Justiça seja feita, apostar não é algo relativamente novo por aqui. O jogo do bicho, por exemplo, foi criado em meados de 1892. Também houve épocas — breves períodos das décadas de 10, 30 e 40 — em que cassinos podiam operar livremente em solo tupiniquim. A Loteria Federal, por sua vez, segue mais viva que nunca e completará exatos 60 anos em 2022.
Mas apesar dessa prática estar enraizada na história do Brasil, talvez seja inevitável observar que o mercado de apostas — especificamente falando dos serviços online — no país nunca pareceu tão forte como o cenário visto nesses últimos anos.
E para entender melhor sobre o recente “boom”, questões legais, bastidores da indústria e riscos por trás da prática, o TecMasters mergulhou nesse polêmico segmento para conversar com especialistas do mercado na aposta de desmistificar esse setor em ascensão.
Mercado de apostas é uma das apostas do mercado
Antes de entender o porquê da alta recente, é preciso observar que o mercado gambling (“jogos de azar”, em tradução livre) já vem crescendo há algum tempo. Desde 2009, o segmento tem apresentado avanços ano após ano pelo mundo, o que revela um interesse massivo dos jogadores.
E os números não mentem: segundo um levantamento da Statista, o mercado global do segmento mais que dobrou em 10 anos e partiu de um valor de mercado de US$ 20,51 bilhões em 2009 para U$$ 55,10 bilhões em 2019. Em 2020, o segmento já beirava a casa dos US$ 59,79 bilhões.
O curioso é que essa ascensão não deve parar por aí. O segmento observou um “boom” principalmente a partir de 2020, ano em que o planeta foi afetado por uma crise sanitária sem precedentes. E desde então, enquanto diversas áreas caem, o setor de apostas só aumenta.
De 2020 para 2021, o crescimento em valor de mercado foi de 26%. Mas segundo a Polaris Market Research Analysis, a previsão é de que o gambling market continue crescendo nos próximos oito anos, com expectativa de alcançar uma receita de US$ 205,60 bilhões em 2030.
É claro que os dados englobam todo o cenário global, mas no Brasil, a situação não tem sido diferente.
Interesse brasileiro também em alta
Se lá fora o cenário é de alta, por aqui não é diferente. Mas no Brasil, o segmento de apostas mais popular abrange o setor esportivo — que é ligeiramente diferente de cassinos online ou jogos populares de azar por exigir um estudo do esporte escolhido além do fator sorte.
Falando de números, a Keyword Planner, ferramenta de buscas do Google, constatou que cerca de 35.700 buscas referentes ao tema são feitas mensalmente pelo público brasileiro. Isso faz com que o interesse tupiniquim pelo mercado de apostas esportivas seja o maior da América do Sul, bem à frente de outros povos como o de Colômbia, Peru e Argentina.
Outra pesquisa, realizada pelas organizações Globo, aponta que a busca pelos termos “bet”, “aposta” ou “bet+aposta” cresceu fervorosamente desde 2020. E como era de se esperar, o dado também se alinhou à alta de investimento publicitário das apostas esportivas, que também cresceu no mesmo período. É aquela história: só é lembrado quem é visto.
Mas, calma: isso é legal aqui no Brasil?
“Mas essas práticas não são proibidas no Brasil?”, podem estar se perguntando alguns. Afinal, muito se fala sobre o crescimento do mercado, mas pouco se comenta sobre as questões legais por aqui. Neste sentido, a prática ainda gera diversas dúvidas.
Muitos se baseiam no Decreto de Leiº 9.215 de proibiu os jogos de azar no país em 1946. Acontece que o decreto não levou em conta a chegada de serviços online — até porque não existia internet naquela época — e, com as mudanças contemporâneas, alguns pontos foram revistos recentemente.
Em dezembro de 2018, o então presidente Michel Temer aprovou a Lei 13.756/2018 que passou a permitir apostas de quota fixa — práticas em que as condições da vitória e o fator de multiplicação de sua aposta que resultará o prêmio são predefinidas. As apostas esportivas estão nesse balaio e, inclusive, são as únicas modalidades permitidas aqui no Brasil, como conta Marcelo Mattoso Ferreira, sócio do escritório Barcellos e Tucunduva Advogados e atuante no mercado de Games e Esports.
