JUE 19 DE SEPTIEMBRE DE 2024 - 13:57hs.
Ex-secretário da SECAP e sócio da gestora AZ Quest

Alexandre Manoel: Regulamentar apostas esportivas visando arrecadação é um erro

O economista Alexandre Manoel, sócio e economista-chefe da gestora AZ Quest, ex-secretário da SECAP quando foi aprovada a Lei 13.756/18 que legalizou as apostas esportivas no Brasil, avalia que o governo está superestimando a arrecadação de impostos sobre a atividade. Em entrevista ao Broadcast, do Estadão, ele diz que “na melhor das hipóteses, [seria] algo entre R$ 600 milhões e R$ 1 bilhão por ano”.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse recentemente que a intencionada regulamentação das apostas esportivas, levando à cobrança de impostos sobre o setor, deve arrecadar de R$ 2 bilhões a R$ 6 bilhões por ano.

Manoel, que mergulhou no tema como autoridade que lidou diretamente com a MP 846 no governo Temer, diz que, em termos de arrecadação permanente, a tributação das apostas esportivas deve trazer, na melhor das hipóteses, algo entre R$ 600 milhões e R$ 1 bilhão por ano.

Uma das razões é que mais de 95% das faturamento dos sites de apostas esportivas retorna aos apostadores sob a forma de prêmios, e, portanto, o ganho a tributar é muito menor do que se imagina. Pelo lado dos apostadores, grande parte dos ganhos são de pequenos valores, centenas de reais, não ultrapassando a faixa de isenção do IR - e, portanto, para a maioria dos brasileiros que estão isentos, aqueles ganhos não geram um rendimento tributável.

No primeiro ano da regulamentação das apostas esportivas, ressalva Manoel, a entrega de outorgas para as empresas de apostas que se regularizarem pode talvez render R$ 6 bilhões. Mas é um efeito de um ano só.

Ainda assim, o melhor caminho, para o economista, seria o de um decreto presidencial para regulamentar a Lei 13.756, que poderia ser quase imediatamente seguido pela elaboração de contratos de concessão pelo Ministério da Fazenda e leilões de outorga. O caminho, cogitado pelo governo, de editar uma MP para regulamentar as apostas esportivas é uma armadilha, na visão de Manoel, que pode inclusive prejudicar a condução do processo político que tentará levar ao novo arcabouço fiscal e à reforma tributária.

Para fundamentar o seu ponto de vista, o economista da AZ Quest de início rememora as circunstâncias em que as apostas esportivas foram legalizadas em 2018, no governo Temer.

A MP 846 de início não visava legalizar as apostas esportivas, mas sim consolidar a legislação sobre loterias, para melhorar o processo de rateio e canalizar recursos para a segurança pública. A ideia da legalização das apostas esportivas em sites, no bojo da MP 846, foi proposta pelo ex-deputado Vicente Cândido (PT-SP) e apoiada pelo ex-senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), com aval do então presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ). A ideia vingou, entrou na MP e virou lei.

Como a Lei 13.756 não foi regulamentada até hoje, não se cobram impostos relativos às apostas esportivas feitas em sites.

Manoel recorda que o Ministério da Fazenda à época defendeu que as licenças para os sites deveriam ser feitas por autorização, mas Cândido preferia concessão - e, segundo o economista, os fatos provaram que o ex-deputado petista tinha razão. Na MP/legislação aprovada, abriu-se espaço para que fosse feito de um jeito ou do outro.

 

 

O economista considera irônico que o governo do PT agora queira regularizar os sites de apostas esportivas por autorização.

"É muito muito melhor para eles seguirem a linha já pensada pelo deputado petista à época, que é construir um contrato com a própria Procuradoria da Fazenda, colocando as punições [a empresas de aposta que cometam irregularidades ou fraudes] no contrato de concessão", aponta.

Dado que, na visão do sócio da AZ Quest, a tributação de apostas esportivas é pouco relevante em termos fiscais - no Brasil como em outros países, ele acrescenta -, "o mote para a regulamentação deveria ser a melhoria do ambiente local de negócios, por meio da preservação da integridade do esporte e da proteção da economia popular".

Segundo Manoel, a legalização das apostas esportivas em 2018 já produziu benefícios para os sites de apostas e para clubes de futebol, que vêm sendo patrocinados pelos primeiros. Porém, sem a regulação, os apostadores - assim como outras pessoas e entidades - eventualmente prejudicados por má conduta de sites de apostas não podem acionar o Procon e não têm a quem reclamar.

E, prossegue o economista, problemas relacionados às apostas esportivas existem desde a sua época no governo, como sites atuantes no Brasil, mas instalados em paraísos fiscais.

E há muitos outros riscos. Sites piratas ou criminosos podem oferecer apostas em jogos e fraudar os consumidores. Podem também oferecer apostas de jogos que não existem. As apostas esportivas podem levar até mesmo a escândalos como o caso revelado recentemente da manipulação de resultados de três jogos da rodada final da Série B do Campeonato Brasileiro do ano passado.

Para Manoel, "com a regulamentação, aumenta-se a proteção ao consumidor e à integridade do esporte". Ele pensa que sites regulados informarão ao governo discrepâncias estatísticas suspeitas no desempenho de jogadores e clubes, por exemplo, como ocorre em outros países.

Já em relação às punições por irregularidades ou fraudes, como já mencionado, o economista considera muito mais prático que elas sejam introduzidas nos próprios contratos de concessão.

Manoel pensa, a partir da sua própria experiência no governo Temer, que jogar uma MP para regulamentar as apostas esportivas no Congresso Nacional é abrir uma caixa de pandora. É um assunto que mobiliza toda a sorte de interesses e pressões, e no qual é grande o risco de transformação em lei (após os quatro meses de vigência da MP) de algo muito diferente do que foi proposto.

Adicionalmente, há o projeto de lei de legalização geral dos jogos de azar no Brasil, já aprovado na Câmara e que está agora no Senado. O economista não descarta que o burburinho da tramitação de uma MP de regulamentação das apostas esportivas redesperte o tema de legalização do jogo no Congresso.

"E essas discussões certamente contaminariam o ambiente em que vai se dar o debate do arcabouço fiscal e da reforma tributária, desviando o foco e minando a energia do Ministério da Fazenda num momento decisivo", ele alerta.

Fonte: Broadcast