Dos 40 clubes das Séries A e B do Campeonato Brasileiro de futebol, 37 são patrocinados por casas de apostas on-line. Significa que 92,5% das equipes da modalidade mais popular do país são financiadas por empresas do setor, que chegam a pagar até R$ 30 milhões por ano a um único time. É algo sem precedentes na história do esporte nacional. Há briga por espaços em placas de publicidade em volta dos campos.
Mais do que isso, as plataformas patrocinam torcidas organizadas, campeonatos de vários esportes e estão com ações de marketing no Big Brother Brasil (BBB), em trios elétricos e blocos de Carnaval. O terreno foi conquistado em pouco mais de quatro anos de atuação no país, já que o decreto que autoriza a exploração de casas de apostas digitais é do final de 2018. Por aqui, esse mercado movimentou R$ 9,8 bilhões ano passado e tem projeção de alcançar R$ 12 bilhões este ano.
Globalmente, em 2022 foram US$ 83,6 bilhões, de acordo com relatório da Grand View Research, multinacional de análise de dados corporativos. E deve crescer a uma taxa média anual acima de 10% de 2023 a 2030, batendo US$ 182,1 bilhões.
Essa escalada tem mais de uma explicação. O estudo da Grand View aponta que uma delas é a infraestrutura de internet cada vez mais segura e disseminada. Outra é a influência dos grandes eventos esportivos em todo o mundo, como a Copa do Mundo da Fifa, a Uefa Champions League e a NFL (liga de futebol americano).
Uma terceira frente vem acompanhada de um grande desafio: a regulamentação do setor. Ela tem ocorrido em diversos países, mas no Brasil está travada desde a promulgação da lei 13.756, de 12 de dezembro de 2018, assinada pelo então presidente Michel Temer, que autorizou a modalidade lotérica denominada “aposta de quota fixa”. É onde se enquadram as apostas esportivas on-line. Está determinado nessa legislação que o Ministério da Economia (rebatizado da Fazenda) regulamentaria o setor no prazo de até quatro anos. Expirou em 12 de dezembro de 2022. E até agora nada.
A gestão Jair Bolsonaro iniciou debates sobre o tema, mas esbarrou na pressão de alas conservadoras com forte influência durante sua administração, como os evangélicos.
A equipe de Luiz Inácio Lula da Silva esboça retomar a conversa, mas com outra motivação: as recentes denúncias de manipulação de jogos. Paralelamente, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 442, de 1991. Foi aprovado pela Câmara ano passado e está em análise no Senado. Esse dispositivo é mais abrangente, pois legaliza jogos de azar como cassinos, bingos e até jogo do bicho.
A regulamentação ou o avanço do PL 442/91 traria benefícios ao setor, de acordo com especialistas e operadores. Para o advogado Fernando Gonçalves, sócio-fundador do escritório FGo Legal e especialista em Direito Empresarial e Econômico, o vácuo da legislação abre espaço para especulação. “É preciso acelerar o debate, pois ninguém sabe o tamanho real desse mercado”, disse. “São dezenas de bilhões de reais sendo movimentados. Cadê a arrecadação de impostos sobre isso?”
A resposta é uma incógnita. Hoje, para atuarem no Brasil, as casas de apostas têm de ser licenciadas em offshore fora do país e fazem remessas diárias para o exterior das receitas que recebem com as apostas. O único imposto recolhido é o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Nas operações de transferência internacional de mesma titularidade e aquisição de moedas em espécie, a alíquota é de 1,1%. A reportagem da DINHEIRO indagou o Ministério da Fazenda sobre quanto foi arrecadado com IOF das casas de apostas desde 2018. A resposta: “Não há como segregar, na arrecadação do tributo, o item específico solicitado na demanda.” A Pasta não disse como fiscaliza a atuação dessas companhias e confirmou que a regulamentação está em estudo.
Segundo a Receita Federal, existem hoje no Brasil 17.252 casas de bingo — que funcionam com autorização do governo ou da Justiça —, 264 locais de exploração de apostas em corridas de cavalo e 484 de exploração de jogos de azar e apostas não especificados. As casas de apostas esportivas on-line são geralmente registradas no exterior. Se houver alguma reclamação ou conflito entre apostador e casas de apostas, esqueça entidades de defesa do consumidor como o Procon. Segundo o advogado Fernando Gonçalves, esses possíveis desentendimentos, a princípio, são solucionados entre as partes. Se não houver resolução pacífica, um tribunal no exterior deve ser acionado pelo reclamante. “Pois a aposta efetivamente está sendo feita lá fora”, disse o especialista, ao ressaltar que não vê esse tipo de problema ainda porque “os operadores são muito sérios” e “não querem criar uma imagem de insegurança” para os apostadores.
Parte considerável do sucesso do setor em tão pouco tempo de Brasil, e que justifica os investimentos milionários dessas empresas em marketing, é a alta incidência de pagamentos de prêmios. As maiores casas de apostas do país possuem 7 milhões de clientes cadastrados. Quase todos já ganharam alguma aposta feita em sites e apps. Não significa que ficaram ricos. Para pequenas apostas, pequenos prêmios. O payout — porcentagem do dinheiro apostado que volta para os apostadores, com um cálculo feito para definir a margem de lucro das casas de apostas — está entre 90% e 98%. Para efeito de comparação, a Caixa paga como prêmio bruto 43,35% da arrecadação da Mega Sena. Uma boa margem para a operadora, mas contempla poucos ganhadores, com um alto valor. Segundo pesquisas de mercado, o Brasil tem potencial para 30 milhões de apostadores.
Publicidade
Mover essa engrenagem leva consequentemente ao alto investimento em propaganda. O que inclui associar as marcas a celebridades, para dar credibilidade ao setor e se diferenciar dos concorrentes.
