Em 25 de julho deste ano, o governo federal agitou o mercado de apostas esportivas com a edição da Medida Provisória nº 1.182/2023. As apostas esportivas de quota fixa - aquelas em que o apostador sabe, no momento da aposta, quanto poderá ganhar se for bem-sucedido no palpite - já eram legalizadas desde 2018, com o advento da Lei nº 13.756/18.
No entanto, foi apenas no mês passado que o mercado recebeu, por meio de uma MP, o princípio do que deverá ser a regulamentação do setor, que já movimenta bilhões de reais todo ano. A expectativa, agora, é de que a MP nº 1.182/2023, se e quando convertida em lei, abra caminho para uma série de normas complementares, tanto do Ministério da Fazenda quanto de outras autoridades, que disciplinem e orientem a operação de casas de apostas (as chamadas "bets") no Brasil.
Um dos tópicos de maior discussão, desde a edição da MP nº 1.182/2023, tem sido a elevada carga tributária imposta aos operadores. Além da alíquota combinada de 18% sobre o produto da arrecadação após dedução dos prêmios pagos, passa a se exigir também que as bets atualmente sediadas no exterior estabeleçam negócio no Brasil, sujeitando esses operadores à tributação local, o que eleva a carga tributária total para a casa dos 40%.
Por outro lado, outra discussão fundamental, também relacionada à exigência de que operadores estrangeiros se estabeleçam no Brasil, vem recebendo menor atenção nos meios de comunicação. Trata-se do fato de que, atualmente, a receita de grande parte das bets deriva não apenas das apostas esportivas, objeto da MP, mas também (e principalmente) de produtos e serviços que, pela legislação brasileira, configuram "jogos de azar", em que ganhar ou perder depende majoritariamente de sorte (bingo, cassino virtual, roleta etc.).
Essa modalidade de jogo segue proibida no Brasil, por ser ainda considerada uma infração penal. No entanto, as plataformas virtuais localizadas no exterior, em jurisdições em que jogos de azar são permitidos, têm sido capazes de oferecer esses serviços aos brasileiros, por estarem resguardadas pelo princípio da territorialidade, cada vez mais desafiado na era da economia digital.
A dúvida que paira no ar, portanto, é saber de que maneira esse modelo de negócios se adequará à possível vinda formal das bets ao Brasil. Uma vez com sede, licença e mão de obra locais, de acordo com a lei atual, no Brasil, as casas de apostas poderão prestar apenas os serviços de apostas esportivas.
Nesse contexto, será fundamental entender de que maneira as autoridades brasileiras se comportarão diante da indústria. Se optarem por estratégia mais restritiva em relação aos "jogos de azar", poderão criar um incentivo perverso, especialmente se passarem a impedir que as bets licenciadas no Brasil ofereçam ao mercado brasileiro produtos não regulados, a partir de plataformas totalmente operadas do exterior.
Vale a pena abrir operação no Brasil?
Isso porque acabarão forçando as casas de apostas à seguinte escolha: licenciar-se no país, para atuar exclusivamente no mercado de apostas esportivas, ou abandonar este segmento e oferecer, a partir das plataformas localizadas no exterior, apenas os "jogos de azar" ao mercado brasileiro. Tanto operadores estrangeiros quanto o Estado brasileiro parecem perder com a segunda alternativa, independentemente da alíquota que venha a ser adotada.
O governo federal precisará avaliar soluções legais e regulatórias que enderecem a questão de forma inteligente. Por enquanto, as saídas parecem variar entre, de um lado, permitir que as bets tenham domicílios brasileiro e estrangeiro para oferecer diferentes tipos de produtos e serviços e, de outro, enfrentar as barreiras políticas e culturais a fim de ampliar a gama de jogos autorizados em território nacional.
Junto à MP nº 1.182/2023, o governo federal apresentou o Projeto de Lei nº 3.626/23, que trata, entre outros tópicos, do processo sancionador aplicável às casas de apostas esportivas, mas que também não aborda os jogos de azar. No entanto, existem outras iniciativas, mais ou menos controversas, que tramitam no Congresso Nacional e tratam da legalização dos jogos.
Tudo indica que o tema, longe de estar exaurido, será ainda objeto de muito debate entre as autoridades públicas. O mercado espera que o debate técnico permita que as forças políticas encontrem soluções intermediárias, que garantam segurança jurídica, proteção aos consumidores, ampliem a arrecadação tributária, mas também contribuam com o desenvolvimento do setor no país.
Natalia Lugero de Almeida, André Santa Ritta e Miguel Arraes
Sócia e associados do escritório Pinheiro Neto Advogados