Desde muito vem-se discutindo a liberação do jogo no Brasil. Acredito mesmo que tal discussão já tenha se iniciado lá pelos idos de 1946, logo após a publicação, pelo então Presidente da República, Marechal Eurico Gaspar Dutra, do Decreto nº 9.215, de 30/04/1946, que proibiu, em nome da “tradição moral jurídica e da religião” (vide abaixo o texto inicial do mencionado Decreto) os jogos de azar no Brasil:
“O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição, e
Considerando que a repressão aos jogos de azar é um imperativo da consciência universal;
Considerando que a legislação penal de todos os povos cultos contém preceitos tendentes a esse fim;
Considerando que a tradição moral jurídica e religiosa do povo brasileiro e contrária à prática e à exploração e jogos de azar;
Considerando que, das exceções abertas à lei geral, decorreram abusos nocivos à moral e aos bons costumes;
Considerando que as licenças e concessões para a prática e exploração de jogos de azar na Capital Federal e nas estâncias hidroterápicas, balneárias ou climáticas foram dadas a título precário, podendo ser cassadas a qualquer momento:”
Nesta época, da noite para o dia, tiveram que ser fechados cassinos famosos e luxuosos, a exemplo do Copacabana Palace e o da Urca, no Rio de Janeiro, o Quitandinha, em Petrópolis, o Monte Serrat, em Santos e o da Pampulha, em Belo Horizonte. E desde então o jogo se tornou uma contravenção penal.
A discussão ganhou novos ares em dezembro de 2018, com a publicação da Lei nº 13.756, que criou a modalidade denominada APOSTA DE COTA FIXA. Logo no início de 2019, a discussão foi ainda mais reforçada quando foi divulgada uma minuta de Decreto que regulamentaria esta modalidade lotérica. Já de cara, a minuta previa que a mencionada loteria seria explorada “exclusivamente em ambiente concorrencial”. Isto significaria a quebra do monopólio da Caixa Econômica Federal sobre as loterias. A minuta também estabelecia que tais apostas seriam vinculadas exclusivamente a eventos reais de temática esportiva. Naquele momento, tudo indicava que o projeto seria aprovado, sendo veiculada até a eminência da assinatura pelas autoridades do Poder Executivo.
Um fato interessante é que tal minuta trazia a seguinte destinação do total arrecadado:
Entre 0,1% e 0,15$ seria destinada à Seguridade Social;
0,1% para as escolas públicas dos ensinos fundamental e médio, desde que atingissem as metas estabelecidas para os resultados das avaliações nacionais da educação básica;
0,1% para o FNSP (Fundo Nacional de Segurança Pública);
De 0,65% a 0,7%, seria destinado para entidades desportivas da modalidade futebol que cederem os direitos de uso de suas denominações, suas marcas, seus emblemas, seus hinos, seus símbolos e demais signos congêneres para divulgação e execução da loteria.
99% ficariam para cobertura das despesas de custeio e manutenção do agente operador da loteria e para premiação bruta.
O Decreto também estabelecia que o percentual de 99% discriminado acima seria objeto de decomposição entre as despesas com custeio e manutenção e a premiação bruta, a critério dos agentes operadores.
Havia também a determinação de que o operador das apostas constituísse capital mínimo de R$ 6 milhões, como forma de garantir a capacidade financeira do negócio. Além disso, a minuta estabelecia penalidades severas para os infratores das regras, que poderia chegar até a 100% do faturamento bruto da empresa, entre outras penas.
Um ruído de comunicação criado pela divulgação desta minuta foi o de que ela conteria a permissão para distribuição de prêmios de valores inferiores a R$ 10.000,00, sem a devida autorização. Na verdade, o que a minuta estabelece é que apenas os prêmios de valor superior a R$ 10.000,00 precisariam ser comunicados à UIF (Unidade de Inteligência Financeira) do Banco Central, como medida de prevenção à lavagem de dinheiro. Para os prêmios de valor inferior, não haveria a necessidade da comunicação ao BACEN. Mas isto não significa que se poderia distribuir estes prêmios sem autorização.
A partir de então, muita água rolou, mas o barco não saiu do lugar. Pelo menos do ponto de vista legal. Na prática, várias empresas investiram no negócio, mas por falta de regulamentação, tiveram que hospedar seus sites fora do Brasil, a exemplo do domínio “.io” (identificador de localização da plataforma no Território Britânico do Oceano Índico). O interessante é que, sem regulamentação, atividade ainda deve ser considerada ilegal no país. Porém, há publicidade constante dos serviços de apostas nas mídias brasileiras. E publicidade 100% dirigida ao público nacional.
Aparentemente ainda existe uma disputa dentro do Poder Executivo sobre quem será o Órgão Regulador e Controlador da atividade. A própria minuta do Decreto apresenta diversas vezes a expressão “...fica a cargo do Ministério da Economia, ou órgão que vier a sucedê-lo...”. Ou seja, já naquele momento, havia uma indefinição de quem seria o dono do barquinho. Até pouco tempo, o assunto estava na esfera do Ministério da Economia, junto com as nossas promoções comerciais, o que, na minha opinião nos prejudicaria muito, uma vez que nos coloca no mesmo patamar dos jogos de azar. Para quem lembra, quando o Governo nos colocou ao lado dos Bingos, o mercado de promoções caiu do patamar de 6.000 para menos de 500 promoções por ano, por conta das dificuldades de obtenção de autorização. Mais recentemente, o assunto foi passado para o Ministério da Justiça e, se depender da minha vontade, ficará lá, para sempre.
Que vivam as promoções, de forma autônoma e independente de outras formas de distribuição de prêmios que não sejam as nossas!
Antonio Salgado Neto
Sócio-diretor da ASPN Soluções Legais, empresa que assessora agências e departamentos de marketing de clientes em tudo o que diz respeitos aos aspectos legais das promoções junto aos órgãos oficiais.