Historicamente consideradas uma prática ilegal, as apostas esportivas passaram a ser legalizadas em 2018, por meio da Lei 13.756/2018, porém, não emplacaram no País, especialmente em razão de questões tributárias, que estrangulavam as margens dos operadores. Isso, em parte, foi revisto pela Lei 14.183/2021, que acaba de ser sancionada pelo Presidente da República. A questão a saber é se as medidas adotadas serão suficientes.
Popularmente conhecidas como apostas esportivas, as apostas de quota fixa são aquelas nas quais o apostador tenta prever o resultado de eventos reais esportivos (tais como, placar, número de cartões, quem fará o primeiro gol, etc.) em eventos esportivos, sabendo de antemão quanto poderá ganhar em caso de acerto.
Diferentemente das loterias convencionais, nas apostas de quota fixa, o apostador sabe, no momento em que realiza a aposta, quanto poderá ganhar em caso de acerto, com base em um multiplicador do valor apostado (a quota fixa), previamente definido pelo do valor apostado.
A Lei 13.756/2018, ao dispor sobre a destinação do produto de arrecadação das loterias de quota fixa, em seu artigo 30, distingue as apostas realizadas em meio físico daquelas feitas em meio digital.
Nas apostas feitas em meio físico, era estipulado que ao menos 80% do montante arrecadado deveria retornar aos apostadores em forma de pagamento de prêmios e de Imposto sobre a Renda incidente sobre esses valores.
Além disso, 0,5% do valor arrecadado era destinado para a seguridade social; 1% para as unidades escolares públicas de educação infantil, ensino fundamental e ensino médio que alcançassem determinadas metas estabelecidas pelo Ministério da Educação; 2,5% para o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP); 2% para os clubes de futebol que cedessem os direitos de uso de suas denominações, marcas e símbolos para divulgação e execução da loteria de apostas de quota fixa, restando 14%, no máximo, para a cobertura de despesas de custeio e manutenção do agente operador da loteria de apostas de quota fixa.
Desse modo, os operadores de apostas por quota fixa realizada em meio físico dispunham de apenas 14% do valor total arrecadado para remunerar sua atividade, devendo, desse montante, ainda, ser descontados os custos da operação, o que reduzia sensivelmente a margem de lucro do negócio, muitas vezes até o inviabilizando.
Nas apostas por quota fixa em meio virtual, a margem dos operadores era ainda mais restrita. Do total arrecadado com as apostas, 89% deveria ser destinado aos apostadores, seja em forma de prêmios, seja mediante a retenção do imposto por eles devido. Assim como no caso das apostas físicas, percentuais da premiação deveriam ser destinados à seguridade social (0,25%); às unidades escolares públicas (0,75%); para o FNSP (1%) e para os clubes de futebol (1%), ficando para custear a atividade do operador e sua margem de lucro somente 8%.
As receitas destinadas aos operadores ainda sofriam um sério agravante. Equivocadamente inspirado na loteria convencional, o legislador previu que todos os percentuais acima indicados – fossem eles no âmbito das apostas físicas ou virtuais – deveriam recair sobre o valor bruto das apostas (turnover), isto é, sobre o total movimentado, o que reduzia significativamente o retorno do investidor.
O equívoco cometido pelo legislador ao redigir originalmente a Lei 13.756/2018 deu-se devido à falta de compreensão de que a loteria de quota fixa é uma modalidade de apostas relativa a resultados de eventos esportivos, em que se define, no momento de efetivação da aposta, quanto se pode ganhar em caso de acerto. A premiação é atrelada ao valor da aposta e não, como na loteria convencional, ao valor do produto da arrecadação.
Os números não mentem. Os operadores das apostas de quota fixa vivenciaram uma situação única. De um lado viram sua atividade – que por décadas foi relegada à ilegalidade – finalmente autorizada e reconhecida como uma prática lícita. E de outro, devido às severas margens de retorno impostas pela Lei 13.756/2018, experimentaram situações proibitivas, que impediam o desenvolvimento adequado da atividade no Brasil.
O legislador brasileiro conseguiu uma proeza: ao mesmo tempo em que permitiu no País a prática das apostas esportivas, proibiu-a. E tudo isso no bojo de uma única lei, a Lei 13.756/2018.
