JUE 19 DE SEPTIEMBRE DE 2024 - 13:51hs.
Fabiano Jantalia, advogado

“MP das apostas pode servir de massa crítica para aprovação dos demais jogos no Brasil”

Em entrevista ao GMB One-On-One, o advogado Fabiano Jantalia, sócio do escritório que leva seu nome, fala da importância da regulação das apostas esportivas e os benefícios da atividade. “O Brasil está maduro e o tema é urgente e relevante”. Sobre tributação, diz que “será um divisor de águas. Não podemos nos dar ao luxo de errar na mão e pensar no setor apenas como um arrecadador de tributos”. O advogado acredita que 10 a 20 empresas buscarão licenças num primeiro momento.


Games Magazine Brasil – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que a regulamentação das apostas esportivas chegará logo após a volta do presidente Lula de uma viagem à China. Acredita que finalmente teremos a tão esperada Medida Provisória para trazer segurança jurídica à atividade?
Fabiano Jantalia –
Acredito que sim. Em primeiro lugar, porque estamos com o debate bastante maduro pois já vimos discutindo isso ao longo dos últimos quatro anos. E a indústria se engajou neste movimento, com representantes dos principais players, sobretudo os de âmbito internacional. Com a mudança de governo, houve uma mudança no foco na questão dos jogos, agora muito mais pragmática.

O que vemos desde janeiro de 2023 é que o debate se colocou no centro da agenda regulatória e acho que temos boas chances de ter um instrumento. Originalmente, não seria necessário ter uma Medida Provisória para regulamentar a lei 13.756. Bastava uma Portaria do Ministério da Fazenda. Só que a escolha da MP é muito feliz porque o assunto é mais do que urgente. Temos uma indústria ávida por iniciar suas atividades e segundo porque a MP tem uma característica importante que é a exigência dos requisitos de “urgência” e “relevância”.

O que você espera do documento que será apresentado pelo Ministério da Fazenda?
Em primeiro lugar, espero que reflita todo o debate que vem sendo amadurecido nos últimos quatro anos. A indústria de apostas esportivas, no mundo, é marcada por muita complexidade técnica, assim como os jogos em geral. Então, não há muito espaço para inventar a roda. O que espero é que a MP beba da experiência internacional e colha os melhores modelos, analisando Portugal, França, Reino Unido e Estados Unidos. Assim, se conseguirmos juntar na Medida Provisória as boas práticas internacionais, o Brasil terá uma regulação 2.0 para as apostas esportivas e servirá de referência para o restante dos países.

A questão da tributação é sempre uma incógnita diante do apetite do governo quanto à arrecadação. Acredita que virá uma taxação adequada e que possa permitir que mais players se instalem no Brasil?
Vou começar pelo final de sua pergunta. A tributação será o grande divisor de águas da atratividade ou não do mercado de apostas. Não podemos nos dar ao luxo de errar na mão quanto à tributação e pensar no setor de jogos apenas como um arrecadador de tributos. O mercado de jogos e apostas precisa ser enxergado em termos do potencial de crescimento e desenvolvimento econômico que ele dará: geração de emprego e renda, novos contratos, novas empresas, mais patrocínios e mais eventos, que promoverão circulação de riqueza.

O que acho é que temos um modelo bem consolidado em outros países de como a tributação deve ser feita. Se adotarmos o modelo de tributação como uma renda comum idêntica àquela que declaramos ao Imposto de Renda, o tratamento fica complexo, não gerando resultados tão bons. Outro modelo é a tributação das apostas como um ganho de capital, em que fosse permitida a compensação não só de prêmios, mas também os valores que os apostadores perderam. Aí teríamos uma fórmula mais equilibrada. É importante que a voracidade arrecadatória não comprometa e não feche a grande janela de oportunidade política, econômica e financeira que temos nesse momento.

Fala-se também em proibir empresas que não estejam instaladas no Brasil de fazer publicidade e de patrocinar clubes. Como você avalia essa medida?
Acho positivo. A restrição à publicidade no direito brasileiro não é novidade. Temos restrições a uma série de publicidades ou regras em relação a cerveja e cigarro. Mas se pensarmos de forma holística, se o legislador brasileiro se propõe a abrir o mercado de jogos e apostas e a fazer um esforço para colocar muitos agentes no país, não podemos dar margem para que outros, que não recebam essa autorização, venham a competir até de maneira desleal. Essa medida é importante na medida em que coíbe a concorrência desleal e que maus agentes compitam em igualdade de condições com os bons agentes.

