LUN 25 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 04:32hs.
Fernanda Soares, sócia na AK Direito na Comunicação e no Esporte

Casas de apostas: parceiras no combate à manipulação de resultados no mercado esportivo

A manipulação de resultados é um dos maiores desafios enfrentados pelo esporte moderno, comprometendo a integridade das competições e a confiança do público. Nesta coluna exclusiva para o GMB, Fernanda Soares, sócia na AK Direito na Comunicação e no Esporte, explica como esse fenômeno não apenas afeta torcedores, atletas e patrocinadores, mas também prejudica severamente as casas de apostas,

A manipulação de resultados é, sem dúvida, um dos maiores desafios enfrentados pelo esporte moderno. A crescente visibilidade e o volume de dinheiro envolvido nas competições esportivas tornaram a integridade dessas competições um alvo para atividades ilícitas.

Em recentes reuniões da CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas, alguns Senadores questionaram o fato de que as casas de aposta não estariam realizando reportes sobre suspeitas de manipulação de resultados.

Este questionamento implica no debate sobre se as casas de apostas são culpadas por omissão ou vítimas do crime de manipulação de resultados.

Este artigo busca analisar essa questão, destacando a necessidade de uma ação coordenada entre todos os atores do mercado esportivo para combater essa ameaça.

O impacto da manipulação de resultados

A manipulação de resultados é um ataque direto à imprevisibilidade do esporte. Quando o resultado de uma partida ou competição é manipulado, a confiança dos torcedores, atletas e demais integrantes do sistema esportivo é profundamente abalada. O esporte, como produto, perde seu valor e o espectador deixa de assisti-lo quando não há mais uma expectativa de imprevisibilidade.

O que se vê a longo prazo é a progressiva diminuição do interesse das pessoas pelo esporte. Naturalmente, esse efeito dominó afeta de forma negativa todos os setores da indústria esportiva; isso inclui desde a venda de ingressos até direitos de transmissão e merchandising, por exemplo.

Neste cenário, portanto, investidores tendem a se afastar de um produto que não é mais confiável, tornando-o menos atraente do ponto de vista econômico. Patrocinadores no esporte buscam retorno positivo de imagem e credibilidade; e estas características são comprometidas, o afastamento é quase inevitável.

Casas de apostas: vítimas da manipulação

No cenário de completa perda de credibilidade do esporte causado pela manipulação de resultados, poderiam as casas ganhar algo? Não parece razoável entender que sim. Ao contrário, as casas de apostas parecem ser também vítimas dessa prática criminosa.

No curto prazo, as empresas serão obrigadas a pagar uma aposta realizada em uma odd maior do que naturalmente seria, com base em um evento fabricado.

No longo prazo, sem um esporte íntegro e confiável, os apostadores naturalmente perdem o interesse em participar do mercado de apostas. As empresas dependem fortemente da integridade e imprevisibilidade do esporte para operar. Quando essa confiança é abalada, o mercado de apostas sofre um impacto negativo significativo; qualquer forma de manipulação destrói a essência do mercado de apostas, que é a incerteza do resultado.

A importância da integridade no esporte

O mercado de apostas é enorme e tem um potencial de crescimento impressionante. Segundo a Statista, uma plataforma global de dados e business intelligence, o impacto econômico dos jogos de azar nas economias nacionais foi astronômico no período de 2020 a 2024. O mercado global de jogos de azar online, sozinho, deverá gerar impressionantes US$ 97,70 bilhões até o final de 2024, com uma taxa de crescimento anual de 6,46% que deverá fazer o volume do mercado chegar a US$ 133,60 bilhões até 2029.

Esse crescimento, no entanto, está diretamente atrelado à integridade do esporte; o cenário de manipulação de resultados ameaça todo esse mercado. A integridade do esporte deve ser uma prioridade para todos os envolvidos no mercado esportivo, incluindo as casas de apostas. Só quem ganha com a manipulação de resultados é o manipulador; todos os demais atores do mercado esportivo perdem.

