Interessada em aumentar sua participação sobre o dinheiro das apostas, a CBF apresentou demanda ao Ministério da Fazenda por mudanças na lei que regulamentará o setor. Em paralelo, a confederação tem feito reuniões com clubes, na tentativa de alinhar a distribuição dessas verbas.
Hoje, de acordo com o texto da Lei 13.756/18, entidades desportivas brasileiras que cederem suas marcas para casas de apostas terão direito a 1,63% da receita líquida obtida por loterias de apostas. A intenção da CBF é substituir esse percentual por outro, de 4% sobre a receita bruta.
A confederação também sugere que o governo reconheça que o repasse financeiro seria remuneração pelo uso das marcas de clubes e campeonatos. Caso o dinheiro seja carimbado assim, e não como público, a entidade se verá livre da fiscalização por parte de órgãos públicos.
Além disso, a CBF defende a criação de cadastro dos operadores de casas de apostas, cujo controle ficaria com a própria confederação. Ela justifica que o cadastro serviria para fiscalizar a cessão dos direitos comerciais, controlar os repasses e criar mecanismos contra a manipulação de resultados. Casas de apostas ainda precisarão da outorga do governo.
Como anda a negociação
As demandas foram levadas ao Executivo por Alcino Rocha, anunciado pela CBF, em janeiro deste ano, como seu secretário-geral. Ele apresentou os pedidos ao Ministério da Fazenda, por meio da Secretaria de Reformas Econômicas, que por sua vez consultou a Receita Federal.
A tentativa não foi bem recebida nem pelo ministério, nem pelo órgão fiscalizador, então a confederação tenta marcar reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Fernando Haddad.
A agenda se tornou empecilho. Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, viajará à Europa para contratar o técnico da seleção brasileira. Na data de seu retorno, Lula e Haddad estarão em viagem à China. Neste caso, deve haver reunião com o segundo nome na hierarquia da Fazenda, o secretário-executivo Gabriel Galípolo, e com o secretário Marcos Pinto.
Procurada pelo ge, a CBF informou em nota que o documento entregue ao Ministério da Fazenda com as reivindicações "ainda é preliminar".
“A CBF esclarece que ainda não vai comentar sobre o assunto. O documento em questão, enviado a pedido do Ministério da Fazenda, ainda é preliminar. É uma questão complexa e sem precedentes. Por isso, será objeto de apreciação por todas as partes envolvidas”, escreveu.
Alinhamento com clubes
Em paralelo à negociação com o Ministério da Fazenda, a CBF tenta alinhar o discurso com dirigentes de clubes. Houve reunião por videoconferência na quarta-feira da semana passada. Participaram dela Alcino Rocha, secretário-geral da entidade, e representantes dos clubes.
Na reunião, a confederação apresentou sua proposta para a divisão do dinheiro oriundo das apostas. A partir do que for arrecadado, a CBF propõe repassar 80% para os clubes e manter 20% consigo mesma.
A justificativa é de que, enquanto os clubes cedem as suas marcas, a confederação cede os direitos das competições, como a Copa do Brasil.
Clubes cariocas e paulistas fizeram o primeiro movimento na tarde desta segunda-feira. Em nota conjunta, eles exigem participar do debate sobre a regulamentação das apostas. Assinam o texto Botafogo, Corinthians, Flamengo, Fluminense, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco.
De acordo com dirigentes ouvidos pelo ge, hoje não existe nos bastidores nem alinhamento, nem divergência entre clubes e confederação. Dirigentes apenas reconheceram que precisam participar diretamente da negociação, e não por meio da CBF.
Entenda o fluxo do dinheiro
Casas de apostas de cota fixa foram autorizadas a operar no Brasil em 2018, após a sanção do então presidente Michel Temer da Lei 13.756. Passados quase cinco anos, a legislação ainda não foi regulamentada, ou seja, não foram formuladas regras para seu funcionamento.
O assunto voltou à pauta com a eleição de Lula e a nomeação de Haddad para o Ministério da Fazenda. Haddad vem sendo pressionado para reduzir o rombo nas contas públicas e colocou a regulamentação das apostas como prioridade, pois haverá tributação sobre os jogos. O ministro prevê arrecadar até R$ 15 bilhões em novos impostos.
Da maneira como a lei está redigida hoje, em primeiro lugar, abatem-se da receita bruta o pagamento dos prêmios aos apostadores, a contribuição para a seguridade social e o Imposto de Renda que incide sobre a premiação. Sobre o restante, a receita líquida, aplica-se a divisão:
Ao demandar 4% sobre a receita bruta, em vez de 1,63% da líquida, a CBF aumentaria significativamente o valor repassado para si e para os clubes.
Uma vez que o dinheiro é finito, a consequência prática seria a redução das quantias dedicadas a outras finalidades, seja para o governo ou para as casas de apostas.
As empresas do ramo seriam prejudicadas pela mudança no cálculo, segundo o advogado Luiz Felipe Maia, do escritório Maia e Yoshiyasu Advogados, que atende companhias de apostas.
“Esse tipo de proposta demonstra desconhecimento sobre como é a operação da aposta esportiva. A margem de lucro do operador, que é variável, normalmente fica próxima de 5% do valor arrecadado. Se a CBF conseguir 4% da receita, a empresa acabará tendo prejuízo”, diz o advogado.
A posição da CBF
Nota enviada à reportagem na íntegra:
"A CBF esclarece que ainda não vai comentar sobre o assunto. O documento em questão, enviado a pedido do Ministério da Fazenda, ainda é preliminar. É uma questão complexa e sem precedentes. Por isso, será objeto de apreciação por todas as partes envolvidas.
Como parte desse processo, os representantes de clubes das séries A e B, inclusive, estiveram reunidos com a CBF na semana passada para discussões sobre o tema. Todos os clubes presentes foram informados de que o documento apresentado não era um texto definitivo, apenas um ponto de partida.
Faremos o mesmo com os representantes das séries C e D e do futebol feminino. Na minha gestão à frente da CBF, o diálogo aberto e democrático sempre será respeitado. Nosso compromisso é ouvir e dar voz a todos. Inegavelmente, a receita das apostas é mais uma fonte de renda para os clubes. Mas é preciso entender, discutir e chegar a um consenso".
Somente depois de amplo debate, a pauta de uma medida provisória será encaminhada ao Governo Federal."
Fonte: ge