Algumas discussões referentes a certas atividades empresariais apontam que o Brasil continua estagnado no século 20. Um exemplo são as apostas esportivas eletrônicas, sobre as quais é importante trazer o contexto histórico mais recente.
Na década de 1930, houve considerável interesse no fomento do turismo no país. O presidente Getúlio Vargas apoiou a abertura de cassinos e liberou apostas, o jogo do bicho e afins. No entanto, no Estado Novo, todas as apostas, dentre elas as esportivas, acabaram sendo tipificadas como contravenção penal pelo decreto-lei 3.688/1941.
Por outro lado, para compensar a nova lei, Vargas criou uma ampla lista de exceções, incluindo as casas de jogos anteriormente licenciadas.
A proibição definitiva ocorreu em 1946, com o decreto-lei 9.215/1946. Estima-se que a proibição gerou mais de 55 mil desempregados, com o fim de mais de 70 estabelecimentos. A lei tinha por objetivo vedar contravenções que não seriam graves o suficiente para serem tipificadas dentre os crimes previstos no Código Penal de 1940.
A proibição das apostas é atribuída à vontade da mulher do presidente Eurico Gaspar Dutra, Carmela Dutra, a dona Santinha. Muito religiosa, exigiu que o marido proibisse a jogatina. O fato é que, após quase 80 anos, a Lei de Contravenções Penais continua vigente.
Sobre apostas esportivas, em dezembro de 2018 entrou em vigor a lei 13.756/2018, que legalizou a sua exploração comercial privada em todo o território nacional. A lei autoriza a modalidade lotérica denominada como "apostas de quota fixa", para eventos esportivos em geral e equiparados, em que o apostador tem uma previsibilidade de quanto pode ganhar ou perder, de acordo com a sua aposta. Exatamente o que ocorre com as apostas esportivas.
A legalização das apostas esportivas foi celebrada por empresários dos mais variados setores, brasileiros e internacionais. Para se ter uma ideia da importância da regulamentação, na Inglaterra, onde as regras são as mais rigorosas do mundo, o faturamento com as apostas esportivas atinge cerca de R$ 27 bilhões ao ano, com uma arrecadação fiscal de mais de R$ 4 bilhões, segundo a UK Betting and Gaming Statistics. Estudo da Grand View Research prevê que, até 2030, o mercado global de apostas esportivas deve movimentar mais de US$ 180 bilhões.
Aqui, após quase quatro anos, apesar da legalização da atividade, seguimos sem regulamentação.
A morosidade da organização do setor traz prejuízos a todos, além de insegurança jurídica aos interessados em investir. O cenário atual gera diferentes interpretações sobre as regras e os impostos incidentes, o que resultará numa série de demandas judiciais e questionamentos sobre a regularidade das operações.
A solução é simples: regulamentar e garantir o respeito à lei 13.756/2018 no prazo legalmente previsto. Até porque, por óbvio, a lei somente poderia ser revogada em nova votação no Congresso Nacional.
O governo federal deve providenciar a regulamentação das apostas esportivas, garantindo e legitimando os empresários que há anos esperam para investir numa atividade já tão importante no apoio ao esporte brasileiro em diversas modalidades.
É preciso regulamentar as apostas esportivas no Brasil. Sem essa regulamentação, todos os que têm interesse em investir no setor, a sociedade e o governo perdem. É como se, nesse tema, o Brasil estivesse nos anos 1940, sujeito à vontade pessoal de dona Santinha.
Bernardo Cavalcanti Freire
Advogado com especialização em direito societário, sócio de Wald, Antunes, Vita e Blattner Advogados