Vale entender mais no detalhe no que se trata essa opção normativa recém trazida pelo Decreto 11.249/2022, publicado no mês de novembro. O referido decreto dispõe sobre o procedimento de oferta de créditos líquidos e certos, próprios do interessado ou por ele adquiridos de terceiros, reconhecidos pela União, suas autarquias e fundações públicas, decorrentes de decisões transitadas em julgado.
Avançando um pouco, o texto legal permite em seu artigo 2, que credores da União, detentores de títulos da dívida pública (precatórios), possam utilizá-los para diversas finalidades, tais como: (i) a quitação de débitos parcelados ou de débitos inscritos em dívida ativa da União, inclusive em sede de transação tributária; (ii) a compra de imóveis públicos; (iii) o pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pela União; (iv) a aquisição de participação societária da União; e (v) a compra de direitos desse mesmo ente.
Dentre todas as finalidades destacadas, a que nos chama a atenção é a hipótese de se utilizar os precatórios para o pagamento de outorgas de serviços públicos. Isso porque, as apostas esportivas, foram enquadradas pela Lei 13.756/2018, como modalidades de loterias de quota fixa, isto é, espécies de serviço público exclusivo da União, nos termos do artigo 29 da referida lei.
Na versão mais recente que foi divulgada do decreto regulamentador da Lei 13.756/2018, está previsto que a exploração das apostas esportivas dependerá de autorização do Poder Executivo Federal, válida pelo prazo de 5 anos, a um custo de R$ 22,2 milhões.
Logo, se observa que com a edição do Decreto 11.249/2022, passa a existir a expressa possibilidade de um interessado em aplicar por uma autorização de funcionamento como operador lotérico de quota fixa se utilizar de precatórios próprios ou adquiridos de terceiros para quitar a elevada quantia de R$ 22,2 milhões. Surge para o interessado em ser um operador autorizado, a possibilidade de não desembolsar a quantia em espécie, e de fazer uso de títulos da dívida pública.
O interesse maior se dá pela possibilidade de aquisição de precatórios com grande deságio. Devido à demora do Poder Público em pagar suas dívidas, muitas vezes credores, cansados de esperar anos e anos para receber o que lhes é devido, aceitam negociar os valores que têm a recuperar com terceiros, por uma quantia inferior, em contrapartida de receber esse valor reduzido, de forma antecipada.
O mercado de títulos da dívida pública tem se mostrado bastante atrativo e tem chamado a atenção de muitas pessoas. Justamente, devido a esse crescente interesse, o mercado de precatórios também tem sido alvo de constantes fraudes. Oportunistas falsificam títulos em busca de obter vantagens ilícitas.
Esse tipo de conduta tem ligado um duplo sinal de alerta. De um lado deixa em atenção os particulares interessados em fazer uso dos benefícios de adquirir precatórios com deságio para realizar o pagamento de outorgas de serviços públicos. E, de outro lado, exige do Poder Público, um maior rigor da checagem da idoneidade desses títulos no momento em que são oferecidos como moeda de pagamento.
Para a entidade outorgante das autorizações de funcionamento aos operadores de apostas esportivas, irá ser necessário verificar a origem do precatório oferecido, isto é, examinar o processo que o originou, se há decisão transitada em julgado, se a quantia definida como efetivamente devida pelo Judiciário é condizente com o crédito apontado, e se o detentor do título tem como comprovar sua aquisição, em caso de compra feita junto a terceiros, dentre outras medidas preventivas. Enfim, a avaliação da autenticidade do precatório acabará extrapolando as competências do Poder Executivo que, inevitavelmente, irá precisar se socorrer à Procuradoria da Fazenda Nacional para fazer a análise do crédito.
Feitas essas ressalvas, o advento do Decreto 11.249/2022, ao permitir o pagamento de outorgas de serviços públicos mediante a utilização de precatórios, amplia o leque de opções dos operadores interessados em ingressar no mercado regulado de apostas esportivas, tão logo isso aconteça. O operador, deixa de ter a obrigatoriedade de realizar um desembolso de caixa, e passa a ter a possibilidade de pagar a taxa de outorga, hoje estipulada em R$ 22,2 milhões, por meio de precatórios. Agora é aguardar a abertura do mercado para ver se os operadores farão uso desse recurso.
Rafael Marchetti Marcondes
Professor de Direito Esportivo e Tributário. Doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Mestre em Gestão Esportiva pelo ISDE/ FC Barcelona. Especialista em Direito Tributário pela FGV/SP. Bacharel em Direito pela PUC/SP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). Advogado em São Paulo.
Fonte: Lei em Campo