MIÉ 27 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 06:37hs.
Opinião – Milton Jordão, advogado

Estado e casas de apostas esportivas: temos um primeiro round?

A semana passada começou com notícia que agitou o mundo esportivo e das apostas esportivas. O Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil noticiou que 54 entidades (clubes, federações e campeonatos) foram notificados a apresentar, em 10 dias, contratos de publicidade e patrocínio firmados com empresas que exploram tais serviços. O advogado Milton Jordão, ex-presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/BA, trata do tema em artigo no Lei em Campo.

Segundo se informa na nota, a iniciativa foi da Secretaria Nacional do Consumidor e “pretende apurar quais empresas formalizaram os contratos com os clubes, sendo que a maioria possui sede fora do Brasil”.

Convém rememorar que a Lei n° 13.756/2018 trouxe expressa disposição sobre a legalização das apostas de quota fixa (art. 29), malgrado essa norma tenha sido concebida para promover alteração no Fundo Nacional de Segurança Pública e sobre destino da arrecadação das loterias, se revela como um verdadeiro pot-pourri de modificações em inúmeras outras leis.

No mencionado diploma (art. 29, § 3°), se determinava o prazo de 2 anos (prorrogável por igual período) para que fosse editada a regulamentação desta nova atividade econômica. Inclusive, após a sua edição, o Ministério da Economia abriu consulta pública, para colher dos stakeholders e qualquer cidadão sugestões para se estabelecer modelo regulatório para o segmento. Até o presente momento, não houve a regulamentação, embora algumas minutas tenham sido apresentadas. O deadline é dezembro deste ano.

Apesar de ser tida como atividade legal, não há regulamentação ainda, então, como é de comum conhecimento, as casas de aposta esportiva que operam no Brasil têm seus servidores abrigados no exterior. Ou seja, com isso, explora-se um serviço sem que se recolha um centavo sequer alusivo à tributação prevista na própria lei.

Estima-se que mais de 500 casas de apostas estejam em plena atividade no país, produzindo movimentação na órbita de 7 bilhões de reais, um mercado atraente e bastante promissor, que hoje está sem qualquer regulamentação. E, ao que parece, o Estado despertou…

A notificação enviada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública cobrando informações sobre os contratos firmados por clubes, federações e outros com casas de apostas é indicativo de que se inicia um movimento estatal de conhecimento e controle do ambiente de negócios que se forma.

No caso concreto, quiçá, se possa questionar se os notificados teriam o dever legal de apresentar tais contratos firmados, vez que foram firmados entre pessoas jurídicas cuja existência no país é permitida. Além do que pode existir dever de sigilo das partes.

A alternativa encontrada, ao que me parece, foi de tratar a questão sob prisma consumerista, fazendo as vezes de defensor do torcedor. Sim, do torcedor. Afinal, uma compreensão elástica dos limites do seu conceito permite tal lógica, amparando-se, frivolamente, no artigo 2° do Estatuto do Torcedor – ali consta que torcedor é toda pessoa que aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do país e acompanhe a prática de determinada modalidade.

A bem da verdade, soa mais coerente que o Estado tem se assombrado com a magnitude do potencial econômico deste mercado, as suas imensas possibilidades de gerar receitas para o erário e a oportunidade para que ilicitudes venham ser cometidas, sobretudo quando não existe regularização, fiscalização e/ou controle da atividade. Há, com efeito, preocupação com eventuais crimes fiscais, lavagem de dinheiro e aqueles contra o sistema financeiro.

O Brasil tem perdido muito com a anomia neste segmento e, somente agora, se dá conta de que precisa recuperar terreno.

D´outro giro, esse interesse do Estado revela que os interessados em explorar o mercado de apostas devem primar por boa governança e integridade, buscar construir o negócio amparado nas normas de regência, posto que esta será uma atividade submetida a controle.

Por seu turno, aqueles que já exploram, bem como os que com eles mantém contratos (clubes, redes de TV, federações/confederações etc.) devem se atentar para as repercussões de tais instrumentos, sobretudo em relação à imagem que se passará para o mercado.

Em concreto, vivenciamos o primeiro round entre casas de apostas esportivas e Estado, sendo que existem terceiros que, apesar de meros expectadores, por estarem tão perto da peleja podem ser atingidos.

Essa notificação é um engatinhar do Estado querendo aprender a lidar com esse novo cenário, perpassando por viés consumerista, penalista, enfim, sem saber ao certo como lidar com tamanha complexidade nesse segmento econômico. Atira-se para todos os lados, o risco é atingir o inocente.

Apenas, penso, que a passividade dos players em se antecipar a providências de maior vigor que podem advir, possam trazer em breve rounds cada vez mais sangrentos, no melhor estilo das disputas entre Rocky Balboa e seus antagonistas!

Milton Jordão
Advogado; mestre em Políticas Sociais e Cidadania pela UCSal/Bahia e mestrando em Direito Desportivo pela Universidade de Lleida/ESP; diretor-tesoureiro da CAA BA, ex-conselheiro Seccional OAB/BA; membro da Comissão Especial de Direito Desportivo da OAB Nacional; membro das Comissões de Direito Desportivo da OAB/BA e OAB/SE; presidente do Instituto de Direito Desportivo da Bahia (IDDBA); membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD); presidente do STJD do Judô e do TJD do Karatê da Bahia; ex-procurador do STJD do Futebol; autor de obras e artigos jurídicos na área do Direito Desportivo. Escreve no Lei em Campo na coluna “Direito no lance”.