Escrevo este artigo especialmente para parlamentares e assessores. Nas próximas semanas, a discussão do PL3626/23, que regulamenta as apostas esportivas, deve se intensificar. Na semana retrasada, o Presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP/AL), designou o Deputado Adolfo Viana (PSDB/BA) como relator da matéria, e o prazo de urgência se encerra no dia 8 de setembro, quando trancará a pauta.
Pretendo aqui discorrer sobre algumas informações importantes, aspectos positivos e negativos presentes na idealização da regulamentação do governo, falar um pouco sobre o panorama histórico e comparar mercados internacionais com o projeto brasileiro, além de propor aperfeiçoamentos de forma humilde.
Antes de tudo, é importante esclarecer alguns termos técnicos e legais que são essenciais para uma boa compreensão do tema:
Aposta esportiva: São atividades de jogo em que os apostadores tentam prever o resultado de eventos esportivos e colocam uma aposta no resultado que acreditam ser mais provável.
Aposta de quota-fixa: É a nomenclatura da legislação brasileira para apostas esportivas, que são tratadas como uma modalidade lotérica.
Apostador/consumidor: Pessoa natural, maior de idade e capaz, que realiza aposta em canal virtual ou adquire bilhete em formato impresso em canal físico.
Casa de Aposta/operador: Empresas que oferecem aos apostadores opções de apostas, com múltiplas variedades de competições e fatores esportivos.
Produto de arrecadação/turnover: É a arrecadação total de apostas realizadas.
Prêmios pagos: É o valor pago ao apostador quando ele acerta o resultado da aposta.
Faturamento bruto sobre aposta/gross gaming revenue (GGR): É o resultado do produto da arrecadação das apostas (turnover) subtraído da totalidade dos prêmios pagos em um período. É a base de cálculo tributária sobre as empresas.
Canalização: É a métrica que calcula a quantidade de dinheiro empenhado por apostadores no mercado legalizado e licenciado, demonstrando o tamanho do mercado legal.
Margem não tributada: É o montante de dinheiro apostado no mercado clandestino, onde os apostadores buscam produtos e opções mais atrativos e competitivos em comparação ao mercado licenciado. É o cálculo que mostra o tamanho do mercado irregular.
Jogo responsável: É um conjunto de regras e medidas, legais e de auto regulamento, aplicadas para evitar e minimizar as externalidades da atividade de aposta, impedindo ou estancando o vício, hiper endividamento e propaganda abusiva.
Integridade esportiva: Conjunto de regras e medidas, legais e de auto regulamento com a finalidade de preservar a competição esportiva em busca do resultado justo.
Histórico legislativo das apostas esportivas no Brasil
As apostas esportivas sempre foram tradicionais nos países europeus. É comum andar pelas ruas de Londres e encontrar lojas que oferecem apostas em jogos de futebol. Com o advento da internet, foi estabelecido um novo mercado, no qual as pessoas poderiam apostar por meio de sites. Essa revolução, que começou nos anos 2000, espalhou-se por países ao redor do mundo, que foram editando leis e regulamentações para formalizar mais esse setor da economia digital.
No Brasil, não foi diferente. Os brasileiros tiveram a oportunidade de apostar em sites hospedados fora do Brasil, e a paixão do brasileiro pelo futebol contribuiu para esse cenário. Como resultado disso, foi promulgada a Lei 13.756/18 (Art.29 em diante), que regulamentou a Modalidade Lotérica de Apostas em Quota-fixa, o nome legal brasileiro para apostas esportivas.
Dois anos depois, em 2021, novas alterações à Lei 13756/18 foram feitas, principalmente para introduzir a parte tributária, instituindo um imposto de 5% sobre o GGR.
Agora, em 2023, o governo federal encaminhou duas medidas reformando a Lei 13756/18: a Medida Provisória 1.182/2023 e o Projeto de Lei 3626/23. Devido a tratativas entre a Câmara e o Planalto, foi definido que a MP será deixada para morrer, enquanto o PL 3626/23 será o verdadeiro portador da reforma geral das apostas esportivas. Com urgência, o prazo final antes que se tranque a pauta é sexta-feira, dia 8 de setembro. Dessa forma, os esforços de discussão da matéria serão feitos nesta semana.
Os interesses do ecossistema de apostas esportivas
Existem três grupos distintos que fazem parte do ecossistema do setor de apostas esportivas, e eles têm funções e interesses diferentes:
O Estado brasileiro, legisladores, governo federal, Ministério da Fazenda, Receita Federal, reguladores etc. A missão desse grupo, para proporcionar uma boa regulamentação, é dar segurança jurídica, previsibilidade legal e regulatória. Em contrapartida, o grande interesse é ter a máxima arrecadação possível.
