JUE 19 DE SEPTIEMBRE DE 2024 - 13:08hs.
Judicialização ou não?

Especialistas divergem sobre harmonia entre União e Estados na operação das apostas esportivas

Com a edição da Medida Provisória 1.182,2023, que regulamenta as apostas esportivas, uma indagação é como a União e os Estados irão se comportar com a adoção de dois modelos distintos no Brasil. O GMB ouviu algumas personalidades que se destacam no setor e as opiniões divergem quanto à harmonia entre a operação nacional e as locais, capitaneadas pelas loterias estaduais. Alguns chegam a apontar uma possível judicialização do tema.

A Lei 13.756 foi adotada há quase cinco anos e a tão esperada regulamentação das apostas esportivas no Brasil ainda é um esboço do que acontecerá em nível nacional com a operação das apostas de quota fixa.

Diante da inércia da União ao longo dos quatro anos após a promulgação da lei, no final do governo Michel Temer, os Estados começaram a se movimentar no sentido de ampliar suas presenças no setor.

A decisão do Supremo Tribunal Federal de acabar com o monopólio federal da operação de modalidades lotéricas abriu espaço para que os Estados buscassem criar suas loterias locais e a analisar a possibilidade de operação de apostas esportivas.

A chegada de uma Medida Provisória regulando o setor acontece no mesmo momento em que operações locais começam a ganhar corpo. Alguns Estados já criaram suas loterias e Minas Gerais e Rio de Janeiro já exploram as apostas esportivas no âmbito local e outros estão na iminência de fazer o mesmo.

União x Estados

Haverá embates? Até agora não e sabe como o mercado lotérico – União e Estados – irão se comportar, mas uma queda de braços não está descartada, tendo em vista modelos distintos de operação e tributação.

No caso do governo federal, a sensibilidade do mercado continua apontando que se trata de um modelo caro, com outorgas na casa de R$ 30 milhões e tributação sobre a atividade de 18% sobre o GGR, além dos impostos inerentes a qualquer tipo de negócio, o que poderá levar a uma carga total da ordem de 40%.

Isso poderia inviabilizar as apostas esportivas legalizadas no Brasil. Mas antes mesmo de o setor adotar a regulação federal, Estados como Minas Gerais e Rio de Janeiro já dispõem de apostas esportivas locais e, no caso do RJ, de abrangência nacional.

Loterias estaduais

Em Minas Gerais, sob comando da Loteria do Estado de Minas Gerais e operada pela Intralot do Brasil, já está no ar a Lotominas.bet, restrita a apostadores com endereço fixo no estado. Além de apostas esportivas, a Lotominas.bet disponibiliza aos mineiros apostas nas loterias instantâneas e no Keno Minas, modalidades lotéricas que há anos já vinha sendo explorada no Estado.

Já no Rio de Janeiro, a Loterj credenciou oito empresas localmente e sob sua tutela, com duas delas já operando, a Rede Lotto e a Pixbet. A diferença é que no caso da Loteria do Estado do Rio de Janeiro, embora a operação esteja centralizada na plataforma da Loterj, as empresas poderão oferecer seus serviços em todo o Brasil. E com um detalhe que faz a diferença. A outorga fixa foi estipulada em R$ 5 millhões, com imposto sobre a atividade de 5% sobre o GGR.

As opiniões sobre a harmonia ou não indicam que o Brasil ainda terá de conviver algum tempo com essa dúvida até que novos rumos sejam dados ao setor de apostas esportiva.

Ronan Moreira, diretor geral da Loteria do Estado de Minas Gerais, acredita que a adoção de dois modelos distintos – federal e local – “será harmônica”. Para ele, "alguns ajustes deverão ocorrer em breve para dar ainda mais transparência e ao mesmo tempo garantir que tudo ocorra naturalmente, sempre tomando como base as decisões do STF”.

 

 

O dirigente da LEMG diz que os Estados estão se movimentando de forma coerente e assertiva. “Dou como bons exemplos o Paraná e a Paraíba, que estão adotando modelos bastante adequados, assim como Santa Catarina e Rio Grande do Sul fazem seus movimentos iniciais também no rumo certo”.

