O ano de 2023 se inicia com grande expectativa para o mercado de apostas esportivas no Brasil. Embora a atividade já tenha sido legalizada, por meio de Lei Federal promulgada em 2018, ela ainda não foi regulamentada. O prazo previsto em lei para tal regulamentação, por parte do Poder Executivo, encerrou-se ainda em 2022. Hoje, o cenário é de insegurança jurídica.
A projeção do mercado de apostas esportivas é notória: em relatório apresentado pela fact.MR, o setor foi avaliado, mundialmente, no valor de US$ 84 bilhões no ano de 2022. E a tendência é de que atinja um valor superior a US$ 225 bilhões, com uma taxa de crescimento anual composto (“CAGR”) de 10,3%, entre os anos de 2022 e 2032. Trata-se de atividade pujante.
No Brasil, os sites de apostas vêm atuando de maneira intensa. No Campeonato Brasileiro de 2022, por exemplo, as 20 equipes participantes da série A possuíam, entre os patrocinadores, sites de apostas esportivas, que vêm se apresentando como um importante meio de obtenção de receita para o desenvolvimento do futebol e saneamento econômico-financeiro dos clubes.
O ramo de apostas esportivas, até o ano de 2018, integrava um rol de práticas enquadradas como “jogos de azar”, proibidas pela legislação, em especial, o Decreto-Lei nº. 3.688/41 (“Lei das Contravenções Penais”), tendo sido posteriormente ratificada a proibição pelo Decreto-Lei nº. 9.215/46 (que “proíbe a prática ou exploração de jogos de azar em todo o território nacional”).
O art. 50, caput, do Decreto-Lei nº. 3.688/41, define como contravenção penal “estabelecer ou explorar jogo de azar em local público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele”. O §3º define como “jogos de azar” aqueles “em que o ganho e a perda dependem exclusivamente ou especialmente da sorte”, “as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas” e, com destaque, “as apostas sobre qualquer outra competição desportiva”.
É nesse contexto que a Lei Federal nº. 13.756/2018 surge como um relevante fator de legitimação do setor de apostas esportivas no Brasil, afastando a mácula de ilegalidade que outrora tingia tal atividade com um verniz de clandestinidade.
A Lei traz, em seu art. 29, caput, o delineamento das “apostas esportivas” como “modalidade lotérica” denominada “apostas de quota fixa”, caracterizadas, pelo §1º, como “sistema de apostas relativos a eventos reais de temática esportiva, em que é definido, no momento da efetivação da aposta, quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico”.
O §2º do art. 29 estabelece que “a loteria de apostas de quota fixa será autorizada ou concedida pelo Ministério da Fazenda e será explorada, exclusivamente, em ambiente concorrencial, com possibilidade de ser comercializada em quaisquer canais de distribuição comercial, físicos e em meios virtuais”.
Por fim, o §3º do art. 29 da Lei dispõe que a atividade será regulamentada no prazo de 2 (dois) anos, prorrogáveis pelo mesmo período, a contar da data de sua publicação, que ocorreu no dia 13 de dezembro de 2018. Ocorre que esse prazo se encerrou no dia 13 de dezembro de 2022.
Hoje, as apostas esportivas encontram-se em um cenário de legalidade com eficácia duvidosa. De um lado, a atividade não mais se enquadra no rol de proibições legais; de outro, a ausência de regulamentação torna o seu desenvolvimento em solo brasileiro incerto, gerando insegurança jurídica a todos os stakeholders e limitando o setor em toda sua vasta potencialidade.
Diante do lapso regulamentar, a atividade vem sendo desenvolvida por empresas estrangeiras, que firmam com os apostadores brasileiros negócios jurídicos norteados pela legislação de seus países-sede, como admite o art. 9º, caput, da LINDB, o qual dispõe que “para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”, com destaque para o §2º, que dispõe: “a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”.
A falta de regulamentação enseja, entre outras questões: (i) a impossibilidade de fiscalização; (ii) a dificuldade na proteção da integridade desportiva e na adoção de medidas contra o match fixing; (iii) a dificuldade no controle de acesso por menores de idade; (iv) a dificuldade no controle do superendividamento; (v) a dificuldade no controle contra a lavagem de dinheiro; (vi) limitação na capacidade de tributação; (vii) limitação ao ingresso de players sérios no país, em virtude da insegurança jurídica, que também atinge os apostadores e terceiros que possuam contratos com as casas de apostas.
É dizer: a regulamentação é necessária para permitir que o setor possa se consolidar como um mercado estável, sério e dotado de segurança jurídica e econômica. O contexto atual, no entanto, revela uma realidade diversa. A dúvida é suficiente para impedir que a atividade possa se desenvolver em sua plenitude.
De todo modo, o vácuo regulamentar não parece impor óbice ao desenvolvimento da atividade por players sediados fora do país, como vem ocorrendo atualmente. A omissão do Poder Executivo tampouco representa um salvo conduto para o reconhecimento de um campo aberto e ilimitado de atuação, que permita às casas de apostas o ingresso irrestrito no território nacional, sem a insegurança jurídica já prevista. Nesse prumo, a situação da atividade de apostas esportivas parece se manter inalterada. Algumas ponderações são relevantes.
Há notícias de que a regulamentação da atividade foi consignada no “Relatório Final” do Gabinete de Transição Governamental, para endereçamento por parte do Poder Executivo Federal, que já está ciente da urgência. Existem três minutas do Decreto que deverá regular a atividade, elaboradas nos anos de 2019, 2020 e 2022, pelo Ministério da Economia.
A atuação do Poder Executivo, a despeito de tardia, ainda parece ser de bom alvitre. Não há dúvida: regulamentação tardia e consciente é melhor do que ausência de regulamentação, especialmente por se tratar de ato indispensável para pavimentação de um caminho próspero para o setor, que se apresenta deveras relevante para o Brasil.
Também há notícias de medidas que podem se basear no recente entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a União não tem exclusividade para explorar loterias. Assim, Estados poderiam buscar regulamentação própria e local para o setor de apostas esportivas, a fim de viabilizar a atividade.
É possível notar opiniões no sentido de que talvez a matéria deva retornar ao Congresso Nacional, em razão do transcurso do prazo para regulamentação. Noutro giro, o decurso do prazo legal sem manifestação do Poder Executivo Federal parece ser convidativo ao ajuizamento de ações judiciais e/ou à impetração de remédios constitucionais a respeito da matéria, para impedir a imposição de sanções às empresas que busquem desenvolver o setor in loco.
Em conclusão, acredita-se que o caminho da regulamentação, ainda que com atraso, ou o caminho da atuação perante o Poder Judiciário, para a obtenção de comando judicial que proteja a atividade ou para forçar a sua regulamentação, sejam vias para solucionar o atual cenário de incerteza.
Espera-se que, em 2023, essa celeuma possa ser superada, e que a atividade possa ser exercida a plenos pulmões, de maneira responsável, consciente, devidamente fiscalizada e regulada, atendendo às melhores práticas, beneficiando a todos os stakeholders, permitindo a obtenção de valiosa receita para o Estado e legitimando esse importante veículo para o desenvolvimento do esporte, em virtude das receitas que é capaz de gerar.
DOUGLAS LEITE
Mestrando em Direito da Regulação pela FGV DIREITO RIO. Associado no Licks Advogados
ERICK REGIS
Advogado do escritório Licks Attorneys.