A relação tensa entre apostas esportivas e instituições de futebol já tem “barbas”. Entre avanços e recuos e passagem de regulamentação inexistente para regras apertadas, as casas de apostas tiveram de esperar anos para fazerem o seu caminho no futebol português.
Mas parece que esse caminho está desbravado a partir da temporada que começou nesta sexta-feira. A I Liga vai chamar-se “Liga Bwin” até 2025/26, o que é, desde logo, um cartão de visita impossível de ignorar. Aberta que estava a porta, as casas de apostas entraram de repente também nos clubes de futebol.
Os jogadores do Sporting e do Marítimo vão exibir o nome da Betano semana após semana, enquanto Betway (Belenenses SAD), Placard (Vitória, Moreirense, Boavista e Famalicão) e Solverde (Estoril, Santa Clara e Paços de Ferreira) vão estar como patrocinadores principais das camisas de outros oito clubes da I Liga. Mais de metade dos clubes da primeira divisão vai exibir casas de apostas nos jogos da I Liga.
Este é um cenário que virá da regulamentação pós-2015, ano em que várias casas de apostas tiveram de parar a atividade em Portugal, depois de terem dado, nos primeiros dez anos deste século, uma forte base comercial ao futebol nacional.
Recuperadas as licenças e dado tempo para o fim dos patrocínios, entretanto já contratualizados, as casas de apostas puderam começar a “atacar” novamente os clubes da I Liga. E o fazem com força.
Para os clubes, estes patrocínios são, em tese, uma boa notícia. E para o futebol, em geral, e a luta contra o match-fixing, em particular? Marcelo Moriconi, investigador do ISCTE, adianta ao Publico que não vê este fenômeno como um problema pelas relações pouco éticas que podem colocar os clubes nas mãos das empresas de apostas, mas mais pelo problema social e econômico que esta dependência pode trazer.
“Não creio que haja um problema ético por si só. É claro que o conflito de interesses me preocupa, mas falando em concreto dessa questão do match-fixing, não creio que aqui se trate de um problema de os jogadores ficarem mais fáceis de corromper. O patrocínio por si só não coloca clubes ou atletas mais manipuláveis. E até acredito que os clubes queiram tentar fugir a esses esquemas, para poderem proteger essas empresas que tanto lhes pagam”, aponta.
E este é o ponto central: pagar. Para Marcelo Moriconi, especialista em integridade e corrupção no esporte, os clubes aceitam patrocínios de casas de apostas “porque são elas quem dão mais dinheiro” e têm de estimar bem essas fontes de rendimento.
“Pela situação econômica dos clubes, muitos com autênticos buracos financeiros, as casas de apostas chegam com dinheiro e ninguém pode dizer que não”, argumenta, para explicar por que motivo Portugal surge na contramão comparado com países como Inglaterra ou Espanha, cada vez mais empenhados em afastar as casas de apostas das camisas dos clubes.
Não há, portanto, um problema ético por si só, mas sim um problema social: “Para mim, o problema é a dependência da parte econômica. A pergunta que devemos fazer é se o futebol é uma atividade para ser vendida a clientes ou se é um esporte. Na Superliga europeia, por exemplo, era um pouco disso que se tratava. Muitos países proíbem estes patrocínios pelo problema social que se cria. No fundo, o esporte acaba por tentar conquistar as gerações mais jovens através do apelo às apostas”.
Mais do que um convite direto ao match-fixing, estes patrocínios serão, isso, sim, uma “teia” para os mais jovens, cuja adição ao jogo é uma luta premente.
Fonte: Publico PT