DOM 24 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 22:33hs.
Redução de 45% desde o ano passado

Sportradar: Brasil deve deixar liderança mundial de jogos suspeitos de manipulação de resultados

A Sportradar revelou que o Brasil deve deixar a liderança mundial do ranking de países com mais jogos suspeitos de manipulação de resultados (match-fixing), após dois anos seguidos no primeiro lugar. Essa é a projeção a partir do número de episódios levantados em 2024 até o momento, entre janeiro e outubro.

O Brasil registrou queda de 45% na quantidade de jogos suspeitos na comparação com o mesmo período do ano passado. É o que afirma a Sportradar, empresa de integridade e tecnologia esportiva parceira de 15 federações estaduais, CBF, Conmebol, Uefa e Fifa.

A CBF também identificou uma redução no recebimento de relatórios de jogos suspeitos em 2024, de até 65%.

Clubes, federações, CBF e empresas de apostas têm adotado diferentes práticas de prevenção e combate à manipulação de resultados. Mas ainda é cedo para afirmar que a redução é, no todo, consequência direta desse movimento, segundo pessoas que atuam na área. Há muito a ser feito.

Como em quase todo crime, os manipuladores procuram os maiores ganhos com os menores riscos. Temos alguns fatores: há maior visibilidade dos casos, CPI, regulamentação do mercado de apostas, investigações", explicou Felippe Marchetti, diretor de integridade da Sportradar no Brasil.

"Temos as ações pontuais, com jogadores conscientes, iniciativas de educação, plataformas de treinamento. Os relatórios mais detalhados para as federações também colaboram porque trazem muitos dados que auxiliam as investigações. Isso tudo afasta manipuladores”, disse ele.

Federações estaduais se articulam

O Brasil terminou em primeiro lugar nesse ranking em 2022 e 2023, com 152 e 109 casos, respectivamente. Houve uma redução de 29% de um ano para o outro, mas o país seguiu na liderança global. Tudo indica que ele sairá dessa posição ao final de 2024.

Jogo suspeito é todo aquele que exibe "provas contundentes" de viciação de resultados ou com indícios críveis de manipulação. No caso do Brasil, a maioria dos casos ocorreu no futebol.

Esses jogos se concentram em competições regionais, da segunda divisão ou inferiores, organizados pelas federações estaduais. E diferentes federações têm procurado, de forma isolada ou em conjunto, promover medidas de prevenção e combate à manipulação de resultados. Hoje, 15 estados têm seus jogos monitorados com relatórios completos, e 12 não.

A Federação Alagoana de Futebol (FAF) promoveu encontro com capitães, treinadores e dirigentes dos clubes da Segunda Divisão antes do campeonato estadual, que começou em setembro. Esses clubes contam com uma plataforma educacional sobre os riscos do envolvimento com apostas e manipulação de resultados.

O estado teve sete jogos suspeitos de manipulação na Copa Alagoas de 2023, e um outro possível na segunda divisão deste ano (ainda a ser investigado). Quando a federação recebe alguma suspeita, encaminha ao tribunal de justiça desportiva local, à CBF e às autoridades policiais.

Estamos tentando ampliar isso, iniciativas outras que não só para a manipulação. Conversamos com outras federações sobre como adotar outras medidas preventivas. Não dá para criar uma lista de atletas suspeitos e encaminhar. Há discussões sobre mecanismo de defesa, mas há questões legais que impossibilitam tomar certas atitudes”, explicou Felipe Feijó, presidente da Federação Alagoana de Futebol.

A Federação Mineira de Futebol (FMF) se aproximou neste ano do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público de Minas Gerais (Gaeco-MPMG) para passar e receber informações de suspeitas de manipulação. Agora faz parte de um "sistema de inteligência", junto de autoridades policiais.

Com isso, a federação consegue identificar melhor pontos de alerta, como, por exemplo, quando a gestão do futebol do clube é terceirizada. A FMF também ofereceu treinamento para o Tribunal de Justiça Desportiva. E a entidade incluiu no contrato de monitoramento com a Sportradar que ela própria pode provocar a varredura por apostas suspeitas.

A primeira coisa é a inteligência, não só correr atrás. A gente consegue saber, com antecedência, os jogos que podem vir a ter manipulação. Naquele da Patrocinense, pela Série D, já sabíamos que teria tentativa, e passamos para CBF, Sportradar e Polícia Federal. As pessoas precisam estar capacitadas para esse problema. Temos compromisso com a integridade. Tivemos uma redução muito grande de possíveis ocorrências”, disse Gabriel Cunha, diretor de competições da FMF.

Ações para educar

O próximo passo, previsto para o início do ano que vem, é oferecer a clubes e atletas de MG trabalho de conscientização sobre o mercado de apostas: o que é permitido ou não, possíveis punições etc.

A Federação Catarinense de Futebol (FCF) lançou uma cartilha com orientações e fechou parceria com as federações do Rio Grande do Sul e Paraná para a plataforma educativa da Sportradar. O Tribunal de Justiça Desportiva de Santa Catarina contou com workshop sobre casos do tipo. A federação catarinense selou em 2024 acordo com a bet "Rei do Pitaco", por três anos, para o monitoramento das competições adultas.

O monitoramento fornece informação sobre qualquer nível de suspeita ou irregularidade, ou concentração de apostas numa determinada odd ou partida. Ele identifica automaticamente e informa em tempo real, aí a federação toma a decisão na hora, até de anulação da partida. Não tivemos nenhum processo suspeito neste ano e nem queremos ter”, contou Rubens Renato Angelotti, presidente da FCF.

Jogadores desconhecem restrições


Clubes da Série A do Campeonato Brasileiro promoveram nos últimos meses ações de prevenção à manipulação de resultados. Palmeiras e Atlético-MG tiveram em setembro palestras em que os jogadores receberam informações sobre casos reais, riscos e consequências.

Já tínhamos feito esse treinamento ano passado, e queremos fazer pelo menos um por ano. Procuramos detalhar as nuances para os jogadores, a questão do relacionamento com amigos, familiares, pessoas do entorno. A iniciativa foi muito bem recebida pelo elenco. Eles tiraram muitas dúvidas, fizeram muitas perguntas. Desmistifica a ideia de que o futebol fica alheio. Os jogadores têm interesse em saber mais. Há uma falha da nossa indústria de não educar”, comentou Fernando Monfardini, gerente de compliance, privacidade e ESG do Atlético-MG.

A educação é considerada o principal pilar na luta contra a manipulação de resultados, por atacar a questão da prevenção.

O Athletico-PR realizou workshop em maio, com foco em educação e proteção dos atletas contra corrupção, em parceria com a Genius Sports, outra empresa do ramo de tecnologia esportiva e integridade. A companhia atende a Premier League, a federação de futebol da Alemanha (DFB), a Associação de Futebol da Argentina (AFA), a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) e o Novo Basquete Brasil (NBB).

Líder do Brasileirão, o Botafogo promoveu reunião semelhante em junho, também com a Genius, com atletas do elenco principal e da base. O encontro também tratou dos perigos relacionados às apostas.

Proprietário do Botafogo, o empresário John Textor apresentou ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) provas que diz ter sobre supostos crimes de manipulação de resultados no futebol brasileiro.

Muitos jogadores da elite do futebol nacional desconhecem as restrições para o envolvimento com apostas esportivas ou a atenção com informações privilegiadas repassadas a terceiros, segundo pessoas que acompanharam esses encontros com times da Série A.

Fonte: ge/ Rodrigo Lois