Regulação do mercado e estabelecimento de procedimentos de reporte de suspeitas de manipulação de resultados

Empresas de apostas esportivas sérias desejam operar no Brasil em um mercado regulado; o combate à manipulação de resultados é muito mais efetivo em um mercado regulado, no qual o Estado pode implementar e fazer cumprir regras claras que garantem a transparência e a integridade das apostas.

A regulação permite uma supervisão mais rigorosa e a aplicação de medidas preventivas, como monitoramento de padrões de apostas suspeitas e colaboração entre diferentes partes interessadas.

Para que as empresas de apostas esportivas possam aumentar a colaboração com as autoridades no combate à manipulação de resultados, é necessário estabelecer procedimentos claros para relatar manipulação de resultados. Isso inclui, por exemplo, a definição de responsabilidade; definir claramente quais são as funções dos operadores e quais são as funções das autoridades públicas. Um sistema bem definido de responsabilidades garante que todas as partes interessadas saibam exatamente o que se espera delas e quais são suas obrigações.

Além disso, é crucial o estabelecimento de um prazo de resposta sobre as suspeitas relatadas. Prazos específicos para as atitudes que serão tomadas sobre as suspeitas de manipulação ajudam a garantir transparência e assegurar que as questões sejam tratadas de maneira eficiente. A falta de um prazo claro pode levar a atrasos na investigação e resolução de casos, o que pode permitir que a manipulação continue sem ser detectada.

Acima de tudo, porém, é necessário garantir a proteção dos denunciantes: garantir que aqueles que relatam suspeitas estejam protegidos contra qualquer tipo de retaliação. Lidar com crime e com organizações criminosas torna o ato de reportar suspeitas de manipulação de resultados sem procedimentos claros um risco significativo.

A responsabilidade coletiva

Enfrentar a manipulação de resultados exige uma abordagem coletiva. Atletas, treinadores, administradores, patrocinadores, torcedores e casas de apostas precisam estar unidos na luta contra essa prática nociva. Somente através de um esforço coordenado será possível preservar a integridade do esporte e garantir que ele continue a ser um espetáculo imprevisível e emocionante para todos os envolvidos.

As entidades de administração do esporte e as autoridades públicas devem implementar políticas rigorosas e sanções severas contra aqueles que participam de manipulação de resultados. Educar atletas e todos os envolvidos sobre os riscos e consequências da manipulação é também crucial. Transparência e cooperação entre todas as partes são fundamentais para construir um ambiente esportivo seguro e justo.

Conclusão

A visão de que as casas de apostas são, de alguma forma, cúmplices na manipulação de resultados é equivocada e não faz sentido lógico. Elas são, na verdade, vítimas dessa prática, assim como o resto do mercado esportivo. A única forma de enfrentar esse desafio é por meio de uma ação conjunta que envolva todos os atores do mercado esportivo, desde atletas e torcedores até patrocinadores e casas de apostas.

Somente com um esforço coordenado será possível preservar a integridade do esporte e garantir que ele continue a ser um espetáculo imprevisível e emocionante para todos os envolvidos. É fundamental o estabelecimento de mecanismos claros de reporte sobre suspeitas de manipulação de resultados.

A implementação de canais de comunicação eficazes e seguros não apenas facilita a denúncia, mas também assegura a proteção dos denunciantes que, ao se posicionarem contra práticas ilícitas, devem ser amparados e protegidos contra retaliações. A criação de um ambiente pautado pela transparência e pela responsabilidade coletiva é fundamental para fortalecer a confiança no sistema esportivo e, consequentemente, preservar a essência do esporte.

Fernanda Soares
Advogada, Mestre em Direito Desportivo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Especialista em Negócios no Esporte pelo Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN/MG). Sócia na AK Direito na Comunicação e no Esporte, líder de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais. Membro da Comissão de Direito Desportivo da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Minas Gerais (OAB/MG). Membro colaborador da Comissão de Direito Desportivo da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Espírito Santo (OAB/ES).