MAR 26 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 19:19hs.
Rodrigo Gitaí - RG Political Intelligence

IR sobre prêmios: O fenômeno do "Duplo Negativo” que pode frustrar apostadores e a Receita Federal

Em artigo sobre taxação de prêmios pagos nas apostas esportivas, o sócio-gerente da RG Political Intelligence, Rodrigo Gitaí, analisa alguns aspectos que envolvem o imposto de renda no Brasil. Nele, o especialista aponta o risco de o apostador migrar para o mercado não licenciado em função da retirada de parte do dinheiro ganho. “O sequestro de 30% da premiação pode inviabilizar a experiência e causar um efeito de frustração na arrecadação”, atesta.

Uma de minhas maiores preocupações com a lei brasileira de apostas esportivas são as externalidades e consequências de uma questão pouco discutida. O imposto de renda sobre prêmios pagos pode atingir uma parcela significativa dos apostadores brasileiros e o fenômeno do "Duplo Negativo" será um fator relevante para a migração e canalização de uma fatia importante de apostadores para mercados offshore, podendo frustrar significativamente as expectativas de recolhimento de tributos.

Que existe euforia sobre a abertura do mercado de apostas esportivas no Brasil todos sabem, o mercado brasileiro vem sendo testado nos últimos 4 anos, desde a aprovação da lei que autoriza as atividades, e aquilo que os operadores veem é incrível, um pool de consumidores engajados nos esportes, nas competições, amam futebol e seus atletas. O brasileiro parece ter vocação para apostar.

As várias marcas que competem de maneira acirrada e desbravam os costumes brasileiros, vivem hoje em uma vacância regulatória, pois temos uma lei clara para o setor. Entretanto, não temos o decreto federal que regulamente e explique claramente como tudo deve funcionar, não é cristalino ainda como exatamente a jurisdição brasileira para apostas esportivas deverá se adequar, e isso passa por todos os aspectos de um setor regulado, como será disponibilidade de licenças, fiscalização e principalmente o julgamento de impostos.

Gostaria de nesse artigo dar o devido foco àquilo que considero o maior problema legal e regulatório que o mercado brasileiro de apostas esportivas sofrerá, falo do Imposto de Renda sobre Prêmios Pagos, ou o imposto sobre a sorte.

Uma inovação brasileira, ferramenta inexistente nas jurisdições de outros países, que podem além de retirar uma boa fatia de dinheiro dos apostadores, causar um fenômeno de experiências ruins ao consumidor que fragiliza o mercado nacional canalizando boa parte dos apostadores para operações não licenciadas depois da regulamentação.

No entanto, embora a espera de quatro anos esteja finalmente chegando ao fim, é importante destacar que há pontos que precisam ser aperfeiçoados e reformados quando possível, para que a regulamentação possa atender às expectativas de todos os envolvidos.

Uma das peculiaridades do Brasil é o fato de que as apostas esportivas são consideradas uma modalidade lotérica pelo ordenamento jurídico brasileiro, conforme previsto na Lei 13.756/2018. Isso causa uma das piores heranças que os apostadores em esportes podem ter: a incidência de imposto de renda sobre prêmios pagos. Esse sequestro de 30% da premiação dos apostadores pode inviabilizar a experiência e causar um efeito de frustração na arrecadação.


A experiência do consumidor

O grande charme das operações de apostas esportivas reside na possibilidade de os apostadores se envolverem em suas paixões esportivas de maneira mais intensa, colocando à prova seus conhecimentos e habilidades em prever o desempenho de atletas e times em diferentes modalidades. Além disso, as apostas esportivas trazem a emoção e a diversão de acompanhar jogos e campeonatos com ainda mais intensidade, já que a possibilidade de ganhar dinheiro com suas previsões adiciona um elemento extra de suspense a cada partida.

Ganhar ou perder nas apostas é uma continuação da experiência vivida dentro dos campos e quadras, uma vez que o resultado da aposta está diretamente ligado ao desempenho dos times e atletas. A diferença é que, no caso das apostas, os apostadores têm uma participação direta nos resultados e um incentivo financeiro para torcer com ainda mais emoção.

No entanto, o apostador pode ficar exposto ao chamado "duplo negativo", uma situação em que ele tem uma experiência negativa tanto na derrota quanto na vitória. Na derrota, o apostador perde o valor apostado e paciência pois faz parte da dinâmica dos resultados. Na vitória, ele pode ter uma parte considerável de seus ganhos sequestrada pela casa de apostas, que será obrigada pelo governo federal a reter esse dinheiro na fonte. Essa retenção pode inviabilizar a experiência dos apostadores e gerar um efeito de frustração completa.

Segundo dados do Relatório Convocados da XP sobre o futebol brasileiro, até 8% dos clientes podem apostar mais de R$ 400 por mês, uma faixa que estará especialmente exposta a esse efeito do "duplo negativo" devido à retenção de valores decorrentes da regulamentação das apostas esportivas.

Fuga e canalização de apostadores para o mercado offshore

Os apostadores de perfil mais alto, que representam uma parcela significativa do faturamento do mercado de apostas esportivas (podendo chegar mais da metade do mercado), serão os mais afetados pela nova política tributária. Isso porque, além de serem os que mais ganham e, portanto, pagarão mais impostos, também são os que mais se preocupam com a rentabilidade de suas apostas.

