Quem acompanha o mercado de aposta esportivas no Brasil sabe que pende a regulamentação da Lei 13.756/2018. O prazo de dois anos prorrogados por mais dois expirou no último mês de dezembro, sem que o Governo Federal tenha expedido o decreto com as regras a serem seguidas pelas casas de aposta que queiram funcionar no mercado regular no país. No período compreendido entre dezembro de 2018 e o fim do governo anterior foram expedidas 3 minutas, sem que tenha se efetivado a regulamentação.
O assunto para o novo governo federal não parece ser uma prioridade. No programa da chapa vencedora do pleito presidencial não há menção à necessidade de regulamentação das apostas esportivas. O documento intitulado “Diretrizes para o programa de reconstrução e transformação do Brasil”, no capítulo que trata de economia, não há linha sobre esse tópico.
O Decreto 11.344/2023 que instituiu o novo Ministério da Fazenda atribui competência à Secretaria de Reformas Econômicas e a Subsecretaria de Regulação e Concorrência a competência de “atuar na regulação, autorização, normatização e fiscalização dos segmentos de distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda, captação antecipada de poupança popular e loterias, inclusive sweepstakes e outras modalidades de loterias realizadas por entidades promotoras de corridas de cavalos”.
A despeito de não mencionar especificamente a aposta esportiva, é possível que esses sejam os órgãos designados a cuidar da regulamentação futura, especialmente porque foi criado um cargo de Coordenador-Geral de Apostas dentro da estrutura da Subsecretaria, ainda sem nomeação.
Com a mudança de governo, se especula que todo o trabalho feito até agora de consulta ao mercado, de estudos, de elaboração das minutas seja posto de lado e o processo recomece praticamente do zero. Esse cenário é péssimo para os players que estão há quase cinco anos aguardando a regulamentação.
Não custa lembrar que a regulamentação das apostas esportivas trará maior segurança jurídica e benefícios de múltiplos aspectos, seja no tocante a estipulação de parâmetros para patrocínios, transparência na arrecadação de tributos, ampliação da geração de empregos e mecanismos efetivos de redução de combate a crimes, em especial a manipulação de resultados, devendo ser destacado que as casas de apostas são as maiores interessadas na aniquilação do match fixing.
Diante do panorama pretérito de falta de regulamentação, e do atual de indiferença com o mercado de apostas esportivas, cabe analisar se é possível as casas de apostas adotarem medidas judiciais que visem suprir a omissão do governo com o desiderato de, de uma vez por todas terem seu funcionamento regular no país.
Há um remédio constitucional muito pouco usado no Brasil chamado mandado de injunção, que serve para suprir a omissão do poder legislativo ou do poder executivo na edição de leis ou regulamentos que impeça o exercício regular de um direito constitucionalmente garantido. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, concedeu esse remédio para garantir aos servidores públicos federais o direito de greve (MI 914 – STF), que era previsto na Constituição, mas nunca foi regulado.
Em tese, qualquer empresa que pretenda explorar a atividade de aposta esportiva no Brasil teria legitimidade de impetrar, perante o STF o mandado de injunção para ver garantido seu direito em razão da omissão do poder executivo federal. Ocorre que o principal requisito para a admissão desse remédio é que o direito cujo exercício esteja sendo tolhido tenha assento constitucional. Isso quer dizer que para ser viável, o mandado de injunção deve atacar a omissão do poder público na regulamentação de um direito que esteja previsto expressamente na Constituição Federal. Não é o caso da atividade de apostas esportivas, infelizmente. O direito à exploração da atividade está previsto em Lei ordinária, não na Constituição.
Diante da inviabilidade o mandado de injunção, cogita-se a possibilidade de as empresas ingressarem com ações de natureza ordinária, com pedidos de liminar, para garantir seu direito à exploração da atividade pela omissão do poder executivo em regular as apostas.
O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm, também infelizmente, jurisprudência firme no sentido de que as normas legais de eficácia contida, isto é, aquelas que dependem de regulamentação, não estão aptas à aplicação imediata, estando o judiciário impedido de fazer-se substituir ao poder executivo na definição de regras para sua eficácia plena. A exigência de regulamentação contida nas Leis, no entender dessas cortes, servem como condição suspensiva ao exercício do direito nelas previsto. A separação entre os poderes legislativo, judiciário e executivo seria o obstáculo intransponível.
Quem pretende operar no mercado de apostas de forma legal e regular, está em um cenário pouco alentador. De um lado, o poder executivo, que não demonstra ser prioridade a regulação da atividade prevista na Lei 13.756/2018, de outro o judiciário, que tem posição segura no sentido de que as leis que dependem de regulamentação não podem ser aplicadas enquanto não sobrevier o ato necessário regulamentar do poder executivo.
Nos resta esperar.
Luciano Andrade Pinheiro
Mestre em propriedade intelectual e transferência de tecnologia pela UNB; presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/ DF; advogado sócio do Corrêa da Veiga Advogados
Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga
Mestre e doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL); presidente da Comissão de Direito Desportivo do IAB; professor do Master Diritto e Sport da Universidade Sapienza de Roma; membro fundador da Academia Nacional de Direito Desportivo; advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil e na Ordem dos Advogados Portugueses; ex-Diretor Jurídico do Club de Regatas Vasco da Gama; autor de 8 livros; sócio do Corrêa da Veiga Advogados.