Os Operadores, que pretendem seguir as regras e leis brasileiras, recolher os impostos devidos e, principalmente, oferecer a melhor experiência de consumo para seus clientes, assumindo os riscos, lucros e prejuízos operacionais de aposta bancada que o Estado brasileiro não pode correr. Em contrapartida, espera-se a proteção dos licenciados, a manutenção da integridade esportiva e o combate aos operadores clandestinos.
Os Apostadores, são a grande força que conduz o mercado, procurando um serviço eficiente que atenda às suas demandas por entretenimento e emoções. A aposta é parte dos diversos produtos que cercam a experiência esportiva. Os apostadores ditam quais serviços são mais atrativos e melhores para o seu consumo.
Dessa forma, podemos equalizar os interesses de maneira resumida: o Governo quer arrecadar, os Operadores querem segurança jurídica para suas operações e os Apostadores querem o melhor serviço possível.
Os problemas da regulamentação proposta pelo governo federal e suas consequências
O faturamento bruto sobre aposta (GGR), que é a base de cálculo para a incidência de impostos, originalmente é de 19,25%. No entanto, o governo federal propôs aumentar essas alíquotas para 32,25%, um aumento de 13%.
Se essa majoração for concretizada pelo Legislativo, afetará diretamente a oferta de preços dos produtos de apostas das Operadoras, obrigando as empresas licenciadas a oferecerem opções menos atrativas para os consumidores, perdendo competitividade e atratividade em comparação ao mercado clandestino.
Existe uma relação direta entre a carga tributária sobre o GGR e a perda de atratividade do mercado, o que gera uma baixa canalização e, consequentemente, os apostadores fogem das empresas licenciadas pelo governo em busca do mercado clandestino para usufruírem de serviços mais vantajosos.
Podemos observar que no período em que o Reino Unido tributava os operadores em 15% sobre o GGR, ele tinha a melhor taxa de canalização, com 95% do dinheiro dos apostadores empenhado entre operadores licenciados. Consequentemente, mais impostos eram pagos, e os apostadores ficavam cobertos pela rede de assistência do Estado para questões como Jogo Responsável, Integridade Esportiva e Direito do Consumidor.
Por outro lado, a França é um exemplo a ser repudiado, com um imposto maior que 55%, sua taxa de retenção de clientes é de aproximadamente 60%, causando baixa adesão dos apostadores, deixando o mercado clandestino com 40% das apostas feitas no país, ou seja, 40% do dinheiro francês empenhado em apostas não paga impostos, não passa pela rede de proteção do Estado e ainda pode estar sendo usado pelo crime organizado e para lavagem de dinheiro.
Podemos observar que a depuração dos impostos brasileiros, comparada com o que aconteceu na Inglaterra quando o Imposto sobre GGR era de 15% e a taxa de canalização era de 95%.
As expectativas das Operadoras é que, se concretizada a alíquota de 32,25% da proposta do governo federal, o percentual de canalização será inferior a 60%, e boa parte dos apostadores brasileiros fugirão das empresas licenciadas e procurarão alternativas clandestinas e no jogo ilegal.
O ideal é o cenário brasileiro com uma alíquota total de 24,25% sobre o GGR, criando uma margem de canalização de aproximadamente 85%. Com isso, a arrecadação com o imposto diminuído seria maior do que a pretendida pelo governo federal. Isso se baseia no efeito Laffer para uma melhor arrecadação e ponto de equilíbrio.
Uma das peculiaridades do Brasil é o fato de que as apostas esportivas são consideradas uma modalidade lotérica pelo ordenamento jurídico brasileiro, conforme previsto na Lei 13.756/2018. Isso causa uma das piores heranças que os apostadores em esportes podem ter: a incidência de imposto de renda sobre prêmios pagos. Esse sequestro de 30% da premiação dos apostadores, acima de R$2.112,00, pode inviabilizar a experiência e causar um efeito de frustração na arrecadação.
A experiência do consumidor
O grande atrativo das operações de apostas esportivas reside na possibilidade de os apostadores se envolverem em suas paixões esportivas de maneira mais intensa, colocando à prova seus conhecimentos e habilidades em prever o desempenho de atletas e times em diferentes modalidades. Além disso, as apostas esportivas trazem a emoção e a diversão de acompanhar jogos e campeonatos com ainda mais intensidade, já que a possibilidade de ganhar dinheiro com suas previsões adiciona um elemento extra de suspense a cada partida.
