O futebol brasileiro vive o maior escândalo de sua história com a revelação de um esquema de manipulação de faltas e cartões nas partidas, com fins de afetar os resultados de apostas esportivas.
Esse caso é apenas a ponta do iceberg de um problema que afeta não só a credibilidade e a integridade do futebol, mas todo o setor de apostas.
Do bolão da Copa ao bingo dos idosos, as apostas fazem parte do cotidiano de milhões de brasileiros. Mas o que leva as pessoas a apostar? Numa perspectiva financeira, apostas não costumam valer a pena: afinal, o retorno depende da probabilidade de ocorrência de um evento e do retorno esperado em caso de acerto. Por exemplo, no caso da Mega Sena, a chance de acertar os números é tão baixa que mesmo multiplicando essa probabilidade pelos milhões de reais do maior prêmio não compensa investir os R$ 5 no bilhete. O mesmo acontece para a maioria dos tipos de apostas.
Há outro elemento: uma aposta costuma ser uma forma de entretenimento ou um bem de consumo que proporciona satisfação. O apostador não se baseia apenas na probabilidade e no retorno esperado, mas também em outros fatores, como a emoção, a diversão, o desafio, a influência social ou o hábito.
No caso dos esportes, a aposta muitas vezes é uma atividade complementar a assistir aos jogos: os torcedores tentam prever o vencedor, número de pontos, a quantidade de penalidades como forma de mostrar seu conhecimento do esporte e quem sabe ganhar algum dinheiro com isso.
Apesar de ser uma atividade banal, dentre os 193 países da ONU, o Brasil faz parte do grupo minoritário de 37 países que proíbem ou ainda não criaram regras regulamentando o setor de apostas como uma atividade econômica. Sozinha, a regulação não irá coibir as fraudes ou os crimes no setor. Ao mesmo tempo, sem regras claras definindo as responsabilidades das operadoras de apostas fica inviável a adoção de medidas de governança e compliance.
A regulamentação dos jogos de azar no Brasil está há décadas parada no Congresso Nacional. O projeto de lei mais antigo sobre o tema, o PL 442/1991, foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 2022, mas ficou travado no Senado. Já o PL 186/2014 também parado no Senado desde 2015, busca autorizar e regulamentar jogos de cassino, bingo, jogo do bicho, apostas online e apostas em corridas de cavalos.
Apesar da preocupação legítima dos críticos da regulação com riscos como vício, lavagem de dinheiro e corrupção, o caso das fraudes no futebol escancara como a proibição total não é eficaz em coibir esses problemas.
Os pesquisadores David Forrest e Levi Perez sugerem que há pelo menos cinco princípios para a regulação das apostas esportivas.
O primeiro princípio sugere a utilização de evidências e boas práticas de outros países, considerando as características únicas de cada mercado. Ou seja, o primeiro passo é estabelecer um marco regulatório que seja eficaz e adaptado ao contexto específico. O segundo enfatiza a promoção da transparência e concorrência na indústria de apostas para evitar monopólios ou oligopólios que possam manipular resultados ou lavar dinheiro, fornecendo informações claras e confiáveis aos consumidores.
Além disso, os autores propõem sistemas de licenciamento e fiscalização dos operadores de apostas, que exijam requisitos técnicos, financeiros, legais e éticos. Assim como mecanismos como limites de apostas, programas de prevenção e tratamento do vício em jogos de azar e códigos de conduta para evitar conflitos de interesse ou corrupção.
Apontam também para a necessidade de cooperação entre as autoridades reguladoras, operadores de apostas, organizações esportivas e agências de combate à corrupção e lavagem de dinheiro, por meio de canais de comunicação e troca de informações para prevenção e punição de crimes.
Por fim, a educação e conscientização também são fundamentais para alertar sobre os riscos e consequências das apostas ilegais e manipulações de resultados, além de incentivar uma cultura de integridade e responsabilidade no esporte.
Fica claro que a crise de manipulação no futebol brasileiro é um reflexo de um problema maior no setor de apostas.
Apesar de ser uma atividade popular e comum, o mercado de apostas carece de regulamentação e governança eficaz para garantir a integridade e transparência. As consequências da falta de regulação são significativas para o esporte, as empresas envolvidas nesse mercado e a sociedade como um todo.
Apostar é uma forma de entretenimento que não deve ser tratada com moralismo, mas com responsabilidade. Se a regulamentação não avançar no Congresso, coibir fraudes, lavagem de dinheiro e outros crimes será uma tarefa cada vez mais difícil.
Deborah Bizarria
Economista pela UFPE, estudou economia comportamental na Warwick University (Reino Unido); evangélica e coordenadora de Políticas Públicas do Livres
Fonte: Folha