Mesmo diante da falta de dados mais concretos sobre o setor e ainda sem regulamentação, você consegue estimar quantas casas de apostas operam hoje no mercado brasileiro?
Esse número é muito variável, pois a rigor não temos nenhuma casa em operação no Brasil, já que as casas de apostas estão sediadas em jurisdições onde as apostas esportivas são permitidas e cujos sites podem ser acessados tanto por aqueles que estão no Brasil quanto por aqueles que estão em vários outros países. O que eu talvez ache que seja útil ponderar é que pelo menos uma a duas dezenas de casas de apostas esportivas teriam condições de se habilitar para o processo neste primeiro momento.

Você fala de 10 a 20 casas de apostas buscando suas licenças, mas hoje se fala em cerca de 500 casas operando de fora do Brasil. Reduziríamos de tal maneira o número de operadores para o mercado brasileiro?
Uma coisa é você oferecer um produto ou serviço na internet que não está sujeito a um regramento específico. Outra coisa é oferecer um produto que está sujeito a esse regramento e que tem exigências regulatórias estritas, como preço de licença e outras coisas. Eu considero [como] casa de apostas aquela estruturada e com uma trajetória consolidada e um programa de compliance e não qualquer site que simplesmente receba apostas. Pela minha experiência profissional em novos mercados – pela minha formação, oriundo do Banco Central – acompanhei a implementação de fintechs e IPs, por exemplo. E a tendência é todos correrem em busca de licença. Só que o regulador começa a dar o tom e estabelecer uma série de exigências...

Então, imagino que nosso sarrafo será um pouco mais alto do que a média de outros mercados em termos de exigências regulatórias. Vamos ter uma explosão e grande expectativa, mas na hora que todos se sentarem para ler os manuais e ver os requisitos a serem seguidos, teremos o primeiro filtro. Teremos as primeiras ações de fiscalização do regulador, que ainda não sabemos quem será, e esse será o segundo momento de depuração.

É possível estimar quanto as casas de apostas movimentam hoje no Brasil?
Como advogado, tenho conversado bastante com agentes do mercado e em fóruns de discussões. Baseado naquilo que vemos, brinco que é de R$ 2 a 20 bilhões, mas acho que um percentual na faixa de R$ 8 a 10 bilhões para um ponto de partida é um número razoável. Os números variam muito de acordo com os critérios utilizados. Nos baseamos em informações que são muitas vezes compartilhadas de forma sigilosa. Tentamos reunir esses números e acho que estão entre R$ 8 e 10 bilhões em volume de apostas.

Um dos aspectos que mais me preocupa diz respeito à estrutura institucional de fiscalização. Qual será o órgão, entidade ou secretaria? Tenho uma expectativa de que o governo aproveite para criar uma autoridade ou agência nacional de jogos e apostas. Não é possível conduzir uma regulação minimamente consistente com um órgão meramente desconcentrado. Se o tema é importante, me parece plenamente justificável que se pense nessa possibilidade.

A proposta é de um custo da ordem de R$ 30 milhões para as licenças. Como você avalia esse número e de onde o governo pode ter tirado esse valor?
Esses dados são levantamentos que encontramos, mas não tenho conhecimento da fonte desse número. Da cartola não foi, mas vou te dar alguns parâmetros que me levam a crer que esse número, se não é o adequado, está muito próximo disso. Para um banco comercial, é necessário um patrimônio mínimo de R$ 18 a 20 milhões e para uma corretora ou uma fintech, é um pouco menos. Tradicionalmente, os requisitos para entrada na indústria de jogos costumam ser paritários. Normalmente, a indústria de jogos tem exigências e requerimentos de capital um pouco maiores do que aqueles apresentados para bancos de pequeno porte.

