O mercado brasileiro aguarda ansiosamente a regulamentação das apostas esportivas em território nacional e as oportunidades que esse setor pode garantir para a economia. Apesar da iminência da publicação das regulamentações, deve-se levar em consideração mecanismos que realmente possam fomentar a economia brasileira de maneira a gerar empregos e recursos para a economia. Em meio à crise fiscal instalada, o setor de apostas esportivas poderá representar uma boa fonte de receitas se explorados de maneira correta, responsável e legal.
A loteria de apostas quota fixa, ou apostas esportivas, foi criada pela Lei n. 13.756, de 12 de dezembro de 2018. Referida Lei determinou que o Ministério da Economia teria 2 anos prorrogáveis por igual período para regulamentar o tema (§3º do art. 29). Ou seja, o prazo para que tenhamos as normas regulamentadoras se encerra no final deste ano, prazo que está sendo estritamente considerado pelo Poder Público, devido a entraves políticos.
Em breve deve ser publicado o Decreto regulamentador. Logo em seguida virá a Portaria – ou Portarias – com mais detalhes da operacionalização dos procedimentos para se garantir as autorizações para os operadores. Aqui, cabe chamar a atenção para um ponto da mais absoluta relevância, que se confunde com a própria essência da criação das apostas esportivas no Brasil, qual seja, o fomento à economia e necessidade de adequação do setor a práticas internacionais de sucesso.
Há alguns meses, uma última minuta de Decreto foi disponibilizada em sítio da internet [Games Magazine Brasil] e determinava que a empresa de apostas deveria contar com uma operação com no mínimo 4 posições estabelecidas no País, quais sejam, um representante legal, um representante contábil, um ouvidor e um responsável por compliance. Além disso, os operadores devem constituir, no mínimo, filial em território brasileiro.
Por trás de uma boa intenção do Governo Federal de tentar fazer com que as receitas geradas com as apostas esportivas fiquem no Brasil, verifica-se a inexistência de mecanismos reais que possam, de fato, fomentar a economia brasileira e manter parte dos recursos investidos em território nacional.
Se por um lado é verdade que os tributos vão deixar recursos para o país, também é verdade que outros tantos recursos gerados na operação irão diretamente para o exterior, deixando de gerar riquezas para o Brasil. O que irá acontecer, de fato, é que de forma como foi redigida a última minuta divulgada do decreto regulamentador, os operadores de apostas esportiva abrirão uma única filial no Brasil, na maior parte das vezes com apenas as 4 posições indicadas na legislação, e sua operação continuará sendo, quase completamente, offshore, sendo os recursos aqui gerados, diretamente remetidos para o exterior, pouco contribuindo para a geração de empregos diretos e indiretos, como notícia o Planalto em voz alta.
Frise-se, da forma como está redigido o texto da minuta de decreto divulgada, apesar de o regulador estar buscando a geração de renda em território nacional, os recursos não serão mantidos aqui e se terá uma verdadeira evasão de divisas caso não se observem as boas práticas internacionais com mecanismos para manter os recursos no País que fornece a licença para operar.
Analisando o processo legislativo de elaboração da Lei 13.756/2018, conversão da Medida Provisória (MP) n. 846, de 31 de julho de 2018, podemos identificar a verdadeira razão de criação da loteria de apostas de quota fixa. Logo na exposição de motivos desta MP, verifica-se a intencionalidade do governo de garantir o levantamento de recursos financeiros, principalmente para as áreas do desporto e cultura. A justificativa demanda viabilizar “o potencial crescimento do setor de loterias, fundamental para alavancar recursos para as referidas políticas públicas”.
O ilustríssimo Senador Flexa Ribeiro foi o responsável por incluir no bojo do texto legislativo as apostas esportivas, ele foi o relator da Medida Provisória na Comissão Mista – primeiro passo legislativo, em tempos normais, para análise de Medidas Provisórias pelo Congresso Nacional. Em seu primeiro relatório, disponibilizado em 30 de outubro de 2018, em acordo com a antiga Secretaria de Alinhamento Fiscal, Energia e Loterias (Sefel), instituiu a modalidade lotérica de aposta de quota fixa como “mercado de jogos na forma eletrônica sobre eventos reais de temas esportivos, em que, à ocasião da aposta, o apostador conhece o montante do prêmio a ganhar se acertar o prognóstico”. Na justificativa, além da falta de regulamentação de sítios eletrônicos hospedados no exterior, está a estimativa de um mercado que poderia arrecadar cerca de R$4.3 bilhões no Brasil.