Para ele, o segmento vai se regulamentar como um todo “pautado pelas importantes decisões do Supremo Tribunal Federal. Estados e União terão um papel fundamental na geração de receitas não tributárias para promoção do bem-estar social e no combate aos jogos ilegais. Onde houver a presença do poder público, haverá menos espaço para os jogos ilegais”, afirma Ronan Moreira.

Hazenclever Lopes Cançado, presidente da Loterj, acredita que a União demorou demais para regulamentar a atividade e com o crescimento do mercado operado por empresas com sede no exterior, era natural que os Estados buscassem oferecer suas alternativas de apostas esportivas.

Tanto que o Rio de Janeiro adotou um modelo que impactou o mercado, tanto do ponto de vista de valores de outorga fixa (R$ 5 milhões) e variável (5% sobre o GGR), quanto da abrangência.

 

 

Serão oito empresas credenciadas, sendo que duas já estão em operação (Rede Lotto e Pixbet), mas a grande novidade é que elas poderão vender apostas esportivas em todo o Brasil. O entendimento do órgão é que a aposta feita de qualquer parte do Brasil, está centralizada na plataforma da Loterj, no Rio de Janeiro. “O apostador deve aceitar os termos de que a aposta se efetiva no Rio”, afirma.

Para Hazenclever, o momento é de alegria pelo fato de a Loterj oferecer as apostas para todo o Brasil e gerar recursos para a autarquia aplicar no social no Rio de Janeiro. “Hoje, 70% do lucro da Loterj é aplicado em ações sociais e acredito que todo o Brasil deveria se comportar da mesma maneira, oferecendo as modalidades locais e a nacional. A concorrência é sempre sadia”.

Daniel Romanowski, presidente da Lottopar, entende que “assim como nas demais modalidades lotéricas, existem mercados e espaço para múltiplos operadores. Com certeza existirão operadores de tamanho regional e os de amplitude nacional. Caberá ao empresário optar por qual ambiente é mais favorável e mais competitivo”.

O mais importante, na sua avaliação, “é que todos os Estados e o Governo Federal garantam a rastreabilidade e a transparência do mercado, podendo transmitir a transparência que este setor precisa”.

O presidente da Lottopar destaca que o ambiente estadual também é benéfico ao Governo Federal “pela sua contribuição tributária de PIS e Cofins, além do Imposto de Renda sobre a premiação e sobre o lucro dos operadores. Aliás, somente este conjunto de impostos já é amplamente maior que a parcela destinada aos Estados”, pontua.

Segundo Romanowski, o livre mercado, estadual e federal, é o caminho. “Importante é sempre garantir que as empresas estejam aptas a prestar um bom serviço, cumprindo com suas obrigações. Lembrando que o operador também terá de fazer ajustes, principalmente aqueles que atuavam em um ambiente não regulamentado e agora passam a prestar um serviço como operadores oficiais do estado”.

Cada ente federativo deve respeitar os regramentos e possibilidades estipulados pelos legisladores federais e estaduais”, conclui o presidente da Lottopar.

Contraponto

Esse conflito de modelos nacional e estaduais não tem como funcionar harmonicamente. Sei que tem gente que vai discordar de mim, mas eu não vejo de outra forma”, analisa Witoldo Hendrich Jr., diretor da Online IPS.

Para ele, um operador que fosse capaz de adquirir licenças em todos os estados, ficaria numa situação muito favorável em relação a quem adquirir simplesmente uma licença nacional. “A única forma que eu vejo de a União corrigir isso é, via Receita Federal, determinar que a tributação dos operadores lotéricos estaduais seja feita nos mesmos moldes da estipulada para a licença nacional, o que não seria difícil, sob o ponto de vista legal, pois a tributação estipulada na Lei 13756/18 é fundamentalmente federal”, destaca o advogado.

 

 

De acordo com Witoldo, uma medida paliativa contra a balbúrdia que tende a se instalar, “somente uma lei nova (que até pode ser proveniente do PL 442/91) que cuide de todas as verticais de apostas poderia consertar isso, desde que trate os jogos pelos seus respectivos nomes, sem misturar conceitos ou sistemas”, avalia.

