LUN 25 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 21:34hs.
Rodrigo Desterro, advogado na Ribeiro Desterro

A importância do compliance e da governança no segmento de jogos e apostas esportivas

Com a regulamentação do iGaming no Brasil, algumas atenções se voltam para os sensíveis requisitos de identificação dos apostadores, compliance e governança. Rodrigo Desterro, advogado no escritório Ribeiro Desterro, analisa estes aspectos, além de integridade esportiva, conflito de interesses, regras corporativas e políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.

Em 30 de dezembro, no apagar das luzes de 2023, foi publicada no DOU o tão falado "marco regulatório" das atividades de apostas esportivas e jogos online no Brasil ou, agora tecnicamente falando, "apostas de quota fixa".

Os números desse nicho de mercado, em 2023, impressionam e, de antemão, talvez expliquem a importância de debatê-lo; em 26 de dezembro de 2023, a Revista Exame divulgou que o governo brasileiro estimava que as apostas esportivas gerassem em torno de R$ 3,5 bilhões ao futebol, entre acordos para patrocínios, publicidades em camisas, placas de campeonato e espaços na mídia, sem considerar outros segmentos esportivos. No geral, estima-se que haja uma movimentação financeira na casa dos R$ 120 bilhões ao ano.

O envolvimento é tamanho que agora, já em 2024, o Corinthians anunciou fechamento de contrato de patrocínio máster com a VaideBet na casa de R$ 370 milhões (!!). Por tudo isso, penso que, de fato, estivesse na hora de trazer alguma regulamentação.

E o que isso tem a ver com compliance? A Lei n.º 14.790, de 2023, trouxe algumas regulamentações que, a meu ver, mostram a preocupação central com a integridade corporativa, sobretudo em razão dos diversos episódios de fraude a resultados. A ideia aqui não é comentar a lei como um todo, mas trazer reflexões sobre alguns pontos específicos que chamaram minha atenção.

Conflito de interesses

O art. 7º, §2º traz o que me parece ser uma regra que busca gerenciar o risco de conflito de interesses, quando exige que eventual sócio ou acionista controlador da empresa de apostas de quota fixa, que eu vou chamar de bet para facilitar, não tenha qualquer participação, ainda que indiretamente, em SAF ou organização esportiva profissional, ou mesmo atuação em equipe desportiva brasileira.

Como disse, entendo que se busca um maior rigor no tratamento dos eventuais conflitos de interesse, o que me parece absolutamente acertado. Para fins de compliance, entendo que uma das principais fontes de risco existente é justamente o conflito de interesses, sobretudo aquele não mapeado.

Parece-me, pois, que essa exigência demanda uma série de processos e procedimentos de controle para mapear e monitorar a possível existência de conflito de interesses nas bets, demandando, além de uma mera declaração, controles que vão buscar desde a demonstração ao Ministério da Fazenda quanto à inexistência de eventual conflito, como a manutenção de outros que permitam afirmar, sem sombra de dúvidas, o que o risco está sendo gerenciado.

Regras corporativas

Outro ponto, esse mais importante ainda, é o que está previsto no Art. 8º, que trata do que a lei optou por chamar de "regras corporativas". São 4 incisos, mas que ampliam o leque de responsabilidade e de demanda enormemente. A lei exige o seguinte:
 

  • Atendimento aos apostadores e ouvidoria;
     
  • Prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa;
     
  • Jogo responsável e prevenção aos transtornos de jogo patológico; e
     
  • Integridade de apostas e prevenção à manipulação de resultados e outras fraudes.
     

Acho que os itens 1 e 3 são bem claros. Creio que o maior desafio seja, realmente, os itens 2 e 4, que opto por tecer alguns comentários.

No item 2 há a exigência já tão conhecida do mercado financeiro, sobretudo, sobre a necessidade de um Programa, ou Política, de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (AML), especialmente medidas de Know Your Client (KYC) e de reporte de atividades suspeitas à Unidade de Inteligência Financeira (Coaf), além de outras que somente devem ser pensadas a partir de um risk assessment estruturado.

No item 4, por sua vez, abre-se um leque, que, no nosso entender, vai precisar de regulamentação. A Lei exige "a comprovação da ação e da implementação de políticas, de procedimentos e de controles internos de integridade de apostas e prevenção à manipulação de resultados e outras fraudes", ou seja, um Programa de Integridade e prevenção à fraude naquilo que é o core business das bets: as apostas.

Entendo, então que é preciso partir de um risk assessment, pensar políticas, procedimentos, controles internos, canais de denúncia e mais uma série de medidas típicas de um Sistema de Integridade. Fechar os olhos para isso é, no mínimo, sujeitar-se ao não gerenciamento de riscos de compliance que, na prática, transforma toda a gestão em uma questão não de "se", mas de "quando" o risco se implementará.

Outras Questões

Algumas outras questões que chamam atenção na lei são também ligadas à questão de integridade. A regulamentação prevista para edição pelo Ministério da Fazenda traz itens que nos parecem estritas regras de governança corporativa, tais como: exigências de uma espécie de diretor de relacionamento com terceiros, inclusive com o próprio Ministério, e de critérios para posse e exercício de cargos de direção nas bets; exigência de mecanismos de segurança e integridade na realização da loteria de apostas de quota fixa; proteção de dados pessoais; monitoramento de integridade esportiva; dentre outras questões que, ao fim, e ao cabo, resultam na necessidade de adoção de controles de compliance.

Em resumo, a Lei representa um avanço na regulação do setor que, nos últimos anos, tem sido vetor de desenvolvimento de diversos negócios. Contudo, essa oportunidade pode se transformar em um pesadelo se as bets não buscarem uma equipe especializada e qualificada para realizar esse trabalho de implementação de medidas de controle e procedimentos de compliance, de modo a resguardar a conformidade legal.

Agora, ao invés de orar, é começar a olhar para dentro das suas empresas e buscar meios de adequação às melhores práticas de mercado.

Rodrigo Desterro
Sócio | Liderança em Gestão de Conformidade, Investigações e Due Diligence na Ribeiro Desterro