Atualmente, já observamos estimativas ainda maiores, indicando um mercado potencial de R$25 bilhões, com cerca de 2.000 pequenas firmas de apostas já operando no Brasil. Estima-se que os operadores têm um faturamento de cerca de R$3.2 bilhões, descontados já os valores dos prêmios distribuídos.
Esses números mostram um potencial arrecadatório para o Brasil grandioso pela via dos tributos, mas esse cenário poderia ainda ser maior, se de fato o Governo Federal e o Poder Executivo se atentasse para a importância da implementação de mecanismos que assegurem a manutenção de recursos gerados com a operação em território nacional.
Dentre os diversos caminhos que podem ser pensados pelo Poder Público, uma possibilidade é instituir um percentual mínimo da receita dos operadores que deva ser integralizado no capital social das empresas brasileiras A integralização de capital, incentiva que os recursos sejam, realmente, convertidos e investidos em território nacional, movimentando diretamente a economia e evitando que fomentem o crescimento de outros países.
Como referência, vale observar mercados de apostas esportivas em grau mais avançado de desenvolvimento, como o de Gibraltar. O país está analisando uma nova Lei do Jogo e um dos mecanismos em estudo é justamente a exigência de que os operadores tenham uma “presença substantiva” suficiente no território.
Atualmente, é exigido que os servidores que hospedam o site e todos os dados precisam estar fisicamente presentes no território de Gibraltar. Com a mudança da legislação, haverá uma flexibilização neste ponto, mas, como contrapartida, o governo local irá buscar garantir que não apenas provedores de tecnologia do jogo estejam situados em Gibraltar, mas também considerará o número e a natureza dos empregos a serem criados e mantidos no país, bem como o valor da receita tributária arrecadada.[7] Em Gibraltar, a indústria do jogo online é referência, tendo 12% de seus moradores empregados neste setor.
A intenção é que o país possa continuar atraindo bons operadores e mantendo a reputação nesse setor – hoje as licenças emitidas pela autoridade são para empresas “blue chip” (grande porte, com boa reputação e histórico de lucratividade).
Como referência quantitativa, nos Estados Unidos, apenas no primeiro mês completo de operações das apostas esportivas em Nova Iorque, em fevereiro de 2022, a receita dos operadores alcançou US$82.4 milhões, enquanto no mês anterior foi de US$124.1 milhões. Estamos falando apenas de um estado norte-americano. Estima-se que no total em 2022 a receita dos operadores nos Estados Unidos será de US$7.2 bilhões, alcançando US$15 bilhões em 2026.
Sabemos do grande potencial do mercado brasileiro e, tomando por base a representatividade de outros países, podemos ver o alcance que os recursos provenientes do setor de apostas esportivas podem ter no país. Imaginando os valores que temos nos dias de hoje, vemos o reflexo arrecadatório e de atratividade que o setor de apostas esportivas possui no Brasil, bem como as consequências positivas que poderá gerar com regras que permitam que os recursos advindos das apostas fiquem em território nacional. Ter um percentual das receitas sendo necessariamente destinado à integralização no capital social de empresas brasileiras gerará, em território nacional, a circulação desses recursos, e a geração de empregos diretos e indiretos.
Apesar do tempo escasso para se instituir a regulamentação, de certo a equipe do Ministério da Economia está empenhada a garantir o melhor formato para a operacionalização das apostas esportivas no Brasil. Espera-se que todos os players do mercado, sejam consumidores, investidores, operadores ou terceiros afetados, possam usufruir dos montantes representativos que o setor seguramente trará para o Brasil. Para tanto que o potencial brasileiro seja explorado na sua maior potência, não basta olhar para as receitas tributárias que devem advir, também é preciso observar mecanismos de manutenção dos recursos operacionais no País, pois só assim a população brasileira será realmente beneficiada com a abertura do setor.
Bárbara Teles
Advogada de Regulatory and Public Affairs do Rei do Pitaco, pós-graduada em Direito e Relações Governamentais.