“O conceito de jogo de azar, definido no artigo 50, §3º da Lei de Contravenções Penais, pode acabar abrangendo inúmeras atividades que envolvem “sorte/aleatoriedade” e o binômio “ganho/perda”. A única modalidade atualmente permitida no Brasil são as apostas esportivas de quota fixa”, destacou o advogado.
A proposta para regulamentar as apostas online está parada no Senado e precisa ser votada até o dia 12 de dezembro deste ano. Enquanto isso não acontece, as empresas do setor usufruem disso para oferecer seus serviços no Brasil, já que são sediadas e operadas no exterior.
E com essa falta de regulamentação, as atuações dessas casas acontecem sem que haja cobrança de impostos ou taxas — e talvez isso explique, em partes, o surgimento de tantas empresas do segmento nos últimos anos.
Em suma, essas modalidades não são consideradas ilegais. Mas quem perde é o Brasil, que deixa de lucrar com impostos que poderiam ser revertidos em diversas áreas.
E como explicar esse “boom” em território nacional?
Ainda falando sobre questões legais, a lei aprovada em 2018 pode ser um dos principais fatores para o aquecimento desse mercado no país. Mas claro, outros fatores também entram em pauta, como aponta Leonardo Baptista, CEO da plataforma de pagamentos online Pay4Fun.
“O ‘boom’ desse segmento de apostas pode ser atribuído à lei aprovada em 2018, que trouxe mais visibilidade a esse tema. Mas outros fatores também contribuíram, como por exemplo a pandemia, que manteve as pessoas isoladas em suas casas e contribuiu com a busca por entretenimento online, a maior exposição dos sites de apostas esportivas em publicidade e, claro, o fato de que jogar está no DNA do brasileiro” apontou o executivo.
É quase um efeito dominó: a possibilidade de oferecer serviços no Brasil sem taxas ou impostos atrai cada vez mais empresas gringas, que aumentam seus lucros e investem cada vez mais em publicidade e patrocínio em território brasileiro.
Basta uma rápida análise sobre os times participantes da Série A do Brasileirão para entender a dimensão disso. Dos 20 clubes, 20 possuem patrocínios de casas de apostas: América-MG (PixBet), Athletico-PR (Betsson), Atlético-GO (AmuletoBet), Atlético-MG (Betano), Avaí (PixBet), Botafogo (Blaze), Bragantino (NetBet), Ceará (Betcris), Corinthians (galera.bet), Coritiba (Dafabet), Cuiabá (Luck Sports), Flamengo (Pixbet), Fluminense (Betano), Fortaleza (Betcris), Goiás (Pixbet), Internacional (EstrelaBet), Juventude (Pixbet), Palmeiras (Betfair, no time feminino), Santos (Pixbet) e São Paulo (Sportsbet.io).
Não importa qual o meio de comunicação a ser observado: lá estará alguma propaganda de alguma “empresa bet” da vida. Como consequência, mais propaganda tende a resultar em mais consumo. E quanto mais consumo, mais atrativo será o mercado brasileiro para que outros players entrem na jogada.
Não menos importante, é possível atribuir a ascensão do mercado de apostas no Brasil à crise econômica vivida no país. Muitos são levados pela ideia de que a atividade é uma forma de dinheiro fácil e a pesquisa da Globo constatou que 52% dos respondentes entraram no segmento de apostas esportivas para aumentar a renda.
E isso nos leva a outra pergunta polêmica…
Afinal, o mercado de apostas dá ou não dá dinheiro?
Saber se o mercado de apostas dá dinheiro ou não talvez seja a pergunta de milhões — neste caso, literalmente. O questionamento é similar (mas em segmentos diferentes) ao de entusiastas NFT que planejam a entrada em jogos blockchain ou de investidores que estejam considerando o ingresso no polêmico day trade. Mas como nestes outros casos, a resposta é relativa.
Seja qual for a área de atuação, sempre haverá um grupo que consiga se dar bem. E no mercado de apostas não é diferente: vira e mexe nas redes sociais vem alguém para mostrar como ganhou milhares de reais com um investimento inicial baixíssimo.
