Foi urdida dentro do Congresso Nacional a maior violência impetrada contra as loterias dos Estados desde o famigerado Decreto-Lei 204/67.
A inclusão “aos 48 minutos do segundo tempo” do parágrafo segundo no Artigo 35-G no PL 3.626 é um golpe mortal para as loterias estaduais, pois retira dos governadores o direito e a prerrogativa de exercer a escolha das melhores opções em relação aos operadores lotéricos ao limitar a apenas um Estado por operador ou grupo econômico.
Ou seja, o Congresso Nacional está prestes a decidir que os Estados que possuem população menor, PIB menor ou os que ainda não se movimentaram para lançar suas loterias fiquem limitados a pegar “a rebarba” de quem não conseguiu se habilitar nos Estados maiores ou àqueles Estados que saíram na frente em seus processos de licitação ou credenciamento.
Trata-se de uma violência descomunal só comparada ao decreto 204/67, expedido no auge do regime autoritário que perdurou por décadas no Brasil e que engessou quase todos os Estados em relação às suas loterias por muitos e muitos anos.
Tivemos, durante mais de 50 anos, a União defendendo o monopólio da operação das loterias no país. E após mais de meio século veio o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADPF’s 492 e 493, deixar claro que TODOS OS ENTES FEDERATIVOS poderão concorrer entre si para obter a preferência dos apostadores.
Tal decisão, tomada por unanimidade pela corte superior do país, agora vem a ser afrontada por uma decisão legislativa (absolutamente legítima, diga-se de passagem, pois é a competência do Congresso legislar) que impede os Governos Estaduais de contratar com os melhores operadores, pois cada operador terá que fazer “uma escolha de Sofia” para definir suas estratégias no país, visto que serão obrigados a participar dos processos licitatórios de apenas um Estado. Ou seja, 26 Estados ficarão impedidos de contratar o melhor operador do mundo!!!
É bem provável que o relator do PL 3.626 no Senado Federal, senador Ângelo Coronel, não tenha percebido o real efeito de tal medida, especialmente por ele ter trazido em seu relatório tantos avanços em relação ao segmento, como a redução tributária das empresas sobre o GGR, um modelo adequado de tributação para os apostadores, aumento do prazo do credenciamento e vários tópicos muito bem defendidos em seu relatório.
A aprovação do PL 3.626 nos termos do relatório, com a inclusão do parágrafo segundo do Artigo 35-G, jogará uma pá de cal nas pretensões dos Estados de ter operações minimamente competitivas com a esfera federal. E aí que está o cerne da questão. Talvez quem pediu a inclusão desse dispositivo no relatório sabia o que estava fazendo. E quem atendeu, pode ter sido ludibriado com um argumento que não refletiu a magnitude da questão.
Na prática, a União pode contratar os melhores operadores do mundo, mas estes mesmos operadores só podem fazer um contrato semelhante, mesmo que as condições dos Estados sejam mais favoráveis, em apenas um Estado da Federação, criando escalas entre os Estados. Ou seja, um verdadeiro ranking de importância, ferindo o pacto federativo e todas as suas vertentes.
E o pior, esse engessamento não é exclusivo das apostas de quota fixa. Abrange todas as modalidades lotéricas dos estados, comprometendo, sobremaneira, a atuação deles no segmento de jogos e loterias. Um verdadeiro strike!
Uma aberração que contraria o bom senso, os princípios da vantajosidade, da transparência e tudo o que demais decorre de um processo licitatório para se buscar a melhor proposta. Não quero nem trazer aqui as questões legais e de constitucionalidade da medida, pois certamente teremos vários atores provocando a discussão. Me limitarei às questões técnicas e operacionais da medida.
Fica inaugurado o princípio de que a melhor proposta só valerá para um estado. A segunda melhor para outro e assim por diante. Ficando os estados retardatários com “as migalhas”.
Sejamos francos, qual operador irá correr o risco de ficar fora de São Paulo? E se São Paulo demorar para decidir seu processo de contratação de operadores? Não precisa pensar muito para chegar às conclusões.
Há algo mais incompatível com a ética pública do que isso? Eu desconheço.
Fica um alerta aos senhores governadores dos Estados. Ou se insurgem contra esta violência ou terão de se acostumar em ter suas loterias operadas não pelos melhores, mas pelos que perderam os processos licitatórios em outros Estados!!!
Este é o resultado de um simples parágrafo incluído no texto final de um Projeto de Lei.
GOVERNADORES, É HORA DE REAGIR. SENÃO PODE SER TARDE!!!
Amilton Noble
Diretor da Hebara Distribuidora de Produtos Lotéricos S/A e atua há mais de 30 anos no segmento de jogos e loterias