O mercado de apostas no Brasil enfrenta sérios desafios devido à falta de regulamentação governamental adequada. A exposição dos apostadores brasileiros a milhares de casas de apostas sem critérios de confiabilidade, deixa-os sem resguardo jurídico no país e sujeitos às leis de outros países. A indecisão governamental pode intensificar os prejuízos e afetar os consumidores, as próprias casas de apostas, além do poder público.
Com a legalização da exploração das apostas de quota fixa no Brasil, por intermédio da Lei 13.756/2018, houve um crescimento exponencial da exploração da atividade por empresas constituídas no exterior, já que a falta de regulamentação os impede de fixar suas bases em território nacional, por temerem uma eventual configuração de exploração de jogo de azar, o que seria proibido em nosso país.
Apesar de ser um tema amplamente debatido - antes a partir da minuta de decreto apresentada ainda no governo Bolsonaro, hoje por meio de uma medida provisória e amanhã por eventual projeto de lei - o que se observa é que o tempo passa e a regulamentação não acontece, nos fazendo retornar aos mesmos debates de outros momentos.
A chamada ‘zona cinzenta’ que afeta o mercado de apostas esportivas faz com que não existam regras claras em relação ao tema no Brasil. Isso implica, por exemplo, na ausência da compreensão sobre as regras de apostas aos consumidores, bem como o desenvolvimento de pilares de educação e prevenção à manipulação de resultados que englobem atletas, dirigentes e todos os envolvidos, direta ou indiretamente, no esporte.
Não por acaso, recentemente, pesquisa realizada pela Armatore Market-Science, apontou que 66,8% dos torcedores brasileiros perderam a confiança nos jogos de futebol após descobrirem o envolvimento de jogadores com a manipulação de apostas. Além disso, o Financial Times, um dos mais importantes jornais londrinos, repercutiu o escândalo e afirmou que tais eventos prejudicam o desenvolvimento do futebol brasileiro.
Ademais, inexiste algum direcionamento efetivo sobre políticas sérias de jogo responsável, que poderiam funcionar como meio efetivo para evitar eventuais vícios e compulsões em jogos, além de normativas sobre publicidade enganosa ou abusiva, e o controle e limitação de idade.
Vale ressaltar que os danos da ausência de regulamentação não são observados unicamente aos consumidores e ao esporte, em si. Em relação ao poder público, o principal impacto é evidente: deixa-se de arrecadar vultosos valores com tributos da operação, além de não conseguir atuar, efetivamente, na prevenção à lavagem de dinheiro, no controle da publicidade, no compartilhamento de dados e no zelo pela integridade do próprio esporte.
Portanto, a necessidade de regulamentação desse mercado é urgente, sob vários aspectos.
Para o momento, o aspecto mais urgente da regulamentação é o estabelecimento de diretrizes no que concerne à integridade no esporte, com exigências de cumprimento dos pilares de prevenção, educação e punição, o que fatalmente diminuiria as chances da ocorrência de eventuais crimes, como um escudo que protege o esporte das maledicências de um esquema criminoso.
De fato, não se pode olvidar que o match fixing é um problema mundial e o Brasil é um dos únicos países atrasado na discussão de medidas para controlar referido problema. Seja como for, a construção de um sistema de integridade não pode ser interdependente das apostas esportivas e deve ser desenvolvido pelos players envolvidos no setor, mesmo com o atraso da regulamentação das apostas esportivas.
Importante destacar que um sistema de integridade deve desenvolver um arcabouço educacional com um maior investimento em mídia, relacionamento com entidades esportivas e com o governo para fomentar iniciativas de educação aos stakeholders, incluindo população, atletas e autoridades públicas.
Nesse sentido, inicialmente, é importante conscientizar atletas, dirigentes e árbitros sobre as consequências dessas práticas, visando que a manipulação de resultados nem venha a existir.
Porém, além do aspecto educacional, é necessário desenvolver medidas de prevenção e detecção antes mesmo da punição, com a melhoria de sistemas de inteligência avançada, aumento da checagem reputacional e da realização de background check de atletas, agentes e executivos do esporte, por exemplo.
