MAR 26 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 17:29hs.
Artigo do Corrêa da Veiga Advogados

Falando verdades sobre a manipulação de resultados no esporte

A manipulação de resultados no esporte tem ganhado destaque na mídia e as casas de apostas acabam sendo citadas a cada denúncia. Elas são as maiores vítimas da prática de match fixing e para falar sobre isso, os advogados Luciano Andrade Pinheiro e Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga assinam artigo exclusivo para o GMB. Para eles, o combate passa por fiscalização, monitoramento, educação dos apostadores e conscientização de atletas.

Eu desafio o leitor desse texto a encontrar uma só notícia de jornal ou processo judicial que envolva manipulação de resultado (match fixing) em que o operador ou casa de aposta seja o criminoso. Faça esse exercício e vai se surpreender. Não há.

A razão é muito simples, obvia até, mas as discussões sobre a aposta e regulamentação sempre abordam o assunto da manipulação como se essa prática odiosa fosse engendrada pelas casas de aposta, quando na realidade eles são as principais vítimas.

É preciso entender o mecanismo da aposta para perceber quem é o criminoso e quem é a vítima. Essas linhas são para clarear um pouco as coisas.

A aposta esportiva funciona assim: em uma determinada disputa de esporte, a casa estuda as estatísticas de confronto entre os adversários, escalação dos atletas, lugar de disputa e um gama de variáveis que pode interferir, dentro da normalidade, no resultado da partida. Feito isso, a casa oferece ao apostador um número chamado odd. Esse número é a taxa de retorno que o apostador terá ao investir seu dinheiro. O sistema de odds mais usado no brasil (há outros) é o decimal. Feitos os estudos pela casa de aposta, ela apresenta para o apostador, por exemplo, o número 1,9 na vitória do time “A” na disputa contra o time “B”, ou seja, para cada real investido, o apostador terá um retorno de R$1,90 (R$ 1 investido mais R$ 0,90) caso o time “A” sagre-se vencedor.

A manipulação de resultado entra justamente para distorcer essas odds. O apostador oferece vantagem financeira para o time “B” facilitar a derrota e aposta na vitória do time “A”. É assim que funciona.

 As casas de apostas oferecem milhares (sem exagero) de linhas de apostas todos os dias, nos mais variados esportes. Manipular o resultado seria uma tarefa financeiramente até estúpida, porque acabaria com a credibilidade da casa, jogaria por terra todo o investimento feito no estudo para definir as odds, além de ter que envolver uma infinidade de pessoas que traria um risco ilógico para um negócio que é bastante lucrativo.

A propósito, é preciso dizer que as margens de lucro diminuem bastante nas casas, porque são obrigadas a investir verdadeiras fortunas para prevenir que sejam lesadas com a manipulação de resultados, contratando empresas gigantes do setor, que são especializadas em monitorar todas as apostas feitas para identificar distorções.

O apostador trapaceiro, ao contrário, tem muito pouco a perder caso seja descoberto. Em um país conhecido por sua impunidade, um crime dessa natureza, além de penas brandas é de difícil investigação.

O combate à manipulação não passa por acabar com a aposta esportiva. O caminho é difícil, mas não é esse.  O primeiro passo é a fiscalização e o monitoramento, que já é feito pelas principais casas de apostas e em algumas federações esportivas. Concomitantemente, é preciso educar apostadores, porque aprendem a não entrar nesse caminho e a identificar uma partida suspeita. Conscientizar sobretudo atletas, porque eles são os assediados pelos criminosos. Para as autoridades públicas de fiscalização e policiamento, é preciso treiná-los para agir com inteligência para prevenir o ato criminoso. Por último, mas não menos importante, punir exemplarmente os ofensores.

O governo federal está anunciando que brevemente regulará a atividade de apostas esportivas que já funciona no Brasil, de certa forma clandestina em um espectro de legalidade que no mercado costumou-se adjetivar de zona cinzenta. Por enquanto só se fala em tributo e como o governo vai arrecadar com a atividade. É preciso mais, muito mais.

O jogo de uma forma geral foi proibido no Brasil por questões eminentemente morais, há quase oitenta anos. Os tempos são outros, mas se não houver ação efetiva contra esse crime que ronda a aposta esportiva, o discurso antiquado vai ganhar força e voltaremos a uma realidade de proibição, em vilipêndio às liberdades individuais e em detrimento a essa atividade traz benefícios ao esporte e ao país.

Luciano Andrade Pinheiro
Mestre em propriedade intelectual e transferência de tecnologia pela UNB; presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/ DF; advogado sócio do Corrêa da Veiga Advogados.

Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga
Mestre e Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL); presidente da Comissão de Direito Desportivo do IAB; professor do Master Diritto e Sport da Universidade Sapienza de Roma; membro fundador da Academia Nacional de Direito Desportivo; advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil e na Ordem dos Advogados Portugueses; ex-diretor jurídico do Club de Regatas Vasco da Gama; autor de 8 livros; sócio do Corrêa da Veiga Advogados.