Desde os anos da década de 1940 os brasileiros se deparam com a situação de dúvida quanto aos jogos de azar, principalmente pela incongruência do Estado ser liberado para gerir milhões em apostas. Nos dias mais atuais, crescente foi a participação do poker nessa discussão, relativamente ultrapassada na atualidade. Contudo, possivelmente o aparecimento de diversos sites de apostas online, miradas nos esportes mais populares dos países, seja o atual desafio dos operadores do Direito.
Recente legislação federal foi bastante comemorada por aqueles que aderiram às apostas digitais, e há uma esperança de que o governo federal "libere" a modalidade de forma ampla. A adesão é ampla, inclusive, pelos entusiastas dos "eSports".
Não entendemos dessa forma.
Com efeito, percebemos uma enxurrada avassaladora de sites que permitem aos brasileiros, assim como pessoas de outras nacionalidades, apostarem em resultados de partidas dos jogos, desde o popular futebol "de campo", futebol "americano", rugby, beisebol, basquete e por aí vai. Mas a pergunta fica: é lícito efetuar contratos de apostas no Brasil?
A resposta é positiva! O fato de apostar em si não é proibido por Lei, o que, pelo princípio da legalidade (artigo 5º da Constituição de 1988) permite ao brasileiro efetuar as apostas em si.
O problema reside, entretanto, na parte mais benéfica do trato, ou seja, no recebimento do valor do prêmio em caso de vencer a aposta ocorrida pois há expressa vedação legal quanto à cobrança judicial de valores de jogos e apostas. O artigo 814 do Código Civil vigente assim dita: "As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento".
Em outras palavras, não haveria Eficácia nos planos Ponteanos, pois se vê que podem existir e são válidos tais negócios, eis que se pode receber licitamente a dívida, que, neste caso, não poderia ser repetida, conforme a parte final do mesmo artigo 814: "mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito".
Necessário se mencionar que não é lícito "estabelecer ou explorar" os jogos de azar no Brasil, pois há vedação da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/1941).
Na linha, eram conceituados como "jogos de azar" aqueles que se enquadrassem no §33º do artigo 50 da citada norma das contravenções, a saber: "a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva".
Alguns têm sustentado que a modificação da "destinação dos recursos das loterias" teria revogado tacitamente o conceito de jogo de azar, o que, por seu turno validaria a exploração dos betting sites no território brasileiro, entendimento do qual não compartilhamos.
Em resumo, fundamentam tal entendimento pelo fato de que há modalidade lotérica que abarca prognósticos esportivos, o que incluiria qualquer desporto e, ainda, o esporte eletrônico (eSport).
A redação atual abarca como loteria, portanto, "IV - loteria de prognósticos esportivos: loteria em que o apostador tenta prever o resultado de eventos esportivos;".
Entretanto, a leitura é equivocada no sentido de revogação tácita, pois no Brasil sempre se teve que a Loteria autorizada, gerida pelo Poder Público, é uma exceção à regra das contravenções penais, mesmo que seja hipótese de "jogo de azar", como é a Loteria Federal. Inclusive o Supremo teve oportunidade de se tratar rapidamente do assunto de "antinomia", na lavra do excelentíssimo ministro Marco Aurélio Mello (CR 9970/EU): "A antinomia, na hipótese, é flagrante: a proibição de antigamente contrasta com a habitualidade dos jogos patrocinados pela Administração Pública".
Ou seja, não há liberação ou legalização da exploração de apostas por meio da Lei 13.756/2021, no citado artigo 14, §1º. O que fez o legislador, a bem da verdade, foi excetuar à Loteria Federal a possibilidade de criar aposta lícita no âmbito dos esportes, do qual se concorda que adentram os eSports, sem dúvida neste último. Assim, é possível que sobrevenha Loteria Estatal, mas não estabelecimento particular de apostas em esportes eletrônicos.
Superada a questão, remanescem na zona gris os sites de apostas, eis que, como dito, é possível que os brasileiros lá joguem contra o azar, mas que não poderiam existir no território nacional.
A manobra utilizada para a existência de tais sites e aplicativos é existir fora do território nacional, ou seja, fogem da aplicação da Lei das Contravenções Penais ao se estabelecer, ou melhor, estabelecer seus "servidores" em países que legalizam a prática de apostas. Tal jogada não é ilícita, mas pode ferir a moral de alguns.
Assim sendo, o apostador brasileiro, ao efetuar aposta nestes sites "estrangeiros", contrata com aqueles na forma da Lei estrangeira, e não a brasileira, sendo que ficaria adstrito às condições do local do servidor do site.
A situação, portanto, fica um tanto quanto complexa: o brasileiro, de dentro do território, aposta e contrato com site estrangeiro, que tem servidores em outros países, nos quais é lícita a exploração dos jogos de azar, cabendo a Lei do país ditar regras de legalidade de cada tipo de aposta.
Então, se ganhar, e o prêmio não for pago, seria possível cobrar dívida constituída pelo contrato que seria ilícito se entabulado no Brasil? Também entendemos que sim, mas não em todas as situações.
Isso porque o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento relativamente recente sobre a possibilidade de se cobrar dívida de apostas, mas, tão somente, se tiver ocorrido no exterior e em regularidade com a Lei local. O entendimento é de relatoria do ministro Villas Boas Cueva (Resp 1.628.974 — SP) e se ampara na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb).
A solução daquele caso foi interessante e se pautou pelo fato de que no estado de Nevada, de onde provinha a dívida de apostas, é plenamente lícita a cobrança da mesma, eis que lícita em si era a aposta. Contudo, é necessário que se comprove efetivamente que o apostador é vencedor (ou perdedor, no caso concreto) e se permita a dilação probatória na discussão, a fim de se evitar enriquecimento ilícito do credor.
Reversamente, pelo entendimento atual da Corte da Cidadania, se a aposta for feita em território onde ela não é permitida originariamente, não se poderia invocar o Direito Estrangeiro para cobrá-la e, igualmente, seria impossível a sua cobrança judicial no Brasil, posto que afrontaria os costumes e a ordem pública de ambos os países.
Alguns cuidados exsurgem, portanto, caso se queira intentar o jogo de azar em país estrangeiro, como, por exemplo, 1) verificar se no local é lícito apostar; 2) constatar se a licitude da aposta abarca o evento ou jogo intentado; 3) investigar se o site é confiável e paga demais ganhadores; 4) se é possível visualizar boa-fé e lisura nas operações; 5) verificar se há histórico de ganhadores que precisaram ir às vias judiciais, entre outras.
Cuidado, pois a via reversa é verdadeira, ou seja, pode-se cobrar do apostador aquela quantia que não pagar pela aposta perdida, respeitadas as mesmas premissas acima expostas. Em qualquer caso, os custos judiciais, e possivelmente dos profissionais, seria maior do que um caso de cobrança "comum".
Haja vista a volumosa procura, talvez estejamos no fim de uma era, em que a sociedade já não mais entende como "violação" dos bons costumes e da moral o fato de se apostar, seja em jogo de azar, seja no seu time favorito, seja por esporte ou seja por cálculo estatístico e probabilístico, cabendo ao Congresso modificar e permitir essa prática em solo nacional, caso seja a real vontade soberana da sociedade brasileira.
Marcelo Dias Freitas Oliveira
Advogado empresarial, parecerista, pós-graduado em Advocacia Cível, especialista em Políticas Públicas e Controle Externo e em Direito Tributário e sócio do escritório Batalha & Oliveira.