Nada obstante, ainda há preocupações em relação ao financiamento das fraudes pelo crime organizado, que podem envolver valores e pessoas no exterior, dificultando a rastreabilidade do dinheiro e a punição dos responsáveis. Isso exige cooperação e colaboração de autoridades internacionais para investigar as organizações por trás dessas manipulações.
Logo, em um sistema sério de integridade há se realizar a punição adequada aos indivíduos envolvidos, usando do incentivo negativo, adequado e proporcional para evitar a impunidade e garantir a responsabilização dos envolvidos nas infrações – desportiva e criminal –, a partir da correta tipificação dos crimes e condutas antidesportivas.
Um exemplo relevante para o tema é a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva de banir o ex-jogador do Vila Nova, Romarinho. Essa medida serve para destacar as consequências severas que podem ser impostas aos envolvidos na manipulação de resultados.
Para além da punição desportiva, há ainda a possibilidade de responsabilização pelos crimes previstos no Estatuto do Torcedor, como corrupção e fraude esportiva, de acordo com os artigos 41-C, 41-D e 41-E desse diploma legal.
A estruturação do sistema de integridade seguindo os referidos pilares busca mitigar riscos e combater a manipulação, garantindo a integridade das competições esportivas e visando evitar questões como aquelas apuradas na Operação Penalidade Máxima.
Não por acaso, a citada investigação deu origem à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre as apostas esportivas, criada em maio de 2023 e em efetivo funcionamento, que possui duas diretrizes fundamentais em seu plano de trabalho: a investigação dos casos e a proposição de medidas para futura regulamentação. No entanto, até o momento, o discurso predominante tem se concentrado na identificação e punição dos atletas e manipuladores envolvidos, bem como a origem dos valores utilizados nas apostas.
É evidente que essa abordagem é um passo importante para garantir a integridade do esporte, mas a solução desse problema demanda uma discussão mais aprofundada e complexa sobre outras questões essenciais que deveriam antecipar possíveis punições, como a prevenção e a educação, temas pouco abordados até o momento.
Durante a segunda reunião da comissão, foram ouvidos representantes do Ministério Público de Goiás e o presidente do Vila Nova-GO, responsáveis por denunciar o caso às autoridades. No entanto, pelas perguntas apresentadas, ficou evidente que muitos deputados ainda não compreendem completamente o complexo setor de apostas e sua relação com a manipulação de resultados. Além disso, certos detalhes foram mantidos em sigilo para evitar possíveis interferências nas futuras fases da Operação Penalidade Máxima.
Alguns parlamentares demonstraram o desejo de ampliar o escopo da investigação, incluindo atores que, muitas vezes, são vítimas da manipulação esportiva. Como exemplo, fora mencionada a possível participação das casas de apostas no problema, embora os membros do Ministério Público de Goiás tenham enfatizado repetidamente que não há indícios até o momento do envolvimento dessas empresas, de dirigentes de clubes ou árbitros nos esquemas.
É fato que a CPI-Fute possui um objeto inicial, mas está longe de ter uma direção clara para onde irá se encaminhar. As perguntas sugestivas dos parlamentares indicam uma abertura que pode abranger vários aspectos e núcleos, indo além dos escândalos descobertos em Goiás e da manipulação de resultados.
Por isso, para que as necessidades do cenário atual sejam superadas, é primordial que os membros da CPI busquem identificar os responsáveis pela manipulação, sem que os parlamentares ignorem uma necessária proposição de soluções e mecanismos que preservem o futebol, a fim de evitar a repetição desses episódios. Para isso, é fundamental que eles ouçam os especialistas do setor, como associações e representantes, o que está previsto para ocorrer nas próximas sessões, após a deliberação e aprovação dos convites apresentados.
Pedro Gurek
Sócio do Sade & Gritz Advogados. Especialista em Direito Penal Econômico. Pós-Graduando em Direito Penal e Criminologia – Instituto de Criminologia e Política Criminal. Ex-assessor do Ministério Público do Paraná.
Yohann Sade
CEO do Sade & Gritz Advogados. Graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Pós-Graduado em Direito Administrativo – Instituto Romeu Felipe Bacellar Filho. Pós-Graduado em Direito Tributário – Associação Brasileira de Direito Constitucional (ABDCONST).
Fonte: Exclusivo GMB