LUN 25 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 23:17hs.
TozziniFreire Advogados

Regras de integridade corporativa determinarão sobrevivência das casas de apostas

En coluna especial para o Jota, Caio Loureiro, Jan Makuta e Marcelo Zenkner, advogados do escritório TozziniFreire, afirmam que a montagem da estrutura das casas de apostas não deve ser encarada como custo, mas como investimento para evitar perdas. Para os especialistas, as regras de integridade corporativa determinarão a sobrevivência delas.

O Plenário da Câmara aprovou em setembro o PL 3626/2023, que altera a MP 2158-35/2001, a Lei 5.768/1971 e a Lei 13.756/2018 e estabelece diretrizes e regras para a exploração da loteria de apostas de quota fixa, regulamentando, assim, a atividade das empresas de “betting” no Brasil. O PL ainda incorporou a MP 1182/2023, a qual vem regulamentando o tema até o presente momento.

A relevância da indústria de apostas esportivas online para o esporte brasileiro, especialmente no futebol, é inegável. As empresas de “betting” são onipresentes, com seus logotipos abundando os intervalos comerciais da televisão aberta, fechada, meios digitais, redes sociais, placas publicitárias em estádios, batizando campeonatos e presentes nas camisas dos clubes que disputam as Séries A, B, C e D do Campeonato Brasileiro de Futebol. Dos 124 times que disputam alguma divisão nacional em 2023, aproximadamente 70% têm patrocínio de alguma plataforma de apostas, muitos com patrocínios másteres que ocupam o espaço mais nobre da camisa dos times e empresas do segmento, figurando entre os maiores anunciantes do Brasil.

O tamanho dessa indústria é palpável, mas a ausência de dados oficiais sistematizados e organizados decorrentes da falta de regulamentação do setor dificulta a apuração de certos dados que comumente nos deparamos, como o volume de apostas e prêmios pagos, que supostamente movimentará entre R$ 120 e R$ 150 bilhões até o final de 2023 – o que credenciaria o Brasil a se tornar um dos maiores mercados globais – ou o número real de operadores, dentre “white labels” e prioritários, que pode variar de algumas centenas a alguns milhares a depender da fonte consultada.

Qualquer que seja o real número de operadores, ele é superlativo e superior em muitas vezes ao número de empresas atuantes em mercados mais maduros, o que resulta em alta pulverização das receitas. Certo estudo aponta que 35% das empresas têm faturamento anual entre R$ 5 milhões e R$ 50 milhões, enquanto apenas 15% faturam mais de R$ 50 milhões.

Dados que, se corretos, dá razão à crítica generalizada do mercado em relação ao valor de outorga de R$ 30 milhões para cada canal eletrônico (ou domínio de internet) a ser operado a serem pagos a cada três anos e os 18% sobre o Gross Gaming Revenue (GGR) destinados à seguridade social e outros beneficiários, que poderiam inviabilizar a continuidade da operação da grande maioria das casas de apostas atualmente em operação.

Sob a perspectiva dos elevados custos para a regularização das operações brasileiras, um efeito imediato esperado da regulamentação da atividade é o início do movimento de consolidação do mercado, seja através de fusões e aquisições, com muitos deles envolvendo grandes players mundiais, ou aportes pelos fundos de investimento.

Nesse movimento de regulamentação e consolidação do mercado, um fator que será determinante na definição das empresas de apostas esportivas, que continuarão a atuar de forma regular no Brasil, será a implementação de políticas, procedimentos e controles internos exigidos pelo PL. 

Atuando com base nas licenças emitidas em jurisdições onde muitas vezes os mecanismos de controle interno exigidos são menos restritos do que no Brasil, a esmagadora maioria das “bets” que desejarem continuar a atuar no país de forma regular precisarão se adaptar aos padrões globais de controles internos exigidos pelo PL.

Nesse sentido, o desafio das “bets” parece ser maior do que o imposto às empresas brasileiras atuantes em outras indústrias – que em sua grande maioria também ainda engatinham no processo de implementar políticas internas de controle efetivas – dado que o espectro de áreas a serem cobertas nos termos do artigo 8º é amplo, englobando políticas, procedimentos e controles internos de atendimento a apostadores e ouvidoria (inciso I), de prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa (inciso II), jogo responsável e prevenção de ludopatia (inciso III), além de integridade de apostas e prevenção à manipulação de resultados e outras fraudes (inciso IV), que deve englobar mecanismos de reporte a autoridades públicas (artigo 35), além da necessidade de disponibilização contínua de informações técnicas, operacionais, econômico-financeiras e contábeis, de dados, de documentos, de certificações, de certidões e de relatórios ao Ministério da Fazenda (artigo 34), além de ser aderente à Lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD).

Violação a tais obrigações irá expor os operadores de apostas de quota fixa às sanções administrativas previstas no artigo 41, que incluem advertência, multa de até R$ 2 bilhões por infração, a suspensão das operações por até 180 dias, a cassação da autorização, dentre outras penalidades e ainda às medidas acautelatórias que podem ser impostas antes da finalização do processo administrativo sancionador que incluem, dentre outras coisas, a possibilidade de manter a empresa temporariamente inoperante.

Para a empresa construir um sistema de integridade corporativo de acordo com os padrões exigidos pelo PL é necessário orçamento, equipes, equipamentos e softwares próprios. Deve-se, no entanto, ter em mente que o valor envolvido para a sua criação é consideravelmente menor do que os custos da não-conformidade, na medida em que a inconformidade pode significar até a descontinuidade das atividades da casa de apostas no Brasil.

O assunto é ainda mais sensível no caso de casas de players globais, posto que sanções aplicadas no Brasil, mesmo que não seja demasiadamente grave a ponto de provocar o encerramento das atividades brasileiras, podem resultar em prejuízos nas operações de outras jurisdições que podem ir além do dano reputacional.

A montagem da estrutura adequada de integridade corporativa, portanto, não deve ser encarada como um custo, mas um investimento para evitar a perda de valores ainda mais significativos. 

CAIO LOUREIRO
Sócio na área de Gaming & eSports na TozziniFreire Advogados

JUN MAKUTA
Sócio na área de Gaming & eSports na TozziniFreire Advogados

MARCELO ZENKNER
Sócio na área de Direito Administrativo e Projetos Governamentais na TozziniFreire Advogados