O escândalo da manipulação de resultados no futebol demonstra a urgência de regular e fiscalizar sites e casas de apostas. A CPI das Apostas no Congresso promete trazer propostas para isso. A intenção do governo, já expressa, é criar uma secretaria no Ministério da Fazenda para certificar esses ambientes, além de acompanhar o volume de dinheiro movimentado e a arrecadação de impostos. Mas é duvidoso que essa seja a melhor estratégia para o país.
Permitidas a partir de 2018, as apostas movimentam, pelas estimativas do próprio governo, entre R$ 120 bilhões e R$ 150 bilhões (para ter uma base de comparação, as loterias da Caixa Econômica faturaram R$ 23 bilhões em 2022). De acordo com algumas estimativas, já operam algo como mil sites para apostar em partidas de futebol, cujos servidores e sedes ficam longe do alcance da Receita Federal. Não é à toa que o governo esteja de olho na dinheirama que passa ao largo de qualquer fiscalização.
Mas a visão meramente fiscalista da regulamentação das apostas on-line seria um erro. Criar um apêndice da Receita Federal no Ministério da Fazenda não basta para dar conta do desafio regulatório. A pasta é historicamente voltada para garantir a arrecadação e formular políticas econômicas. Não tem a cultura adequada para abrigar em sua estrutura um órgão destinado a lidar não apenas com as máfias tentando burlar regras para ganhar dinheiro fácil, mas com um universo que mistura saúde, tecnologia digital e esportes.
O governo poderá até ficar satisfeito com a receita tributária dos jogos, e mesmo assim o futebol brasileiro continuar a perder credibilidade. Qualquer lance duvidoso alimenta discussões intermináveis. Se a fiscalização das casas de apostas não garantir que sejam confiáveis, haverá dúvida sobre a manipulação do resultado dos jogos. Torcedores se afastarão de estádios e transmissões, e o futebol brasileiro entrará numa crise inédita.
É necessário cercar a questão por todos os lados. A regulação precisa estabelecer controles para identificar contas com movimentações atípicas, que possam estar relacionadas a apostas em partidas fraudadas. De acordo com o advogado Pedro Simões, do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, o Coaf, organismo que monitora transações financeiras, seria indicado para atuar nesse campo. Ele sugere ainda um valor máximo para as apostas mais sujeitas a fraude, como número de cartões ou pênaltis numa partida.
Há quem defenda uma agência específica, com a participação de Polícia Federal, Ministério Público, CBF e clubes. Na Espanha e na Alemanha, jogadores podem denunciar tentativas de aliciamento ou qualquer movimento suspeito em torno de um jogo, sob absoluto sigilo, por meio de um aplicativo. O importante é governo, CBF e clubes entenderem que no mundo das apostas no futebol e em qualquer outro jogo não se pode deixar brecha para a fraude, porque a credibilidade é o maior ativo do esporte.
Fonte: O Globo