito desse momento de transição no hábito de consumo dos amantes de esportes.
Quando e como nasceu a ideia da Sportsview?
Nasceu no início de 2019, quando tive a certeza de que as tradicionais plataformas de distribuição de mídia esportiva não mais teriam geração de caixa suficiente para atender às crescentes necessidades financeiras do futebol brasileiro. Primeiro nasceu o nome: SportsView. Senti a necessidade de trazer um novo ponto de vista que pudesse ajudar o esporte enfrentar as quebras de paradigmas trazidas pela revolução digital. Não era uma empresa e sim uma marca de fantasia que passei a utilizar nos serviços de consultoria que prestava aos meus clientes.
Naquele momento, em minhas palestras e pareceres, previ que antes de 2021 a Globo iria fazer um drástico movimento com o objetivo de reduzir seu custo de aquisição de direitos esportivos. Quase ninguém acreditou, mas o fato é que aconteceu. Os sinais eram evidentes: queda nas receitas publicitárias e no número de assinantes de TV por assinatura a cada ano desde o fim de 2015, conjugada com o crescimento acelerado do número de consumidores das grandes plataformas digitais de conteúdo audiovisual.
Em seu portfólio, as partidas também são transmitidas ao vivo em sites e aplicativos de apostas. Quais cuidados são necessários para zelar pela integridade do esporte?
O direito de exibição dos jogos do Carioca-2021 foi vendido para exibição nas plataformas de betting rights [apostas] existentes em diversos países europeus, asiáticos e na América do Norte, onde esse tipo de aposta já foi regulamentado. Não foi negociado, portanto, para qualquer empresa com sede no Brasil, com o que se respeitou a legislação vigente. Com relação ao procedimento de checagem de movimentos anormais nos volumes de apostas, fechamos uma parceria com a empresa SportsRadar, com atuação global, que utiliza um sistema próprio de detecção de fraude. É um monitoramento sofisticado, utilizando inteligência artificial no cruzamento de uma série de dados para análise de movimentações suspeitas relacionadas às apostas, que visa preservar a integridade e o fair play em todas as partidas da competição.
Esta é uma tendência?
A venda faz parte de uma estratégia de distribuir o produto em todas as plataformas de mídia com o objetivo de aumentar as receitas dos clubes. Já se mostra como uma tendência na comercialização de direitos de competições por parte de ligas e clubes em vários países da Europa, Ásia e América do Norte.
O mercado de direitos de TV está dando uma guinada brusca. Hoje, Record e SBT estão transmitindo torneios importantes. É uma estratégia temporária ou uma mudança que veio para ficar?
Acredito que é uma decorrência da mudança da estratégia da Globo na compra de direitos de transmissão esportivos. O movimento de retração da Globo gerou belas oportunidades para SBT, Record e Band, que se aproveitaram para adquirir direitos importantes e estão procurando construir um portfólio que lhes permita capturar investimentos publicitários que seguem modalidades esportivas onde quer que elas sejam exibidas, como é o caso do futebol e da F1. Veio para ficar.
Os valores pagos pelos direitos de transmissão se transformaram em uma bolha, com valores fora do mercado. A tendência é que aconteça uma estabilização?
Mesmo antes da pandemia alguns mercados já davam sinais de que os preços haviam atingido patamares muito altos. Recentes renovações de contratos na Bundesliga, Premier League e na Serie A Italiana demonstram isso. Por outro lado, nos Estados Unidos têm ocorrido aumentos nos novos contratos. Por aqui vai depender da entrada de novos players. Se não tivermos novas plataformas de mídia interessadas na compra de competições brasileiras, teremos um período de vacas magras em razão da perda do poder de compra da chamada mídia linear, a TV aberta e TV por assinatura
É importante que se dê início ao desenvolvimento e lançamento de novos formatos de distribuição do conteúdo esportivo, por exemplo, através de aplicativos de OTT [over the top, distribuição feita pela internet] e plataformas digitais. A tecnologia 5G, que irá revolucionar esse mercado, está ali na esquina.
Você é a favor de uma mudança na legislação, como se tentou através da medida provisória que alterou a “Lei do Mandante” em 2020 (e que já perdeu sua validade)?
Esse é mais um daqueles temas em que existem bons argumentos de ambos os lados. Num primeiro momento me manifestei a favor, pois sei que muitos clubes que disputam campeonatos que não são transmitidos por qualquer plataforma de mídia têm capacidade, devido ao tamanho de sua torcida, de monetizar os seus jogos. Com a mudança na legislação eles passariam a ter uma fonte de receita hoje inexistente.
Também não vejo a “Lei do Mandante” como um fator impeditivo de futuras negociações coletivas de direitos de transmissão, modelo esse que entendo ser o que agrega maior valor para os clubes. Num mundo em que os consumidores do futebol frequentam múltiplas plataformas de distribuição de conteúdo audiovisual, só uma competição explorada economicamente de forma coletiva tem capacidade de produzir produtos sob medida para alcançar os torcedores em todas as mídias.
Fonte: Folha de S. Paulo