MAR 26 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 03:53hs.
Maria Luiza Jobim, do Maia Yoshiyasu Advogados

Proteção de dados e apostas esportivas no Brasil: Perspectivas futuras e obrigações atuais

A iminente regulamentação das apostas esportivas no Brasil gera análises e debates sobre diversos fatores que cercam esta atividade. Um dos temas relevantes nesse contexto é a proteção de dados, analisada neste artigo por Maria Luiza Jobim, experiente advogada associada do escritório Maia Yoshiyasu Advogados.

Atualmente, parece inegável que a regulamentação das Apostas de Quota Fixa (AQF) em eventos esportivos é iminente no Brasil. A regulamentação dos jogos de azar em sentido geral está consubstanciada no famigerado Projeto de Lei 442/1991, aprovado na Câmara dos Deputados e atualmente pendente de análise do Senado Federal, onde foi numerado como PLS 2.234/2022, e seu o processo de aprovação ainda não foi definido.

Especificamente, o microssistema jurídico da AQF ainda carece de sistematização, mas deveria ser mais breve que o quadro jurídico dos jogos, uma vez que a AQF já está autorizada, ou melhor, legalizada. A regulamentação, que poderia ter sido feita por meio de Decreto no governo anterior, parece ter sido substituída ou modificada preliminarmente por um novo Projeto de Lei (PL 3.626/2023) e/ou por uma Medida Provisória (MP 1.182/2023), ambos que estão pendentes de aprovação. No primeiro caso, aguarda apreciação do Senado Federal e, no segundo, do Congresso Nacional.

Como principais elementos definidores para a compreensão da irradiação de efeitos no campo da proteção de dados, tem-se o disposto no artigo 29, § 1º, da Lei nº 13.756/2018, que caracteriza as apostas esportivas como (i) modalidade lotérica; (ii) envolvendo apostas em eventos reais de temática esportiva; (iii) onde no momento da realização da aposta é definido quanto o apostador pode ganhar em caso de prognóstico correto.

A mesma lei prevê ainda que “as ações de comunicação, publicidade e marketing relativas às loterias de apostas fixas obedecerão à regulamentação do Ministério da Fazenda, sendo incentivada a autorregulação” (artigo 33º) e que “a pessoa coletiva titular da autorização fornecerá ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), de acordo com as normas emanadas do Poder Executivo, informações sobre os apostadores relacionadas à prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo” (artigo 35).

Por outro lado, a conhecida Lei Geral de Proteção de Dados, Lei nº 13.709/2018, ou simplesmente LGPD, datada coincidentemente do mesmo ano da lei AQF, visa “proteger os direitos fundamentais de liberdade, privacidade e livre desenvolvimento da personalidade da pessoa física (artigo 1º, in fine)."

A obrigação de recolher dados mínimos dos apostadores pode ser hoje amplamente aceita, mas nem sempre foi o caso. No passado, durante a regulamentação do bingo, inúmeras leis foram aprovadas uma após a outra para tratar de questões que precisavam de melhorias para dar sustentabilidade à atividade. Depois da famosa Lei Zico, a Lei Pelé, que, entre muitos outros pontos, autorizou a operação de bingo pelos estados federados, previa em seu projeto original a coleta de dados dos apostadores de bingo. Os parágrafos 2º e 3º do anterior artigo 71, que tratavam desse ponto, foram vetados por “violação da privacidade dos cidadãos”.

Tal entendimento é agora inaceitável, pois prejudica fundamentalmente a capacidade de cumprir os deveres anteriormente mencionados relacionados com a responsabilidade social, a responsabilidade corporativa, o jogo responsável e a prevenção do crime. No entanto, quaisquer detalhes exigidos do apostador devem agora ser justificados, motivados, legalmente fundamentados e adequadamente protegidos (LGPD, artigos 6º e 7º). Essa é a diferença significativa que a LGPD impõe aos agentes de tratamento de dados. Em vez de proibir o uso, garante o cumprimento de uma série de princípios, entre os quais a finalidade (de uso) é apenas a porta de entrada (LGPD, Art. 6º).

É evidente que, no início das operações, pode surgir uma série de incertezas quanto à quantidade de dados pessoais a serem exigidos, permitidos e fornecidos ao titular dos dados. Ambos os temas – AQF e proteção de dados pessoais – são recentes no ordenamento jurídico nacional, mas não nas suas propostas (especialmente quando se considera a AQF como modalidade de loteria em casos excepcionais). Exigem que as autoridades dos diferentes ramos do direito tenham uma compreensão específica das apostas esportivas e, mais importante, do ecossistema no qual a atividade é fomentada, sob o risco de atribuir responsabilidades incompatíveis com o seu real desenvolvimento e sustentabilidade. No caso da União Europeia, não é surpreendente que o primeiro Código de Conduta setorial relativo à proteção de dados tenha sido introduzido em 2020 precisamente para a indústria do jogo.

Até que esta coordenação seja instrumentalizada e expressa, é fundamental, no entanto, que os operadores estejam preparados para desenvolver planos de ação na ausência de regras claras, uma vez que a agenda lotada da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) certamente impedirá que se pronuncie antecipadamente sobre o assunto.

Será indispensável, portanto, a criação de canais de comunicação não apenas entre os agentes de tratamento e os titulares dos dados (pois não se trata de uma opção, mas de uma obrigação), entre o setor regulado, o regulador e a ANPD (conforme inclusive determina a LGPD, artigo 55-J, § 3º), mas também dentro da própria indústria em busca de melhores práticas.

Tal como no caso da publicidade responsável que se refere ao incentivo à autorregulação, é inevitável que, no caso da proteção de dados, a regulação ande de mãos dadas com a autorregulação, no que ficou conhecido como autorregulação regulada ou corregulação.

A indústria já demonstrou uma vontade real de trabalhar para atingir esse objetivo. Só neste ano, pelo menos três entidades representativas do setor, como o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), a Associação Brasileira de Defesa da Integridade Esportiva (ABRADIE) e a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), foram criados com o objetivo de fornecer insumos sólidos para a regulação setorial do governo federal.

Na busca pela eficiência, é imperativo que comecemos a contemplar as melhores práticas, compartilhá-las e divulgá-las em todo o setor. Ao fazer isso, poderemos não apenas aumentar a segurança jurídica das operadoras, mas também capacitar a ANPD para cumprir sua missão de promover “maior eficiência e o bom funcionamento dos setores regulados” (LGPD, Art. 55-J, § 3º) – e isso certamente inclui a atividade de apostas esportivas.

Maria Luiza Jobim
Maia Yoshiyasu Advogados