Ganhar ou perder nas apostas é uma continuação da experiência vivida dentro dos campos e quadras, uma vez que o resultado da aposta está diretamente ligado ao desempenho dos times e atletas. A diferença é que, no caso das apostas, os apostadores têm uma participação direta nos resultados e um incentivo financeiro para torcer com ainda mais emoção.
No entanto, o apostador pode ficar exposto ao chamado "duplo negativo", uma situação em que ele tem uma experiência negativa tanto na derrota quanto na vitória. Na derrota, o apostador perde o valor apostado e se conforma, pois faz parte da dinâmica dos resultados. Na vitória, ele pode ter uma parte considerável de seus ganhos sequestrada pela casa de apostas, que será obrigada pelo governo federal a reter esse dinheiro na fonte. Essa retenção pode inviabilizar a experiência dos apostadores e gerar um efeito de frustração completa.
Segundo dados do Relatório Convocados da XP sobre o futebol brasileiro, até 8% dos clientes podem apostar mais de R$ 400 por mês, uma faixa que estará especialmente exposta a esse efeito do "duplo negativo" devido à retenção de valores decorrentes da regulamentação das apostas esportivas.
As empresas de proteção ao crédito brasileiras (ex.: SPC e SERASA) foram idealizadas para manterem bancos de dados sobre pessoas físicas inadimplentes, a fim de serem um meio de consulta para que bancos, financeiras e comércio não concedam financiamentos e crédito a inadimplentes.
Com o passar dos anos, essas empresas aperfeiçoaram os serviços prestados e uma gama de empresas começaram a se utilizar do cadastramento de inadimplência para cobrar dívidas e reclamar atrasos em contas e prestação de serviços.
Por conta disso, é prática corrente ameaçar o cadastramento de consumidores nas listas de proteção ao crédito como uma forma de cobrança de dívidas correntes. Muitas vezes, a legitimidade dessas inscrições é judicializada, justamente por não refletirem a realidade financeira do consumidor.
Existe um amplo entendimento jurídico e doutrinário de que as listas de restrição de crédito não podem ser um impedimento ao consumo, muito menos subqualificar os consumidores por estarem cadastrados em uma lista de origem privada e empresarial. O atraso ou confusão no pagamento de contas não pode transformar o consumidor em um cidadão de segunda classe.
Na relação de consumo, que a lei 13.756 trata, a restrição do direito de consumir só seria legítima se envolvesse crédito e não aplicações com dinheiro vivo.
Outro ponto relevante é que o cadastramento em listas de defesa de crédito não necessariamente representa a situação falimentar do consumidor. Muitas vezes, é o contrário, pois, por ser um captador de crédito e consumidor ativo, o cadastramento é uma situação transitória e pontual.
Por último, deve-se destacar que as listas de restrição de crédito são de empresas privadas que não representam uma aplicação pública de fato. Muitas vezes, são discricionárias na forma de cadastrar os consumidores em seus bancos. Isso é frequentemente judicializado para reverter abusos desse tipo de situação, que não pode ser aplicada como uma prerrogativa pública de licenciamento.
Pontos positivos
Além dos três pontos destacados anteriormente, a proposta regulatória do governo federal é adequada, abordando de maneira abrangente diversos pontos importantes:
Multas e penalidades contra infrações
Distribuição de recursos para entidades esportivas pelo uso de nome e imagem.
Considerações
Por fim, pode-se concluir que a experiência do apostador é importantíssima para a manutenção do consumidor dentro do mercado licenciado, onde existe a rede de apoio das políticas de jogo responsável e integridade esportiva.
A experiência está diretamente ligada a ofertas atraentes que possibilitam bons ganhos ao apostador. Dessa forma, um imposto sobre GGR extremamente alto repercute em um mercado licenciado menos atrativo para o consumidor, que procura alternativas clandestinas, conforme ocorrido em outros países.
Importante destacar que esses três pontos problemáticos são consenso entre várias associações representativas do setor, como a Associação Nacional de Jogos e Loterias - ANJL, o Instituto Jogo Legal - IJL e a Associação Brasileira de Apostas Esportivas - ABAESP.
O Imposto sobre o apostador é um problema que afeta o padrão de consumo, causando impressões muito negativas no mercado brasileiro, afastando uma fatia substancial de clientes da área de cobertura da licença.
O estabelecimento de uma carga tributária geral de 24% sobre o GGR, e a supressão do imposto sobre o apostador e das proibições para positivados em cadastros de crédito são os três pontos que, quando sanados, tornam a regulamentação brasileira atrativa para seus consumidores, garantindo segurança aos operadores e uma arrecadação generosa aos cofres públicos.
Rodrigo Gitaí
Managing Partner na RG Political Intelligence