MAR 26 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 18:39hs.
Job Gomes, professor de Direito Desportivo

“Apostas esportivas exigem pacto por transparência e segurança jurídica”

As discussões em torno da regulamentação das apostas esportivas continuam tendo um apelo tributário, na avaliação de Job Gomes, professor de Direito Desportivo. Em entrevista ao jornalista Alexandre Carauta, publicada na VejaRio, Ele diz que “o governo Lula parece inclinado a regulamentar e a proposta ganha força”. Mas para ele, o marco regulatório “precisa vir acompanhado de avanços políticos, gerenciais e fiscalizadores”, além de “transparência e segurança jurídica”.

A corrupção espreita o futebol desde o primeiro apito. Ugo Giorgette a satiriza na primeira esquete de “Boleiros” (1998): um perna de pau atrapalha o plano do juiz interpretado por Otávio Augusto para forjar a vitória comprada. Hilário. A realidade configura-se menos caricata. Assim evidencia, por exemplo, a manipulação de três jogos da Série B investigada pelo Ministério Público de Goiás.

O caso reaquece o debate sobre a regularização da atividade no país. Deveria ter sido consumada até o fim do ano passado, conforme apontava a lei 13.756, de 2018, mas caducou diante de impasses políticos. O limbo regulatório enverniza o risco de golpes e uma evasão da grana movimentada pelas cerca de 500 operadoras da jogatina acessíveis aos brasileiros, porém não tributadas. O governo deixa de arrecadar até R$ 6 bilhões por ano, calcula a Fazenda.

A fraude recente soma-se a trambiques como o da Máfia da Loteria Esportiva, revelada pela revista Placar, em 1985; e da Máfia do Apito, adulteração de resultados orquestrada pelo árbitro Edilson Pereira no Brasileiro de 2005. Retratos de uma ameaça cuja extensão e cuja sofisticação avançam em compasso ao crescimento da trilionária indústria de apostas esportivas online. Só uma partida da nossa Série A move algo em torno R$ 100 milhões em apostas.

Ao corroerem a credibilidade do mérito esportivo, esses crimes ameaçam não só o mercado. Ameaçam o próprio futebol”, alerta o professor da PUC-Rio Job Gomes, coordenador da pós em Direito Desportivo. Num papo por telefone, ele sugere um pacto por transparência, segurança jurídica, fiscalização. É categórico: “Não basta regulamentar”.

A suposta manipulação de jogos da Série B, investigada desde fevereiro pelo Ministério Público, reforça a necessidade da regulamentação de apostas eletrônicas como um dos mecanismos para conter esses golpes?
Regulamentar as apostas esportivas online é um dos passos para reduzir o risco de fraudes, pois proporciona segurança jurídica. Mas não basta regulamentar. É necessário um pacto de transparência e fiscalização, com avanços políticos, gerenciais e tecnológicos.

O que mudaria com a regulamentação?
Haveria ganhos de segurança jurídica e arrecadação tributária. Haveria clareza sobre os tipos de apostas ou de jogos, sobre os agentes e processos da operação, sobre os direitos e deveres dos envolvidos, sobre os dados circulantes, sobre a tributação da atividade.

Se a regulamentação é assim tão importante, por que patina há pelo menos três anos no Congresso?
Sabemos que a questão é complexa. Envolve aspectos políticos, morais, econômicos. Ao permitir as apostas digitais, com a lei 13.756, de 2018, o governo Temer determinou que fossem regulamentadas até o fim do ano passado. Mas o governo Bolsonaro deixou o prazo caducar, provavelmente por aspectos morais, para não desagradar, em ano eleitoral, a correntes evangélicas contrárias em ano eleitoral. Agora o governo Lula parece inclinado a regulamentar, e a proposta ganha força. O apelo tributário é preponderante.

Como assim?
Sem regulamentação, o Brasil deixa de arrecadar até R$ 6 bilhões anuais. Só a estrutura e a licença para cada casa de aposta operar renderiam cerca de R$ 25 milhões aos cofres públicos. A regulamentação faz parte de uma inevitável adequação a essa indústria já consolidada, em crescimento, inclusive entre os brasileiros.

Pois é, mesmo ainda não regulamentadas por aqui, as apostas eletrônicas se expandem no país...
Exato, fatores como a nossa ligação visceral com o futebol e o uso intenso de celular tornam o Brasil um terreno fértil para esse negócio. O mercado brasileiro é explorado por mais de 400 operadoras de apostas digitais. Com a regulamentação, teriam sede no país. E os bilhões movimentados seriam tributados. Além do mais, a segurança jurídica e a transparência reduziriam o risco de fraude, o que ameaça não só o mercado de apostas, mas a relação com o futebol profissional, seu papel sociocultural e simbólico na sociedade moderna.

Em que modelo jurídico e gerencial devemos nos inspirar para que a regulamentação contenha efetivamente os golpes e concilie interesses econômicos, culturais, sociais em torno do futebol?
O modelo inglês me parece a melhor inspiração, por compatibilizar aspectos jurídicos, culturais, econômicos, associativos. Na Inglaterra, as apostas eletrônicas articulam-se perfeitamente à cultura do futebol, com o envolvimento harmônico de clubes, federações, legisladores, gestores, torcedores. Já em Portugal, por exemplo, a regulamentação não teve a mesma eficiência. Isso mostra que a regulamentação precisa ser bem estruturada, bem ajustada a questões socioculturais e políticas, e acompanhada de aperfeiçoamentos gerenciais, fiscalizadores, tecnológicos. Este pacto deve agregar desde parlamentares até organizações esportivas.

Alexandre Carauta
Professor da PUC-Rio, doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.

Fonte: VejaRi