A Medida Provisória das Apostas Esportivas, ainda que sequer tenha avançado no Congresso Nacional, provoca o mercado com perspectiva de se conceber regulamentação sólida e garantir aos stakeholders segurança jurídica.
Pode-se afirmar, em linhas gerais, que o texto apresentado pelo Governo Federal tem muitos pontos positivos, embora residam resistência nalguns aspectos. Naturalmente sequer está garantido a sua manutenção enquanto medida provisória – o que garantiria eficácia imediata e a obrigação do parlamento apreciá-la em até 120 dias - e sim como um projeto de lei; todavia, a sua existência formal trouxe alento e esperança de estancar dilemas e problemas perceptíveis já a olho nu.
Dentre muitos aspectos, abordarei aqui somente dois deles, que se colhem do que rezam as proposições de inovação e alteração, respectivamente, dos artigos 33-C e 35 da Lei 13.756/2018, da Minuta de Proposta de Medida Provisória.
O compliance passa a ser realidade no mercado das apostas esportivas. Não se admitirá a sua regulamentação sem que amplie o controle sobre transações, o monitoramento das apostas realizadas e a identificação de apostadores.
Os recentes episódios envolvendo a manipulação de diversas partidas de futebol das Séries A e B do Campeonato Brasileiro (Operação Penalidade Máxima) revelam quão frágil é a proteção da integridade da modalidade quando não se tem meios de controle efetivos. Evidente que apenas as punições esportivas e proibições normativas em regulamentos e normativas das entidades de administração do esporte são insuficientes para conter uma desenvolta e desafiadora criminalidade.
Não sem razão o legislador orienta a futura lei a exigir dos players a submissão a regras de maior controle e a criação de ambiente mais seguro por meio do compliance. Obviamente que a lei não pretendeu, nem poderá fazê-lo, restando ao Ministério da Fazenda, posteriormente, encaminhar decreto que regule com mais detalhes exigências claras e objetivas.
Por certo, paira o temor de se construir aqueles programas de compliance “para inglês ver”, que não passam de meras fachadas para se cumprir determinações legais. No entanto, o grau de seriedade poderá ser determinado pela agência reguladora que nascerá.
Observe-se que o artigo 33-C, no seu § 1º, vincula o comando jurídico disposto a outras pessoas jurídicas além das casas de apostas esportivas. Determinou-se que as competições que forem objeto das apostas devem contemplar sistema de monitoramento por parte dos operadores.
No entanto, convém se indagar: será que funcionará somente com um dos atores se responsabilizando?
Evidente que não. É nesse instante em que aqueloutros do mundo desportivo (clubes, federações e atletas) terão suas responsabilidades destacadas. Portanto, o controle de atividades não será restrito apenas aos operadores, e sim estender-se-á a todos que de alguma maneira sofram influência das apostas esportivas.
Nesse diapasão, tem-se como fértil o terreno para que institua verdadeiro sistema de compliance e boa governança por partes de federações e clubes; e submissão dos atletas ao controle mais severos.
A mudança proposta para o artigo 35 amplia mais o seu espectro demandando que o mercado se submeta a normas de combate à lavagem de dinheiro e outras infrações penais de maior gravidade. Imputa-se cumprimento de deveres de identificação de clientes, manutenção de registros e comunicação de operação de valores (ver artigos 10 e 11 da Lei de Lavagem de Dinheiro).
Nota-se que este enunciado antecipa futura modificação na Lei n° 9.613/98, para que se incluam entre as pessoas submetidas ao mecanismo de controle (artigo 9°) operadores e apostadores. Soa estranho tal obrigação sem que estes integram o rol dos obrigados a cumprir as estritas regras de controle, inclusive sob pena de ver-se réu em ação penal por omissão no cumprimento de dever legal.
Além disso, será que apenas operadores e apostadores estarão no rol dos que podem “lavar dinheiro” por meio de apostas esportivas?
Obviamente, muito poderá mudar, ao invés de medida provisória, converte-se em projeto de lei, com ou sem urgência; porém, a busca por segurança jurídica e integridade já encontrou morada perene, seja por parte dos operadores, seja pelo Estado, assim como por todos que gravitam ao derredor deste mercado.
O caminho é sem volta. Agora é seguir sem olhar para trás.
Milton Jordão
Advogado. Sócio da Jordão & Possídio Sociedade de Advogados. Mestre em Políticas Sociais e Cidadania pela UCSAL. Mestrando em Direito Desportivo pela Universidade de Lleida (Espanha). Vice-presidente da Comissão Especial de Direito dos Jogos Esportivo, Lotéricos e Entretenimento da OAB Nacional. Presidente do Instituto de Direito Desportivo da Bahia (IDDBA). Membro do Conselho Deliberativo do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). Membro do Instituto de Advogados Brasileiros (IAB). Presidente do STJD do Judô. Ex-Procurador do STJD do Futebol. Autor de artigos e obras jurídicas sobre Direito Desportivo.