MAR 26 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 13:34hs.
Massimiliano Montanari, CEO do Centro Internacional da Segurança Esportiva

Para o ICSS, agora existe vontade de reconhecer o problema da manipulação no Brasil e acabar com ele

Em entrevista ao GLOBO, o italiano Massimiliano Montanari, CEO do Centro Internacional da Segurança Esportiva (ICSS, na sigla em inglês), organização internacional que desenvolve medidas para manter o esporte limpo, se coloca à disposição do futebol brasileiro para ajudar a implementar políticas de governança que ajudem a combater a manipulação de jogos no país.

Com bons resultados em países europeus, ele ressalta que o caso do Brasil segue o padrão internacional e só um protocolo nacional é capaz de estrangular as quadrilhas. Na semana passada, a CBF pediu ao governo federal que o órgão preste consultoria, via Nações Unidas, na solução do problema que estourou este ano após investigações do Ministério Público de Goiás e pôs em xeque a integridade do esporte no Brasil.

Quais as medidas comprovadamente eficazes no combate à manipulação de partidas de futebol nas apostas esportivas?
A manipulação de partidas de futebol, também chamada de resultados viciados, é uma das doenças mais graves que afetam o esporte em todas as latitudes e, como qualquer outra doença, como qualquer pandemia, precisa ser enfrentada por meio de abordagens globais e implementação de políticas e medidas nacionais sólidas.

É imperativo ter capacidades para detectar, investigar e, mais importante, prevenir casos de manipulações, promovendo boa governança, conscientização e educação baseada em valores. As medidas mais eficazes para combater isso são as desenvolvidas pela Convenção Macolin do Conselho da Europa (contra a manipulação de competições desportivas) de 2014, instrumento aplicável a nível internacional.

A criação de Unidades de Integridade Desportiva (clubes), de uma Plataforma Nacional (Estado, reguladores, operadores de apostas e organizações desportivas), a par da regulamentação das apostas online, da criminalização dos resultados viciados e dos programas de formação e educação, constituem elementos críticos de combate à integridade das competições.

Quais países conseguiram conter a manipulação de jogos? O que eles fizeram?
Espanha, Austrália e Reino Unido têm sido bons exemplos na adoção consistente de políticas passo a passo – em uma mistura de medidas preventivas e repressivas. Também temos exemplos de investigações complexas gerenciadas com sucesso em países como Itália e Alemanha e, mais recentemente, na África do Sul. Outras jurisdições estão abordando o fenômeno por meio da criação de suas plataformas nacionais.

Há alguma particularidade no caso do futebol brasileiro? Ou segue o padrão?
Os incidentes ocorridos no Brasil seguem o padrão comum de infiltração criminosa em todo o mundo. Se agora estamos falando de combate à manipulação de jogos no Brasil não é porque o país está mais afetado do que outros, mas porque agora existe uma grande vontade de reconhecer o problema e acabar com ele.

No Brasil, como em qualquer país do mundo, é fundamental promover a cooperação multissetorial e trabalhar em todos os níveis, desde legisladores e autoridades governamentais e esportivas até a base. O ICSS já manifestou sua disposição de trabalhar tanto com a CBF quanto com o poder público para apoiar seus esforços por meio da prestação de assistência técnica e educação avançada certificada em conjunto com a ONU.

Existe alguma maneira de garantir um jogo justo em campo se o esquema de manipulação estiver em vigor? Por exemplo, o árbitro tem mecanismos para identificar um jogador que está envolvido em um esquema de manipulação e agir imediatamente durante a partida?
Os árbitros podem ser informados e preparados para observar possíveis comportamentos inusitados ou suspeitos durante uma partida, mas não podemos esperar que um árbitro entenda e decida em tempo real sobre casos de alto grau de complexidade. Neste momento, é praticamente impossível esperar que um árbitro distinga claramente uma manipulação (de um resultado ou de um incidente durante o jogo), embora, caso detecte um comportamento anormal de um jogador, isso deva ser levado aos organizadores do esporte e às autoridades de fiscalização.

Quão necessária é a regulamentação do setor de apostas esportivas?
À luz do mais avançado instrumento legal mundial (Convenção Macolin), a regulamentação das apostas esportivas online é um passo primordial para uma luta consistente contra a manipulação das apostas esportivas em qualquer jurisdição. É possível detectar padrões irregulares, suspeitos ou ilegais nas apostas esportivas num determinado jogo, podendo as apostas serem suspensas ou proibidas. No entanto, deve-se entender que a natureza dos crimes associados é ocultar e ocultar, tornando a detecção uma tarefa difícil, mas crítica.

Seria eficaz delimitar os tipos de apostas oferecidas pelos sites de apostas esportivas? Por exemplo, proibir apostas em cartões amarelos recebidos por um determinado jogador em partidas de futebol de elite.
Manipular uma partida obtendo um cartão amarelo em algum momento durante o jogo é certamente um dos modus operandi mais descontrolados. Funciona muito bem porque o jogador não tem a sensação de estar traindo o time. É possível definir limitações no tipo de apostas aceitas em cada jurisdição e/ou determinada competição. No entanto, deve-se ter em mente que este é o caso de apostas esportivas legais e regulamentadas (operadores licenciados) apenas. Enquanto o maior percentual de apostas esportivas no mundo ainda é ilegal e não regulamentado.

Quais as melhores políticas para impedir que jogadores não sejam cooptados pelo esquema?
Precisamos trabalhar a prevenção, informar os jogadores de todas as idades. Eles precisam entender a gravidade e os riscos associados à manipulação de resultados, sua dimensão criminosa. Existe um entendimento consensual de que treinamento, educação e capacitação são essenciais para convencer os atletas a reconhecer, rejeitar e relatar (os 3 R's).

Só chamando a atenção dos atletas para as consequências devastadoras para as suas carreiras (econômicas, de reputação e familiares) ao aceitarem manipular ou manipular uma competição desportiva é que este fenômeno pode ser combatido. Os atletas devem receber ferramentas para relatar, compartilhar preocupações, se necessário também por meio de denúncias ou a criação de linhas diretas. Ao mesmo tempo, precisamos garantir que os jogadores que decidem cooperar recebam proteção, se necessário, e que continuem suas carreiras normalmente.

Um protocolo único envolvendo os principais atores do mercado de apostas poderia agilizar as medidas e barrar os esquemas de manipulação? Por exemplo, os mecanismos de integridade do site de apostas identificam algo suspeito em uma aposta. Isso é repassado automaticamente para a federação responsável pelo jogo e a arbitragem atua para garantir que isso não ocorra durante a partida.
Esta é substancialmente a descrição do que uma Plataforma Nacional, ao abrigo da Convenção de Macolin, é capaz de fazer: reunir os principais envolvidos para prevenir, detectar e sancionar, através da criação de sistemas de monitorização, troca de informação e permitir mecanismos de bloqueio.

Fonte: O Globo