O narrador Galvão Bueno (Pixbet), o melhor jogador brasileiro em atividade, Vini Jr. (Betnacional), do Real Madrid, o lateral-esquerdo Marcelo (SportingBet) e os ex-futebolistas Ronaldo Fenômeno (Betfair) e Adriano Imperador (Betpix365) são algumas das caras que estampam a publicidade das casas de apostas.
Estudo da consultoria de data science Ilumeo revelou que nessa corrida por atrair apostadores a bet365 tem a maior presença na cabeça dos consumidores. É conhecida por 86% do público, seguida de Betano (72%), SportingBet (72%) e Betfair (56%).
Fundador e head of Science and Projects da Ilumeo e professor de gestão de marcas da USP, Otávio Freire avalia como correta a estratégia de legitimar as apostas por meio de ídolos do futebol. “Faz o consumidor associar algo que ele já tem na cabeça [celebridade ou instituição] com o que ele nunca viu na vida [casa de apostas]”, disse. Para ele, a presença dessas companhias em patrocínios e parcerias com clubes, eventos e personalidades vai continuar ao longo dos próximos anos.
Com patrocínio de sete clubes das Séries A e B do Brasileirão, a Esportes da Sorte acabou de firmar o maior contrato da história do Bahia. Válido até 2025, renderá R$ 57 milhões ao clube, R$ 19 milhões por temporada. A empresa também fechou um plano publicitário com o reality show BBB 23, da Globo. Para o CEO da Esportes da Sorte, Darwin Filho, a regulamentação é necessária para separar os operadores sérios dos aventureiros. E ainda deve atrair outras empresas que não chegaram ao país porque estão à espera de maior segurança jurídica. “O mercado de apostas brasileiro tem se destacado. Com a regulamentação, os investimentos vão aumentar”, disse. Segundo ele, o país está entre os dez maiores mercados globais e tem potencial para estar no Top 3. “Abaixo apenas de EUA e China”, afirmou.
CEO da Pixbet, Ernildo Júnior vê o mercado brasileiro com otimismo, apesar de apenas quatro anos de atuação. Segundo ele, regulamentar o setor será importante para a criação de valor. “Esse mercado vai ficar mais competitivo e mais desafiador”, disse o executivo da empresa que patrocina seis equipes no Brasil, entre elas Flamengo e Corinthians.
O anúncio da parceria com o clube paulista, em dezembro do ano passado, foi feito em telões da Times Square, em Nova York, um dos espaços publicitários mais famosos do mundo. Também em 2022, foi a primeira casa de apostas a comprar uma cota de patrocínio na TV aberta para a Copa do Mundo — avaliada pelo mercado em R$ 176 milhões. Estabeleceu ainda parceria com a Amazon para os clientes receberem dicas de apostas via Alexa, em aporte de R$ 1,2 milhão pelo contrato de um ano. Investimentos em que rendem resultados. “Hoje estamos em um nível de 55 apostas por segundo no horário de pico”, disse Júnior.
Inglaterra
A atuação no esporte, em especial o futebol, modalidade em que são feitas 90% das apostas, em média, segundo operadores ouvidos pela DINHEIRO, é só o começo. O Brasil é um mercado promissor e há uma estrada de possibilidades pela frente. Como abrir apostas para adivinhar nomes de bebês de artistas, quando vai nascer, qual será o sexo… Situações passíveis de apostas em países como a Inglaterra, com décadas de atuação desse setor e, portanto, muito mais amadurecido.
“São situações mais populares, que estão na boca do povo. Ocasiões em que as pessoas têm maior envolvimento tendem a ter uma relação mais duradoura com a marca”, disse Freire. Para Darwin Filho, da Esportes da Sorte, a tendência é avançar para outros segmentos. “Mas ainda não estamos nesse nível de maturação.” Com tantas opções aos apostadores, Freire observa que o próprio segmento precisa tomar cuidado para não se canibalizar. “Não pode haver pouca oferta e nem oferta demais. Porque o consumidor acaba se perdendo e ficando numa [empresa] só.” Se isso vai acontecer? Façam suas apostas.
Resultados de jogos sob suspeita
Tombense, de Goiás, é o único clube da Série B do Brasileirão que não possui patrocínio de casas de apostas. Curiosamente, está envolvido em um suposto caso de manipulação de resultados de três partidas da última rodada do campeonato de 2022. As empresas do ramo, que dependem da lisura dos jogos para atrair mais público, também seriam vítimas do caso que envolve apostadores e jogadores de futebol. O episódio é investigado pelo Ministério Público goiano e pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). A suspeita é de que um grupo de apostadores procurava atletas para fraudar resultados nos jogos de futebol. Em troca, os jogadores recebiam parte dos prêmios de apostas feitas.
Joseph, zagueiro do Tombense, é um dos investigados pelo MP. O atleta teria recebido dinheiro para cometer um pênalti no primeiro tempo do jogo contra o Criciúma. O jogador, de fato, derrubou um adversário na primeira etapa daquele jogo. Mas nega as acusações.
Para o advogado Filipe Senna, sócio do Jantalia Advogados e especialista em Direito de Jogos, as casas de apostas não burlam os resultados. “As manipulações são cometidas principalmente por terceiros, que não estão diretamente vinculados a essas casas.”
Darwin Filho, CEO da Esportes da Sorte, corrobora. “Para nós isso é muito ruim. As bancas são as principais prejudicadas quando isso acontece”, disse ele, ao apontar monitoramento em tempo real das transações e jogos para detectar movimentações atípicas pela empresa parceira, a Sportradar, que também abastece a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) com informações.
Fonte: IstoÉ Dinheiro