Um dos grandes problemas brasileiros é negar fatos. Pode-se dizer que passamos muito tempo lamentando o ocorrido, tentando modificar o fato ou ainda discutindo o motivo de sua ocorrência. Na verdade, deveríamos discutir a solução.
Lembro quando um querido amigo e professor universitário conseguiu resumir meu pensamento em frase única em um evento em que se discutia a lei de terceirização à época em debate no Congresso Nacional.
Na oportunidade, diversas das manifestações passaram grande parte do tempo criticando a terceirização e referindo o quanto devasta essa “forma de trabalho” seria para a população. A frase dita pelo meu querido amigo ao iniciar a sua fala dizia mais ou menos o seguinte: a terceirização é um fato e contra fatos não há argumentos, vamos discutir como melhorar através da regulamentação as consequências desse fato.
Atualmente, diversas são as situações em que essa realidade se replica. Um exemplo é o Direito dos Jogos. Muitas são as críticas relativas ao tema, desde a ludopatia até a possibilidade de lavagem de dinheiro. A questão que todos esquecem é: a existência de apostas esportivas é um fato. A evolução tecnológica garante que mesmo proibidas ou não regulamentadas elas aconteçam.
Em 2018, o legislador finalmente reconheceu o fato e publicou a Lei 13.756. Esta dispôs sobre o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), sobre a destinação do produto da arrecadação das loterias e sobre a promoção comercial e a modalidade lotérica denominadas “apostas de quota fixa”. Na mesma oportunidade, estabeleceu-se o prazo de dois anos prorrogável por mais dois para a regulamentação que não aconteceu.
Alguns projetos de lei estão em discussão no Congresso Nacional, mas no dia 24 de julho do corrente ano o presidente da República optou por promulgar a Medida Provisória 1.182/2023.
A simples publicação do tema através de Medida Provisória já traz à tona velha discussão: existe relevância e urgência para tratar do caso? A resposta parece simples e merece as seguintes reflexões: existiria urgência em uma temática que há tanto tempo discute-se no Congresso Nacional e não tem resposta? Ainda, cabe ao chefe do Executivo interferir e legislar através de medida provisória diante da inércia do legislativo?
A discussão da temática não merece grande perda de energia, já que o STF – aquele que acerta ou erra por último em matéria constitucional – tem posição sobre o tema: a decisão sobre existência de relevância e urgência não compete à Corte Suprema, mas sim ao próprio presidente da República.
De forma geral o que se pode destacar é o impacto simbólico do movimento legiferante: o governo está dando atenção e prioridade para o tema.
Infere-se, portanto, que independentemente de opiniões pessoais ou ideológicas os governantes reconheceram que o mundo dos jogos/iGaming é um fato. Este fato engloba o reconhecimento de que a decisão sobre a possibilidade de jogar não cabe mais ao Estado. O motivo principal não é ideológico ou fruto de princípios ligados à liberdade, mas sim de um fator muito mais forte. A globalização e a tecnologia muitas vezes impedem que o Estado tome uma decisão que seja exequível. Em outras palavras, a opção pela ilegalidade não impediria o jogo e ainda acarretaria algo muito mais grave: o descrédito da força estatal.
A promessa é que nessa semana finalmente seja aprovado no Senado o PL 3626/23. Em evento do setor - MiS Mercosul iGaming Summit - realizado em Porto Alegre com representantes da indústria e do governo, apostava-se na votação no dia 29 de novembro. Uma semana passou e nova expectativa forma-se em relação à votação prevista para essa semana.
Quem quiser acompanhar a tramitação do PL no Senado Federal pode acessar:
https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/160197.
Ana Helena Karnas Hoefel Pamplona
Advogada, professora, mestre e doutora em Direito
Fonte: GMB