Com a recente aprovação da Lei n.º 14.790, de 2023, o Brasil está à beira de uma revolução no cenário das apostas esportivas. Estima-se que esse mercado movimente, anualmente, cerca de R$ 10 bilhões no país, o que representa um vasto potencial de receita para a economia.
Até o momento, já são mais de 100 manifestações entre operadores nacionais e estrangeiros interessados em ingressar nesse mercado, que projeta uma taxa de outorga máxima de R$ 30 milhões à União para exploração da atividade.
Publicada em abril, a Portaria Normativa SPA/MF n.º 615 estabelece normas rigorosas para assegurar a transparência, a legalidade e a integridade da comercialização das apostas na modalidade de quotas fixas – por agentes econômicos privados em todo o território nacional.
Uma das principais determinações desta portaria refere-se aos aportes e retiradas, os quais devem ser realizados exclusivamente via transferência eletrônica (como Pix, TED, cartão de débito ou pré-pago), excluindo a adoção de dinheiro em espécie, boletos, cheques, criptoativos e cartões de crédito.
No que tange as retiradas, elas devem ser processadas em até 120 minutos após a solicitação pelo apostador e os prêmios devem ser pagos em até 120 minutos após o encerramento do evento, proporcionando uma experiência mais ágil e confiável para os usuários.
Com essas exigências, a portaria cria um ambiente regulamentado onde as fintechs podem fornecer soluções seguras e rápidas para processamento de pagamentos, gerenciamento de contas e mitigação de riscos financeiros, garantindo a integridade e a confiabilidade do mercado de apostas esportivas no Brasil.
Outro ponto de destaque é a exigência para que os recursos dos apostadores sejam mantidos em contas transacionais segregadas do patrimônio do agente operador. Ou seja, os fundos dos jogadores devem ser mantidos separadamente dos ativos da empresa de apostas, impedindo sua utilização para outros fins que não o pagamento de prêmios ou a realização de apostas.
Isso garante maior proteção dos recursos em caso de problemas financeiros enfrentados pelo operador, evitando que os jogadores sejam comprometidos por dívidas ou outras obrigações da empresa.
Mais recentemente, a Portaria Normativa SPA/MF n.º 827 foi publicada em complemento, com detalhes aos requisitos de transparência, legalidade e integridade para os agentes econômicos privados que façam a exploração comercial das apostas de quota fixa. Neste contexto, o principal ponto é a necessidade de comprovação de habilidade jurídica para obtenção de autorização, prevendo a apresentação do contrato social, organograma interno e estrutura organizacional.
A segurança jurídica, por sua vez, inclui ainda a comprovação de uma reserva financeira mínima de R$ 5 milhões e um capital social integralizado de R$ 30 milhões. A regularidade fiscal e trabalhista, idoneidade, além da qualificação técnica e econômico-financeira completam os critérios estabelecidos para a análise de autorização.
A rapidez nessa comprovação será beneficiada: para quem submeter seus requerimentos nos primeiros 90 dias da publicação, o deferimento das autorizações será publicado até o dia 31 de dezembro de 2024. Este cronograma viabiliza previsibilidade e segurança para os interessados, que serão penalizados ao não se adequar às novas regras até o final de 2024: a partir de 1º de janeiro de 2025, qualquer operação sem a devida autorização estará sujeita a sanções, reforçando a seriedade do governo em regulamentar e fiscalizar o setor. O sucesso no novo ambiente, então, depende da capacidade de adaptação às novas responsabilidades que surgem.
A regulamentação também exige a apresentação de um código de conduta e de difusão de boas práticas de publicidade e propaganda durante a qualificação técnica com o objetivo de garantir a promoção de um consumo consciente por parte do público-alvo, sem que haja o comprometimento da saúde financeira dos apostadores.
Todas essas implicações, que já são bastante significativas para o setor, abrem portas para oportunidades no ecossistema das fintechs. Com agilidade, adaptabilidade e foco em tecnologia, as fintechs poderão atuar como agentes operadores e/ou fornecedores de uma variedade de serviços, do processamento de pagamentos até o gerenciamento de riscos.
Em resumo, as atualizações trazidas pelas Portarias 615 e 827 são passos importantes para a profissionalização e legalização do mercado de apostas no Brasil. A implementação dessas medidas exigirá um esforço significativo das empresas do setor, mas, em contrapartida, trata-se de um avanço para alinhar o Brasil às melhores práticas internacionais em regulamentação de jogos de apostas.
À medida que o país se prepara para este novo capítulo, as fintechs têm a oportunidade de desempenhar um papel crucial na construção de um ecossistema equitativo, seguro e benéfico para todos os envolvidos, contribuindo para o crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável desse mercado.
Diego Perez
Presidente da ABFintechs, diretor de tesouraria na FinTech IberoAmérica e co-founder da SMU Investimentos