Com a implementação de um imposto sobre as premiações, as casas de apostas terão grandes dificuldades em manter esses apostadores dentro do mercado brasileiro. Isso porque a maioria dos outros mercados não tem um imposto semelhante, lembrando que são clientes acostumados e habituados na operação offshore.

Conversas com profissionais do mercado de afiliação de apostadores indicam que há uma tendência crescente de canalização desses apostadores para fora do Brasil, na tentativa de evitar os impostos e manter a rentabilidade de suas apostas. Em consequência a um mercado regulado não pode ser tornar hostil para esses apostadores.

As maiores vítimas serão as casas de apostas que terão que cumprir os requisitos da nova licença e serão os responsáveis pela retenção do imposto sobre as premiações, mas ainda verão uma parte significativa de seus faturamentos fugindo para o mercado offshore. Será um desafio para as casas de apostas encontrarem maneiras de manter esses apostadores dentro do mercado regulado.

Os aspectos legais do problema

A obrigatoriedade do recolhimento do imposto de renda sobre prêmios pagos em apostas esportivas é baseada em fundamentos legais sólidos. O Art. 31 da lei 13.756/18 é uma das referências que embasam a obrigação, que está ancorada em outras leis que compõem o arcabouço regulatório do imposto de apostas no país.

Apesar das estimativas do Ministério da Economia apontarem que até 90% da arrecadação do mercado de apostas esportivas poderão vir da retenção do imposto de renda sobre prêmios, é importante destacar que esses estudos não consideram os efeitos negativos e externalidades dessa prática. Como consequência, pode ocorrer a fuga do mercado regulado ou o desencorajamento do consumo.

Segue abaixo os dispositivos legais:

(Lei 13.756/18 - Lei das Apostas de Quota Fixa) Art. 31. Sobre os ganhos obtidos com prêmios decorrentes de apostas na loteria de apostas de quota fixa incidirá imposto de renda na forma prevista no  art. 14 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964, observado para cada ganho o disposto no  art. 56 da Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009.

(Lei 4.506/96) Art. 14. Ficam sujeitos ao imposto de 30% (trinta por cento), mediante desconto na fonte pagadora, os lucros decorrentes de prêmios em dinheiro obtidos em loterias, mesmo as de finalidade assistencial, inclusive as exploradas diretamente pelo Estado, concursos desportivos em geral, compreendidos os de turfe e sorteios de qualquer espécie, exclusive os de antecipação nos títulos de capitalização e os de amortização e resgate das ações das sociedades anônimas.

(Lei 11.941/09) Art. 56. A partir de 1 de janeiro de 2008, o imposto de renda sobre prêmios obtidos em loterias incidirá apenas sobre o valor do prêmio em dinheiro que exceder ao valor da primeira faixa da tabela de incidência mensal do Imposto de Renda da Pessoa Física – IRPF.

Recentemente o Governo Federal comunicou que irá revisar a primeira faixa da tabela de incidência do IRPF, mas até que a medida se concretize, toda premiação paga acima de R$1.903,98 terá obrigatoriamente o desconto do imposto de 30% sobre o excedente.

Janelas de oportunidade

Ainda não existe um valor significativo de recolhimento deste imposto para o tesouro nacional, ele ainda é somente uma expectativa de receita, e por isso é muito mais fácil de se mudar do que alguma rubrica que já tem historio longo de arrecadação. Por diversos motivos, a lei de responsabilidade fiscal brasileira impede a diminuição de impostos sem o provisionamento de outras formas de receitas ou que exista uma redução no orçamento e gastos.

Por não existir receita relevante entrando com esse código, hoje nos cofres públicos, o maior empecilho para uma mudança da norma, hoje não existe. Mas na primeira remessa de dinheiro encaminhada a receita federal e o Estado brasileiro incorporar essa fonte de recursos como custeio da máquina pública, dificilmente será possível reverter essa condição.

Em manifestações recentes e notório a aqueles que estão acompanhando a evolução regulatória do setor, o Governo Federal pretende encaminha Medida Provisória ao Congresso Nacional, para incorporar na legislação aspectos que legitima o futuro decreto de regulamentação.

O Congresso necessariamente deverá voltar a discutir o tema e esse é o momento oportuno, a nossa primeira janela de oportunidade, para se corrigir esse erro no desenho tributário.

Outra janela seria o PL 442/18 que está no Senado Federal, o projeto que busca legalizar todas as verticais de jogos e apostas no Brasil, tem o dispositivo do CIDE-Jogos(conceito de imposto único sobre atividade econômica específica) específico que isenta todo imposto federal sobre premiações abaixo de R$10.000,00 e aquelas que forem acima desse valor a alíquota seria de 20%.

Uma condição infinitamente melhor do que a hoje estabelecida pela Lei 13.756/18, cabendo na adaptação do texto do projeto de lei, somente que isso abranja também o mercado das apostas de quota fixa.

Considerações

Com os aspectos apresentados, esse tema é grande demais para ser tratado de maneira unilateral, e atinge todos os seguimentos do mercado de apostas esportivas brasileiras.

O apostador sentirá no bolso um imposto pesado que não está acostumado, os serviços de afiliação ficaram em xeque por terem de dar recomendações que beiram a ilegalizada para que seus clientes tenham uma rentabilidade adequada, as casas de apostas ficaram impotentes sobre a baixa atratividade do mercado brasileiro e pôr fim a receita federal terá frustrada as expectativas de grande arrecadação e sofreram ainda mais em tentar coibir qualquer prática de jogo offshore.

Rodrigo Gitaí
Managing Partner na RG Political Intelligence