Logo, é sim possível fazer algum dinheiro com o mercado de pitacos, como sugere o apostador Paulo Nobre, que também vende facilitadores para essa prática.
“A tendência é de a banca sempre ganhar. Mas onde um perde, outros ganham. E nem sempre todos perdem para a banca vencer. Há players que também vencem”, relatou.
Mas então isso quer dizer que entrar no mercado de apostas será garantia de lucros? Nem de longe. Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que casas de apostas, empresas de cassino e outros jogos de azar foram criadas visando o lucro — ou alguém monta um negócio pensando em prejuízos?
Ou seja, por mais que existam pessoas que consigam se dar bem, há muitos outros que perdem para isso. Se na tônica do capitalismo alguns perdem para outros vencerem, o mesmo pode ser aplicado para o mercado de apostas: alguns perdem para outros ganharem, mas muitos precisam fracassar para a banca vencer.
Além disso, vale destacar que apostas não são investimentos, mas sim, entretenimento. Sorte e conhecimento de mercados esportivos, de fato, podem aumentar as chances de ganho. Mas jamais deve-se esperar um retorno certo de um negócio que deve ser encarado para fins de diversão.
“Apostas esportivas de maneira nenhuma são sinônimos de investimentos. Esperar resultado financeiro com apostas é desleal e qualquer pessoa que promete retorno financeiro ou dinheiro fácil com apostas deveria ser preso. Apostas são para fins de entretenimento. Sabe aquele dinheiro que você reserva para idas ao cinema, a baladas ou a qualquer passatempo ou diversão? Apostas seriam um desses tipos entretenimento”, destacou Baptista.
Diversão x vício: uma linha tênue
O problema é que mesmo para os jogadores casuais focados apenas em diversão, há um grande risco por trás da atividade: o vício. É claro que existem casos e casos, mas a frase “O importante é competir” muitas vezes não se justifica na prática. Afinal, ninguém gosta de perder.
Quando a vitória (ou seriam as múltiplas?) vem, o próprio organismo trata de manifestar a sensação de bem-estar, segundo a psicóloga Marcela Ribeiro.
“Aquele ‘friozinho na barriga’ sentido por muitos apostadores está relacionado ao pico de adrenalina envolvendo a prática da aposta. Todo este processo envolve a atividade do lobo frontal do cérebro, responsável pela tomada de decisões, planejamento e discernimento. Quando há sucesso, o processo também envolve os hormônios dopamina e serotonina, que causam a sensação de prazer e bem-estar”, explicou a psicóloga.
Mas a partir daí é que a coisa complica. Se não houver controle emocional por parte do praticante, a atividade pode se tornar um grande risco, seja em caso de vitória ou derrota. Em uma sequência de ganhos, o apostador tende a seguir a todo vapor. Já em situações de perda, a frustração pode alimentar uma esperança de reverter o prejuízo.
“Se há uma sequência de ganhos, o apostador fica cada vez mais envolvido e a tendência é que continue apostando, entrando em um ciclo vicioso justamente pela liberação constante de serotonina no sistema nervoso central. Se há uma sequência de perdas, ainda assim ele pode permanecer neste ciclo por não se conformar, não aceitar a derrota e não reconhecer seus próprios limites”, completou Ribeiro.
Ainda segundo a psicóloga, esse ciclo vicioso pode afetar a autoestima do indivíduo, além de causar prejuízos financeiros e até mesmo quadros depressivos.
Futuro é promissor, mas tenha cautela ao entrar no mercado
De modo geral, é quase certo — pelo menos de acordo com os números — que o mercado de apostas crescerá nos próximos anos, lá fora e aqui no Brasil. Logo, a tendência é de que cada vez mais empresas entrem na jogada e de que a comunidade de apostadores só aumente daqui pra frente.
Mas se as casas de apostas não tocam no assunto (ou pouco fazem), aqui vai o aviso: seja você um jogador de cassino online, um apostador esportivo ou um mero entusiasta, tenha cautela. É divertido? Com certeza. Dá pra fazer dinheiro? Até dá. Mas há riscos envolvidos no processo.
Fonte: Tecmasters