Quando você terminar de ler este artigo, R$ 53 mil terão sido sonegados dos cofres públicos. Ao final do dia, R$ 41,6 milhões, à razão de R$ 1,73 milhão por hora.
O Estado brasileiro perde anualmente até R$ 15 bilhões de impostos que os operadores de apostas esportivas deixam de pagar e remetem para suas sedes em paraísos fiscais.
O dinheiro circula sem que o Banco Central impeça. Formidável omissão! Será que o pix foi criado para movimentar fortunas de criminosos?
A sonegação nem é o maior problema. Parte do dinheiro alimenta o tráfico de drogas, armas e pessoas. Diz a lenda que em um estado do Sul há uma caixa-forte com R$ 12 bilhões em dinheiro vivo, lavado diariamente.
O Brasil é o último grande mercado para esse setor. Em um ano, houve no mundo 15 bilhões de interações online, 3 bilhões delas (20%!) aqui.
Como chegamos a essa esdrúxula situação?
Em 2018, final do governo Temer, o Congresso aprovou a lei 13.756, com prazo de dois anos para regulamentação – prorrogáveis por mais dois –, dispondo como os impostos seriam pagos. Considerando-se garantidas por uma lei incompleta, dezenas, e depois centenas, de empresas (e de contraventores, como bicheiros) passaram a operar as apostas online, com sede fora do Brasil.
Quatro anos passados, as empresas operam irregularmente, fazendo propaganda e patrocinando clubes esportivos, com o argumento de que a lei existe e não pagam imposto porque o governo não diz como.
Há outros ingredientes nessa receita: a não regulamentação tem sido impedida, desde sempre, pela parte podre, que prefere lesar o apostador, não pagar impostos e usar o dinheiro para suas atividades criminosas.
Os técnicos bem-intencionados do Estado brasileiro no antigo Ministério da Economia prepararam um bom decreto, regulando como o setor funcionaria e como os impostos seriam pagos – e, a pedido da parte boa do mercado, também uma medida provisória contendo penalidades severas para quem insistisse em operar à margem da lei.
Os dois documentos – o decreto e a MP – foram encaminhados para a Casa Civil do governo Bolsonaro. Mas um poderoso lobby criminoso operou junto a políticos e ao próprio presidente. E ele – por omissão ou conivência – não regulamentou a lei.
A omissão – mais um crime de responsabilidade – foi detectada no governo de transição. Empossado o atual governo, o ministro Haddad convenceu o presidente Lula de que as apostas teriam de ser regulamentadas. Uma equipe técnica foi designada e, infelizmente, fundiu o decreto com a MP, com o objetivo ganancioso de dobrar os impostos. Iniciativa ingênua, que deve cair no Congresso.
Pior: ao renunciar ao decreto e entregar ao Congresso a decisão, caiu na armadilha do jogo político e dos interesses escusos de parte do Parlamento – criar dificuldades para vender facilidades.
A quem interessa a não regulamentação?
Aos órgãos da mídia televisiva e digital, que veiculam a propaganda dos sites irregulares, meio bilhão de reais por ano? Com certeza não, pois a regulamentação daria transparência e segurança ao negócio.
Aos clubes esportivos que ostentam patrocínio dos sites irregulares em suas camisas? Também não, porque a regulamentação permitirá aos clubes serem atores privilegiados do negócio, com renda adicional.
Aos apostadores, atualmente vítimas de fraudes, de não pagamento de apostas vencedoras, de manipulação de resultados? Também não, por óbvio.
Às plataformas internacionais certificadas, que operam legalmente em vários países? Também não. (As principais se recusam a entrar no Brasil e aguardam a regulamentação).
Conclusão: a não regulamentação só interessa aos criminosos, aos que não conseguirão se credenciar, aos traficantes de drogas, armas e pessoas.
Daí, então, a inconveniente pergunta, que vai para o presidente Lula. Não importa se por decreto, projeto de lei ou medida provisória: quando as apostas serão regulamentadas? Até quando persistirá essa absurda, esdrúxula e criminosa situação?
Não regulamentar é tolerar o crime.
Luiz Fernando Emediato
Escritor, jornalista e publisher da Geração Editorial
Fonte: Folha de S.Paulo