VIE 18 DE OCTUBRE DE 2024 - 05:30hs.
Isadora Postal Telli e Guilherme Aresi Madruga, advogados no Souto Correa

Da proibição à conformidade: a nova regulamentação e parâmetros para o setor de apostas esportivas

A Lei 14.790/23 e as diretrizes regulatórias do Decreto 11.907/2024 marcam uma mudança significativa no Brasil em relação ao tratamento dos jogos de azar, em especial, às apostas esportivas. Ela não apenas legaliza e regula o setor, mas introduz critérios para garantir conformidade, prevenir o vício e preservar a integridade do segmento. Em artigo exclusivo para o GMB, Isadora Postal Telli e Guilherme Aresi Madruga, do Souto Correa Advogados, exploram os impactos sobre o mercado.

A exploração de jogos de azar foi expressamente proibida no Brasil a partir da promulgação do Decreto-Lei nº 3.688/1941 (“Lei das Contravenções Penais”). Desde então, e até 2018, as tentativas de regulamentação dos jogos de azar no Brasil foram caracterizadas por idas e vindas, refletindo as mudanças na opinião política e pública da época. Em geral, as várias mudanças legislativas que surgiram ao longo dos anos pouco ou nada fizeram para abrir o mercado às empresas privadas de jogos de azar.

No entanto, grande parte da população brasileira já tinha acesso a jogos de azar online operados por empresas estrangeiras. Ao mesmo tempo, cresceu o interesse do governo em tributar esse mercado bilionário.

A combinação desses fatores levou a um aumento das iniciativas de regulamentação dos jogos de azar que culminaram na edição de Lei nº 14.790/23.

Essa lei passou a autorizar a operação de apostas de quota fixa, desde que essas apostas digam respeito a eventos desportivos reais ou a eventos virtuais em jogos online.

De acordo com a nova lei, as apostas devem ser exploradas em regime de concorrência, com licenciamento prévio do Ministério da Fazenda. Assim, as empresas de apostas devem cumprir determinados requisitos de integridade.

Por exemplo, existem algumas restrições, sobretudo, em relação ao marketing e à proibição de apostas com menores de idade. Afinal, as apostas envolvendo eventos com a participação de menores de 18 anos seguem proibidas.

Ainda, as empresas que pretendam operar no mercado brasileiro de apostas devem estar formalmente estabelecidas no Brasil.

A nova lei criou diretrizes de conformidade para o setor das apostas com condições para licenciamento e operação no Brasil. Também passou a exigir que as empresas implementem políticas e controles internos em quatro áreas principais, conforme detalhado a seguir.

Em primeiro lugar, a lei estabeleceu regras para a prestação dos serviços aos apostadores. Com isso, assegurou aos apostadores tratamento justo e a aplicação dos direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor.

A lei também estipulou que os operadores de apostas devem fornecer aos apostadores um serviço de atendimento adequado e assegurar que as suas dúvidas e solicitações sejam tratadas prontamente.

Os operadores de apostas devem, também, disponibilizar um serviço gratuito de apoio ao cliente e uma ouvidoria, ambos em português, para lidar com reclamações e solicitações.

Em segundo lugar, a lei estabeleceu regras para a prevenção à lavagem de dinheiro (PLD) e ao financiamento do terrorismo (FT) como uma das diretrizes mais importantes a serem seguidas, uma vez que a indústria das apostas é conhecida por ser um setor de alto risco.

Por conseguinte, os operadores de apostas são obrigados a comunicar as transações suspeitas ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), em linha com o disposto na lei brasileira sobre lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/98).

Além disso, a Lei de Apostas prevê a implementação de procedimentos para o cadastro de novos apostadores, a fim de evitar a participação de menores e garantir a conformidade com os regulamentos de PLD/FT.

Em terceiro lugar, tendo em vista os potenciais riscos associados às apostas esportivas, a lei também incluiu disposições para a prevenção da dependência em jogos de azar e dos distúrbios patológicos associados a estes tipos de jogos (ludopatia). Por conta disso, a lei previu o conceito de “jogo responsável” com o intuito de proteger os grupos mais vulneráveis.

A lei abordou esta questão estabelecendo requisitos mínimos para a publicidade e a promoção de práticas de jogo responsáveis. Além disso, a Lei de Apostas estabeleceu certas proibições para os apostadores, incluindo restrições à participação em determinados tipos de apostas, a fim de preservar a integridade do ecossistema de apostas. Por exemplo, proprietários, administradores, diretores, pessoas com influência significativa, gestores ou empregados de lojas de apostas (operadores de apostas) estão proibidos de fazê-las.

Em quarto lugar, a integridade das apostas e a prevenção da manipulação dos resultados são um dos pilares da Lei de Apostas. A lei exige a implementação de sistemas auditáveis que garantam a transparência e a equidade no jogo e que estejam sujeitos à supervisão do Ministério das Fazenda para garantir que as atividades de apostas sejam conduzidas de forma honesta e sem fraudes.

Existem vários outros aspectos relevantes da norma, como os regulamentos de proteção de dados, regras tributárias, as regras para o “onboarding” de apostadores e os regramentos adicionais para as instituições financeiras.

Há muitos desafios pela frente, uma vez que a Lei de Apostas ainda depende de regulamentação do Ministério da Fazenda, que estabelecerá diretrizes pormenorizadas para diversos pontos.

No entanto, o Governo Federal já criou a Secretaria de Prêmios e Apostas, responsável por supervisionar a aplicação da lei, garantindo a conformidade e promovendo as melhores práticas na indústria. A criação da referida Secretaria sinaliza o compromisso do governo em viabilizar o funcionamento de um ambiente regulado, transparente e responsável para as apostas.

Em resumo, a Lei de Apostas e o decreto representam uma abordagem completa à legalização e regulamentação das apostas esportivas no Brasil. Ao abordar a conformidade, prevenir a ludopatia e garantir a integridade das atividades de apostas, a legislação estabelece um precedente para práticas de jogo responsáveis. A criação da Secretaria de Prêmios e Apostas reforça a importância da supervisão e da governança na promoção de um ecossistema de apostas seguro e justo.

Isadora Postal Telli
Advogada do Souto Correa na área de bancário e fintechs

Guilherme Aresi Madruga
Advogado do Souto Correa na área penal empresarial e compliance