A manipulação de resultados voltou a pintar nos noticiários brasileiros como o novo grande problema do nosso futebol. O escândalo recente na série B do Campeonato Brasileiro trouxe de volta para o holofote um problema que, na verdade, não é tão novo assim.
Os mais velhos irão se lembrar da Máfia do Apito e o conturbado Campeonato Brasileiro da Série A de 2005, que contou com uma série de jogos anulados, árbitros recebendo pagamentos para influenciar nos resultados da partida, envolvimento policial, desconfiança na integridade da partida e todos os outros problemas que um caso de falta de integridade no esporte gera.
Se formos olhar para fora do Brasil, sobram exemplos de casos similares do que é chamado lá fora de match fixing, seja de tempos recentes ou ainda de anos atrás, inclusive em outros esportes além do futebol.
Ou seja, diferentemente do que o nosso imaginário pode estar nos forçando a acreditar, os escândalos de manipulação de resultados não são um fenômeno recente e muito menos ocorrem por culpa das casas de aposta ou das bets, como esses empreendimentos estão sendo chamados por aqui.
Ao retornarmos nosso olhar para as fraudes de resultados esportivos, precisamos entender que casas de aposta são apenas vítimas desse tipo de crime, afinal são elas que irão realizar os pagamentos decorrentes de apostas em eventos esportivos fraudados. É delas que sai o lucro de apostadores que aliciam atletas, treinadores, árbitros e dirigentes em busca de fraudes em resultados esportivos que os favoreçam em suas apostas.
É essencial que o problema da manipulação de resultados seja tratado com seriedade e sem espetacularização. Precisamos nos afastar dos argumentos que apontam que esse é um novo problema “causado pelas bets” e olhar, pela primeira vez na história do nosso país, como um assunto que deve ser regulamentado e devidamente fiscalizado e punido, em especial na esfera esportiva, justamente para criarmos mecanismos eficazes de fiscalizar, julgar e cobrar todos aqueles que fujam das regras estabelecidas.
Mais do que multas e punições administrativas, nós precisamos olhar para a manipulação como o crime que realmente é, inclusive ostentando o forte status de ser o único crime de corrupção privada devidamente legislado em todo sistema legislativo brasileiro, conforme art. 41-C e 41-D do Estatuto do Torcedor.
Para além das punições previstas no Estatuto do Torcedor, também é preciso olhar pelo viés esportivo do problema, fortalecendo os Tribunais Esportivos para aplicar sanções esportivas relevantes aos clubes, atletas, dirigentes e todos aqueles que comprovadamente atuarem em prol de fraudes em resultados esportivos.
Pensando nas formas de combater o match-fixing (ou a fraude de resultados esportivos), proponho criarmos um paralelo entre esse crime e a prática de doping, assunto comum e rotineiro sempre que falamos de esportes, seja o futebol ou esportes olímpicos.
O doping, já há alguns anos, é encarado com muita seriedade por todos: sociedade, atletas, dirigentes, confederações, clubes e técnicos. As grandes punições impostas para atletas flagrados em casos de doping não são raras e, devido à grande seriedade pela qual o assunto é tratado pelas autoridades, criou um temor e um cuidado cada vez maior dos clubes e atletas.
Ou seja, o assunto é debatido dentro de clubes e federações, existem pessoas pensando em formas de mitigar os riscos relacionados à essa prática, temos o Código Brasileiro Antidopagem e o assunto é prioritário na pauta da integridade esportiva, tendo uma especial atenção de todo o movimento olímpico internacional.
Assim como o doping é um comportamento reprovado, seja pela sociedade como um todo ou pelo próprio meio do esporte, a manipulação de resultados precisa seguir um caminho semelhante, com os clubes e confederações atuando para combater, prevenir e punir esse problema através de programas de conscientização de atletas, contratos com cláusulas resolutórias para casos de manipulação e outras medidas que ajudem a afastar o esporte desse problema que desgasta a credibilidade das nossas competições.
Portanto, é fundamental termos consciência de que o Brasil tem hoje, através do Ministério da Fazenda em cooperação com todos os players do mercado, mais do que uma oportunidade única para regulamentar esse assunto de forma eficiente e sensata, mas a obrigação de trazer para luz um mercado que hoje é obrigado a viver na escuridão e insegurança da falta de regras.
Fernando Vasconcelos
Advogado do Rei do Pitaco
Fonte: Lei em Campo