VIE 27 DE DICIEMBRE DE 2024 - 15:02hs.
Mercado já movimenta R$ 45 bilhões por ano

Febre das ‘bets’ já faz do Brasil o país com mais acessos a plataformas de apostas online no mundo

No país do futebol, onde os jogos legais (as loterias) e ilegais (bicho) são parte do cotidiano, as apostas esportivas caíram no gosto do brasileiro nos últimos anos. Une duas paixões nacionais: a fezinha e a bola. Para muita gente, as bets viraram uma forma mais emocionante de acompanhar os campeonatos, interagir com amigos e ainda faturar um extra. Mas só agora Brasília olha para essa febre. A estimativa é que o movimento alcance pelo menos R$ 45 bilhões por ano.

A pedido do governo, o Congresso está perto de aprovar um projeto que taxa plataformas e apostadores, além de criar regras para tornar a atividade mais segura, a exemplo de outros países. Há quem só se divirta, mas também há muitos que perdem o controle e acumulam perdas.

Há poucos números sobre os usuários no Brasil, mas, segundo levantamento da empresa de análise de dados Similarweb (que tem atuado como defensora do setor junto ao governo e ao Congresso), em 2022, o Brasil superou o Reino Unido (considerado o mercado mais consolidado) em acessos a essas plataformas, que se multiplicam e investem cada vez mais em publicidade no esporte. Entre janeiro e dezembro do ano passado, a alta foi de 75%.

Brecha aberta em 2018

O estudo “Futuro das Apostas Esportivas On-line”, da plataforma Futuros Possíveis, indicou que, no fim do ano passado, um em cada três adultos que acompanham e praticam esportes no país já tinham feito algum tipo de aposta online. Um em cada quatro apostava regularmente. No caso dos entrevistados entre 16 e 29 anos, o percentual que já experimentou chega a 44%.

As bets esportivas foram respaldadas por uma brecha aberta em 2018 na legislação restritiva do jogo no Brasil: foram descriminalizadas as chamadas “apostas de cota fixa”, quando é antecipado ao jogador quanto ele ganha se acertar resultados.

O mercado associado ao esporte explodiu no país, movimentando pelo menos R$ 45 bilhões por ano, e despertando o interesse do Ministério da Fazenda em taxar a atividade para ajudar no equilíbrio das contas públicas.

Um projeto de lei foi aprovado recentemente na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, depois de passar pela Câmara, e aguarda votação no plenário. Os parlamentares levaram a taxação para algo mais próximo da australiana, e propõem regras de combate ao jogo compulsivo similares às diretrizes britânicas.

Para o psiquiatra Gustavo Teixeira, é preciso criar mecanismos contra a compulsão. Ele explica que o sistema de recompensa cerebral é ativado durante a aposta, que desencadeia uma descarga de dopamina, reforçando a vontade de apostar mais e mais.

Para reduzir o uso abusivo das plataformas de apostas, a regulamentação brasileira em tramitação no Senado estabelece que as empresas de apostas devem ter medidas para prevenir o transtorno do jogo compulsivo e o endividamento, seguindo precedentes internacionais. Mas não é muito detalhada, criticam especialistas.

Uma portaria normativa da Fazenda em vigor atualmente diz que as empresas devem ter mecanismos de controle, como limite de tempo dedicado a apostas e de perdas, intervalo para pausa e autoexclusão quando o apostador reconhece um comportamento vicioso.

Apesar das semelhanças, o sistema britânico é mais rigoroso. O projeto de lei brasileiro deixa muita coisa em aberto para a portaria da Fazenda. No Reino Unido, o Gambling Act (lei do Parlamento que disciplina as apostas) definiu algumas condutas como crime. Nossa regulamentação só dispõe sobre penalidades administrativas, com advertência e multa para pessoas jurídicas”, diz o advogado Luiz Loques.

No quesito taxação, o Reino Unido cobra 21% sobre os ganhos das operadoras de apostas. No Brasil, a proposta inicial da Fazenda era tributar os resultados das plataformas em 18% e os prêmios (acima de R$ 2.112) de apostadores em 30%.

Os parlamentares reduziram as alíquotas para 12% e 15%, respectivamente, depois da pressão de entidades ligadas às empresas. O governo buscava uma taxa sobre o faturamento equivalente à sueca, mas os senadores preferiram algo próximo à taxa da Austrália, que vai a 15% para plataformas em 2024.

Tributação pode inibir

O professor de Direito da FGV Gustavo Fossatti aponta a Alemanha como um dos poucos países que impuseram limites no valor das apostas e nas perdas por usuário. Além disso, as empresas pagam 5,3% sobre o faturamento, sem contar impostos estaduais, que variam de 20% a 80% da receita.

Países como a Alemanha, com arrecadação robusta, não dependem tanto desse mercado e podem tributar de forma agressiva. O Brasil depende da arrecadação, então, a tributação não pode ser tão elevada a ponto de inibir o crescimento do setor”, diz Fossatti.

Alguns países mantêm taxação mais baixa, como Malta e Grécia, de 5%. Nos Estados Unidos, empresas regularizadas pagam 0,25% do montante apostado. E há 24% de Imposto de Renda sobre prêmios maiores de US$ 5 mil.

Erlan Valverde, sócio da área de Direito Tributário de TozziniFreire Advogados, diz que a licença para operar nesse mercado também varia. Em Nova Jersey, nos EUA, por exemplo, operadoras têm de pagar US$ 100 mil (R$ 492 mil), com adicional a cada renovação. Na Espanha, o custo pode chegar a € 50 mil (R$ 265 mil).

São valores muito inferiores aos R$ 30 milhões propostos no Brasil (para licença de operação, conforme previsto no projeto de lei). Considerando o valor de entrada e a tributação elevada, a proposta do governo pode desestimular empresas a entrarem no mercado legal, reduzindo a receita tributária a ser obtida”.

Fonte: O Globo

Fonte: O Globo