Quem assistiu à partida entre Flamengo e Bragantino, pela série A do Brasileirão, na semana passada, não passou ileso aos anúncios de pelo menos seis sites de apostas esportivas durante a transmissão: Betano, Betnacional, 1xBet, Mr. Jack Bet, PixBet e Parimatch – seja nas placas de publicidade luminosa na lateral, em tapetes estendidos ao lado das traves ou nas próprias camisas dos clubes. Isso sem contar nas que anunciaram no intervalo do jogo, como a Sportingbet.
Se a profusão de nomes nesse mercado chama atenção para uma demanda em alta entre os fãs de esportes e até despertou os políticos para a possibilidade de uma regulação, há um outro segmento que tem se beneficiado desse boom de maneira mais discreta: os bancos e as fintechs que fazem a ponte para que os sites tenham o pix como ferramenta para receber as apostas e pagar os prêmios.
Antes de o pix existir, os sites de apostas – praticamente todos com sede no exterior – ficavam restritos aos cartões de crédito, que frequentemente tinham os pagamentos cancelados porque as operadoras consideravam as transações suspeitas. Uma outra alternativa era fazer uma transferência internacional por conta corrente, cuja aprovação poderia levar horas. O trâmite é tão lento que era comum o usuário desistir de apostar, já que as partidas têm data e hora para acontecer.
"O mercado de sites de apostas cresceu cinco vezes ao longo dos últimos quatro anos no Brasil e o pix é o principal responsável por isso", afirma André Gelfi, presidente do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), associação que reúne 13 sites que operam no Brasil.
A estimativa da IBJR é que o mercado brasileiro some R$ 5,8 bilhões em faturamento em 2023, com R$ 84 bilhões em movimentação de apostas, valor próximo do que a PagSeguro, por exemplo, transaciona em pagamentos em um trimestre. Segundo Gelfi, mais de 90% do que se movimenta hoje é feito via pix. Não por acaso, tem site que põe o pix no nome, como a PixBet.
Para disponibilizar o pix aos sites de apostas, os bancos e fintechs cobram uma comissão, que pode variar conforme o porte do cliente e volume transacionado. A Pay4Fun, por exemplo, uma instituição de pagamentos focada em atender clientes do mercado de entretenimento, trabalha no Brasil com alguns dos principais players globais, como bet365 e Betano, e cobra taxas que variam de 2% e 4% para os depósitos dos usuários e de 1,5% a 3% para o resgate dos prêmios. Só no ano passado, a companhia registrou 4,95 milhões de transações com pix.
Além da Pay4Fun, instituições como Stark Bank, BS2, Banco do Brasil, Asaas e Zro Bank também trabalham com o pix para os sites de apostas. Trata-se de um mercado especialmente interessante para aquelas focadas em atender o público PJ, como Stark Bank, BS2 e Asaas.
O Stark, por exemplo, trabalha com casas como Betano e bet365. Já a Asaas, parceira de nomes como a Betnacional – que tem Vinicius Junior, o craque do Real Madrid, como garoto-propaganda –, começou a atuar nesse segmento no mês passado e também é provedora de banking as a service para outras fintechs contratadas por sites de apostas.
Os bancos de câmbio também entram no caminho do dinheiro ao fazer as remessas do apurado no Brasil para as sedes dos sites no exterior, a maioria localizada em Curaçao, Malta e Reino Unido. Para enviar o dinheiro para fora, a Pay4Fun, por exemplo, trabalha com quatro bancos de câmbio parceiros.
Uma recente mudança na lei cambial, que entrou em vigor no final do ano passado, aumentou o limite para que instituições de pagamento pudessem fazer transações de câmbio. "O mercado ficou mais acessível e flexível", diz a advogada Gabriela Ponte Machado, especialista em direito bancário e meios de pagamentos do escritório Lobo de Rizzo.
No boom de apostas, outro filão que se abriu foi o de companhias que não são exatamente instituições financeiras, mas que se apresentam como negócios que oferecem serviços ou intermediação de pagamentos. São empresas que representam os sites no Brasil, recebem o dinheiro em uma conta bancária e depois fazem a transferência para fora.
A Anspacepay, por exemplo, atua com 25 clientes nesse mercado, entre eles a PixBet, cobrando uma tarifa em cima de cada transação e também operando com grandes bancos de câmbio para efetuar as remessas para o exterior.
Outro exemplo é a Causin Serviços de Pagamentos, que aparece como titular da conta de destino para quem faz um pix nos sites da Betano, da bet365 e da Betfair – esta última tem Ronaldo e Rivaldo como garotos-propaganda. A Causin tem conta tanto na Stark Bank quanto no Banco do Brasil. O Pipeline tentou contato com a companhia por telefone, mas o número disponível no site é do escritório de contabilidade que ajudou na abertura do CNPJ e que não informa outro telefone.
Se o Brasil avançar na regulação dos sites – um debate impulsionado pelos esquemas de manipulação envolvendo jogadores –, é possível que uma parte desse mercado de pagamentos não consiga mais operar. Uma das discussões em Brasília envolve exigir que as instituições tenham algum tipo de autorização do Banco Central para atuar. "Isso traria segurança para o mercado e deixaria os sites mais confortáveis porque o BC seria um selo de qualidade", afirma Gelfi, da IBJR.
Marcello Reis, chefe da área comercial da Anspacepay, acredita que a regulação seria bem-vinda porque a experiência mundial mostra que regras bem definidas ampliam a demanda, ao deixar a clientela mais segura para fazer apostas. "Isso pode garantir o crescimento do mercado nos próximos anos", avalia.
Com exceção do BB, os grandes bancos ainda estão distantes desse ramo. A possibilidade de entrarem para valer não assusta os precursores, como a Pay4Fun. "Fomos nós que demos a mão a esse tipo de operador no começo, quando eles mais precisavam", diz o CEO da instituição, Leonardo Baptista. "Se o Bradesco entrar, ele não vai ter o conhecimento que que eu tenho do mercado. O operador me liga com uma dor que o Itaú não vai saber resolver."
O foco das discussões em Brasília, porém, não está nos serviços de pagamentos, mas nos próprios sites, que podem receber algum tipo de taxação ou exigências que aumentem a barreira de entrada no mercado. Os operadores não vislumbram uma redução da demanda do público, mas sim uma redução no número de casas, provavelmente favorecendo as grandes do mercado.
Até lá, novos sites vão aparecendo para o público a cada nova partida e virando um novo cliente em potencial para quem oferece o pix. Baptista, da Pay4Fun, estima que hoje cerca de mil plataformas estão em operação no Brasil. "É como paleteria mexicana", diz.
Fonte: Pipeline