Para colocar uma dúvida a mais na já duvidosa relação harmônica entre União e Estados, Witoldo aponta: “O grande problema que eu vejo, agora que os Estados já se adiantaram, é que uma lei nova revogaria a Lei 13.756/18, revogando, consequentemente, o sistema jurídico que viabiliza a exploração de apostas pelos Estados, denominadas de loterias de quota fixa em eventos esportivos”.

Para ele, essa opção “seria uma reviravolta e tanto, tão profunda que, aqui entre nós, é difícil de ver implementada”.

Falta de parâmetros sobre competências

Na mesma sintonia de não ver harmonia entre os dois modelos, Luiz Felipe Maia, sócio fundador do escritório de advocacia Maia Yoshiyasu, diz que “na ausência de parâmetros bem definidos quanto às competências regulatórias de cada ente federado, o embate tende a se acirrar à medida em que diferentes modelos de operações forem criados pelos diferentes estados, que podem em muito se distanciar e conflitar tanto entre si como daqueles a serem adotados no plano federal”.

O renomado advogado cita como exemplo a recente impugnação da Caixa em relação à nova definição de territorialidade estabelecida por meio da retificação do edital de credenciamento nº 01/2023 da Loterj, permitindo a comercialização de apostas esportivas de qualquer lugar do Brasil.

 

 

Para ele, o caminho mais adequado é estabelecer diretrizes sólidas para a atuação de cada ente federado, permitindo que atuem conforme a competência que já lhes é constitucionalmente assegurada, mas sem extrapolá-las.

Conforme decisão do STF no ano de 2020 - e que hoje serve como fundamento para o modelo de regulação adotado -, a União mantém sua competência legislativa e é responsável por estabelecer a moldura regulatória das operações de loterias (de quota fixa aqui incluídas), enquanto Estados terão competência material (ou administrativa) para viabilizar as operações de acordo com a sua conveniência”, destaca.

O significado destes conceitos (territorialidade, moldura regulatória, competência material, competência legislativa) - preferencialmente por meio de regulação própria, antes que o Judiciário venha a intervir novamente no tema – será de suma importância para que eventuais discrepâncias interpretativas levem a uma insegurança jurídica e à judicialização crescente da matéria, elementos que vêm na contramão do desenvolvimento linear das atividades relacionadas às AQF”, conclui seu raciocínio.

Equívoco no enquadramento das apostas esportivas

Udo Seckelmann, advogado do escritório Bichara e Motta, tem certeza quanto ao embate entre as operações federal e estaduais. “Ele foi provocado por um equívoco da Lei 13.756/2018, que enquadrou apostas esportivas de quota-fixa como modalidade lotérica. Com isso, a decisão do STF nas ADPFs 492 e 493 em 2020 abriu uma oportunidade para que Estados explorem tal vertical a partir de suas regras próprias. Agora, surge a questão: mediante obtenção da licença estadual, a exploração da atividade ocorrerá apenas nos limites territoriais do estado ou poderá ocorrer em todo o Brasil?”.

 

 

A indagação é pertinente, diante de um pedido de impugnação da Caixa contra a Loterj, cuja operação está permitindo apostas de qualquer lugar do Brasil, já que a efetivação da aposta é realizada nos servidores da autarquia, no Rio de Janeiro.

Para Udo, “o caminho ideal para impedir esse embate seria a alteração da Lei 13.756/2018 para excluir apostas esportivas de quota-fixa como modalidade lotérica. Se isso não ocorrer, é provável que teremos uma longa judicialização desse tema no Brasil”.

O especialista em gambling explica que, “sendo uma modalidade lotérica (e, logo, um serviço público), os Estados passam a ter o direito de explorar a atividade mediante suas regras. Entendo que a exploração de jogos e apostas deve ser enquadrada como atividade econômica privada sujeita ao controle e supervisão do Poder Público, tal como proposto no PL 442/1991 para as demais verticais do jogo”, avalia.

Se a alteração da Lei 13.756/2018 não ocorrer, é provável que teremos uma longa judicialização desse tema no Brasil, na qual os Estados defenderão seus direitos de explorar a atividade no território nacional”, conclui.

Fonte: GMB