SÁB 6 DE JULIO DE 2024 - 02:55hs.
Fernanda Soares, sócia na AK Direito na Comunicação e no Esporte

Por que apenas uma casa de apostas solicitou autorização à Fazenda para operar no Brasil até agora?

A aguardada Portaria SPA/MF nº 827 trouxe as regras e condições para a exploração de apostas esportivas e jogos online no Brasil. Contudo, até agora, apenas uma operadora solicitou autorização para atuar. Em outubro de 2023, 134 empresas tinham manifestado interesse oficialmente. Porém, a regulamentação não avançou rapidamente, gerando incertezas e atrasos. Nesta coluna exclusiva para o GMB, Fernanda Soares, sócia na AK Direito na Comunicação e no Esporte, explica os possíveis motivos.

A tão esperada Portaria SPA/MF nº 827, que prevê regras e condições para a exploração comercial de apostas esportivas e jogos online no Brasil, foi publicada em 22 de maio de 2024.

Surpreendentemente, até a data de publicação deste artigo, apenas uma casa de apostas solicitou autorização do Ministério da Fazenda para operar no país. Mas a surpresa tem explicação, cuja síntese pode ser feita em duas palavras: insegurança jurídica.

Para entender essa insegurança jurídica, poderíamos voltar até 2018, com a publicação da Lei nº 13.756/18. Mas muito pouco (ou quase nada) foi feito em termos de regulamentação das apostas esportivas, mercado que chegou a movimentar cerca de R$150 bilhões em 2022. Pois bem, avancemos para o ano de 2023.

Em 27 de outubro de 2023, o Ministério da Fazenda editou a Portaria Normativa MF nº 1330/2023, estabelecendo um prazo de 30 dias para que as empresas interessadas em operar apostas de quota fixa no Brasil apresentassem uma manifestação prévia de interesse. Nesse curto período, 134 empresas manifestaram interesse, escancarando o forte potencial do mercado para apostas esportivas no país.

No entanto, novamente o processo de regulamentação não avançou de maneira célere. Foi apenas em abril de 2024 que o Ministério da Fazenda publicou uma portaria com um cronograma detalhado para regulamentar o mercado de prêmios e apostas on-line. A expectativa era grande, pois as empresas aguardavam ansiosamente as regras claras para operar no Brasil. Contudo, a lenta regulamentação criou um ambiente de incerteza e insegurança jurídica, impactando negativamente o interesse das empresas em seguir adiante com suas operações no país.

A Portaria SPA/MF nº 827 foi publicada somente em 22 de maio de 2024. Este documento foi bastante esperado pelo setor e é fundamental para definir o funcionamento do mercado de apostas esportivas no país. De acordo com a Portaria, os interessados em operar no mercado brasileiro de apostas podem se inscrever a qualquer momento.

No entanto, aqueles que desejam iniciar suas operações em 2025 devem solicitar a autorização até o dia 20 de agosto. Os aprovados serão notificados até o dia 18 de novembro, e a outorga necessária para operar no país deverá ser paga até 18 de dezembro. Com isso, no dia 31 de dezembro, todas as autorizações serão concedidas, permitindo que os operadores comecem a prestar seus serviços ao país a partir do início do novo ano.

Ocorre que a demora na publicação da Portaria gerou uma série de consequências, incluindo a intensificação das regulamentações estaduais. Durante o período de espera, alguns estados brasileiros tomaram a iniciativa de intensificar o credenciamento de casas de apostas em âmbito estadual. Um exemplo claro é o estado do Rio de Janeiro, onde a Loterj, a autarquia de loterias do governo estadual, já credenciou 5 casas de apostas esportivas e outras 7 seguem em processo de credenciamento. Esse movimento criou uma alternativa para as empresas que buscavam operar no mercado brasileiro sem depender exclusivamente da regulamentação federal.

A licença concedida pelo Rio de Janeiro permite que as casas de apostas atuem em todo o território nacional, o que gerou um conflito com a União. No final de março, o Ministério da Fazenda solicitou que a Loterj modificasse trechos do seu edital para que autarquia deixasse de credenciar empresas para atuação nacional.

As empresas cadastradas no Rio de Janeiro seguem normas que, em alguns aspectos, divergem das normas federais. Uma das principais diferenças é o valor da licença para operar: enquanto a União exige um pagamento de R$ 30 milhões, o governo estadual do Rio de Janeiro cobra apenas R$ 5 milhões. O jogo está sendo disputado com regras diferentes para cada lado.

Essa discrepância cria um ambiente de competição desigual e, obviamente, de insegurança jurídica. A falta de acordo entre os estados e o governo federal levou a questão ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7640.

Proposta pelos governadores de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Acre, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e do Distrito Federal, a ADI questiona dois pontos principais da legislação. Primeiro, o parágrafo segundo do artigo 35-A da Lei 13.756/2023, que limita uma concessão a um grupo econômico ou pessoa jurídica a apenas um estado ou ao Distrito Federal. Segundo, o parágrafo quarto do mesmo artigo, que restringe a destinação de publicidade a pessoas fisicamente localizadas nos estados.

Os governadores argumentam que essas limitações reduzem o número de licitantes e podem fomentar uma competição indesejada entre os estados. Estados menores, com menos habitantes e, portanto, um mercado potencial menor, poderiam ser particularmente prejudicados, sendo forçados a emitir seus próprios processos de licenciamento rapidamente para atrair grandes empresas.

A demora do governo federal em regulamentar o mercado de apostas esportivas também atrasa a arrecadação de receitas significativas que poderiam ser obtidas a partir das operações dessas empresas. Essa delonga não só prejudica o potencial econômico do país, mas também cria um ambiente de incerteza para os investidores e operadores de apostas.

A insegurança jurídica gerada pela demora na publicação das portarias federais é um dos principais fatores que explicam por que apenas uma casa de apostas solicitou autorização à Fazenda para operar no Brasil até agora. As empresas estão receosas em investir em um mercado que ainda não possui regras claramente definidas e que apresenta conflitos entre as regulamentações estaduais e federais. Essa situação ressalta a necessidade urgente de um marco regulatório claro e eficiente para o setor de apostas esportivas no país.

Fernanda Soares
Advogada, mestre em direito desportivo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), especialista em negócios no esporte pelo Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN/MG). internacionalista pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG) e especialista em negócios internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Especialista em privacidade e proteção de dados pessoais. Sócia na AK Direito na Comunicação e no Esporte, líder de privacidade e proteção de dados pessoais. Membro da Comissão de Direito Desportivo da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Minas Gerais (OAB/MG). Membro colaborador da Comissão de Direito Desportivo da Ordem dos Advogados do Brasil seção Espírito Santo (OAB/ES).