Diante das duras críticas que a legislação sofreu, o Congresso Nacional propôs alterações na Lei 13.756/2018, por meio da Medida Provisória 1.034/2021, posteriormente convertida na Lei 14.183/2021.
A referida lei, ao tratar das apostas de quota fixa, de início modificou a base de cálculo sobre a qual os encargos recaem. Deixou de adotar o cálculo baseado no valor total das apostas (turnover) para todos os encargos, e, para grande parte deles, passou a realizá-lo a partir da receita bruta do operador (Gross Gaming Revenue – GGR), que é o resultado do total apostado menos os prêmios pagos, ou seja, o prêmio líquido recebido pelo operador.
Essa sutil mudança foi decisiva para o negócio. A alteração trazida pela Lei 14.183/2021 estabelece que, do total arrecadado (turnover), sairão primeiramente os prêmios, sem fixar o montante e o valor do Imposto de Renda, cuja alíquota nessa modalidade é de 30%, e a parcela destinada à Seguridade Social, que será de 0,10% para apostas em meio físico e de 0,05% para aquelas realizadas em meio virtual.
Feitos esses descontos sobre o total das apostas, em um segundo momento, sobre o valor que restar após a primeira repartição (GGR), haverá a destinação de 0,82% para as unidades escolares públicas; 2,55% para o FNSP; 1,63% para os clubes de futebol e 95% para os operadores de apostas esportivas.
Com isso, observa-se uma alteração não apenas em relação à base de cálculo – que deixa de se pautar para grande parte no total arrecadado (turnover), e passa a incorporar em boa medida o GGR – como também o percentual destinado ao operador, antes limitado a 14% nas opostas físicas e a 8% nas virtuais, e que agora passa a ser de até 95%.
A proposta encaminhada à sanção presidencial ainda deixava claro que o montante destinado ao pagamento de prêmios e ao recolhimento do Imposto de Renda incidente sobre a premiação não deveria compor a base de cálculo das contribuições incidentes sobre folha de salários (previdenciárias), receita (PIS/COFINS) e lucro (CSLL) devidas pelos agentes operadores, na medida em que não são receitas deles, mas dos apostadores (premiação) e da União (imposto).
Nesse ponto, infelizmente, a Lei 14.183/2021 avançou menos do que poderia, pois o Presidente da República, sob o argumento que a medida geraria insegurança jurídica, ao sanciona-la, vetou o §5º que seria acrescido ao artigo 30 da Lei 13.756/2018 e trazia justamente essa disposição, contrariando recentes manifestações do da Suprema Corte sobre o tema.
Enfim, as modificações na legislação brasileira de apostas de quota fixa, apesar de pontuais, foram decisivas e devem, definitivamente, contribuir com a indústria de apostas no Brasil. Não podemos nos iludir, ainda há impasses importantes com relação à tributação das apostas que precisam ser solucionados.
A forma de cálculo das contribuições sociais previstas no artigo 195 da Constituição Federal é um deles. Contudo, o maior talvez, diga respeito ao momento da tributação dos prêmios. Nossa legislação segue determinando a incidência do Imposto sobre a Renda na data da distribuição dos prêmios, sem atentar para o fato de o apostador, em especial o profissional, ter por hábito reaplicar o valor do prêmio em novas apostas e não o resgatar de imediato. Tal fato faz com que um apostador possa, em um mesmo dia, ganhar um prêmio e, na sequência, perdê-lo por completo, tendo, atualmente, que tributar uma quantia que não levou para casa.
Enfim, esse é um ponto que esperamos que venha a ser solucionado pelo Poder Executivo no momento da regulamentação da Lei 13.756/2018. Agora, é aguardar e ver se os ajustes propostos pela Lei 14.183/2021 vão efetivamente impulsionar o mercado de apostas no Brasil, ou se ainda precisaremos de mais correções.
RAFAEL MARCHETTI MARCONDES
Consultor do escritório Pinheiro Neto Advogados, professor de Direito Esportivo e Tributário, doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP e MBA em gestão esportiva pelo ISDE/FC Barcelona.
Fonte: JOTA.info