A indústria de apostas é fortemente regulada e precisa de uma estrutura minimamente organizada para sua exploração e tem custos de observância muito altos. Então acho esse número razoável para colocar a indústria para rodar, fazê-la amadurecer e aí avaliar se o número é alto ou baixo. Talvez [se fosse] um pouco menor não prejudicasse. Entre R$ 20 e 30 milhões acho um número razoável e mais do que isso não seria interessante por dar um corte muito grande e oligopolizar o setor, que na verdade precisa de concorrência.

Um aspecto que vem levantando muitas discussões é quanto à integridade no esporte. Tanto é assim que três entidades foram criadas para tratar do tema e do jogo responsável. Qual é sua impressão sobre esses movimentos? Pretende ingressar em alguma delas?
O movimento de jogo responsável compreende um conjunto de práticas e políticas voltadas a evitar que o jogador seja colocado em uma situação hipossuficiente e que seja induzido ao vício, enganado ou que de alguma forma seja explorado por práticas ilícitas. O movimento de jogo responsável é uma realidade na indústria mundial e acho que chega ao Brasil muito forte e com o compromisso dos players, que preveem autocontenção e autoexclusão, por exemplo.

Uma das coisas que o programa de jogo responsável busca é evitar a exploração do jogador e uma das formas para isso é alguém manipular resultados de competições esportivas. Uma das coisas que podemos conceber na MP ou até mesmo dos próprios players no movimento de autorregulação, é a exclusão de apostas com clubes que tenham histórico de manipulação ou que tenham sido investigados ou que não tenham mesmo uma reputação ilibada.

Vejo esse movimento de criação das três entidades como algo muito produtivo e que mostra o engajamento do setor em “chegar chegando” e fazendo um movimento de fincar a marca da moralidade e mostrar que vieram para fazer a coisa correta. Em relação às três entidades, é um movimento recente, mas temos todo o interesse de participar dos fóruns possíveis de discussão desses assuntos e nos sentimos estimulados a contribuir com elas de alguma maneira para o debate.

Quanto ao debate sobre a regulamentação, você acredita que ela deve contemplar cláusulas com orientações e determinações em busca da integridade esportiva e jogo responsável?
Sim. Acho que já passamos do nível da discussão. Não é mais regulamentação das apostas. Regulamentar e desdobrar em minúcias procedimentais ou conceituais alguma coisa cujo standard jurídico já está previsto em uma lei geral. Não temos esse standard. A única coisa que temos na Lei 13.756 é o conceito das apostas de quota fixa. O governo atual está sendo muito feliz no caminho que escolheu ao optar pela MP, pois já passamos do nível da regulamentação e estamos no da regulação. Iremos fixar os standards jurídicos que vão orientar a atuação do órgão que cuidará do setor. Temos alguns pilares a serem observados.

O primeiro é o institucional. Considero absolutamente essencial que haja uma estruturação de um órgão que tenha capacidade de fiscalizar. Não adianta abrir o setor para 30, 40 empresas, ou centenas de operadores, e colocar meia secretaria para cuidar disso. Não vai funcionar.

O segundo diz respeito a práticas corporativas. A MP precisa ter requisitos de governança corporativa. E é preciso estabelecer requisitos técnicos para essa atuação. Não sou favorável a que estejam na Medida Provisória, mas defendo a autorregulação do setor, que funciona muito bem em vários países, como no Reino Unido com a Gambling Commission.

Além disso é fundamental que tenhamos um conjunto de regras relacionadas às práticas operacionais, como jogo responsável, prevenção à lavagem de dinheiro e compromissos de integridade.

Saindo a regulamentação das apostas esportivas, ela poderá facilitar a tramitação do marco regulatório dos jogos no Brasil, que está engavetado no Senado?
Acredito que sim. O PL 442/91 tramitou por 21 anos na Câmara dos Deputados pois a principal luta foi contra o preconceito. E, mais ainda, desconhecimento de todo o conjunto de medidas e soluções que esta indústria tão grande no mundo todo concebeu para atacar os seus principais males e problemas, como, ludopatia e a integridade. Essa caminhada até agora do processo de regulamentação e a que vai se estabelecer durante a tramitação da MP vão trazer muita massa crítica e conhecimento, desmistificando preconceitos, criando uma visão mais clara sobre as potencialidades e benefícios que esta indústria pode trazer para a economia brasileira e principalmente para os jogadores, que se verão protegidos do ponto de vista jurídico.


Fonte: Exclusivo GMB