JUE 14 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 02:56hs.
Victoria Fernandes, Head of Legal na Kambi

Do caos à ordem: Regulamentação e supervisão como solução para o descontrole das apostas no Brasil

Victoria Fernandes, Head of Legal na Kambi, expressa suas preocupações em relação ao estado atual dos jogos de azar e apostas no país e sua repercussão na mídia, destacando a necessidade urgente de ação regulatória. Ao contrário de outros países que regulamentaram com sucesso seus mercados de iGaming, a advogada acredita que o atraso prolongado do Brasil em estabelecer regras permitiu operações desenfreadas e não monitoradas.

Tenho observado inúmeras manchetes sobre o descontrole dos jogos de azar e apostas no Brasil. É uma situação extremamente séria e preocupante, que precisa ser tratada com a devida seriedade pelos reguladores do país. Infelizmente, o Brasil se encontra em uma tempestade perfeita sem paralelo em outras partes do mundo.

Como minha área de atuação é apostas esportivas, vou focar nisso. Minha principal responsabilidade nos últimos quatro anos tem sido entender a regulamentação e a indústria em diversos países onde operamos. Quando digo que a situação no Brasil é sem paralelo, baseio-me nessa experiência.

Nas últimas décadas, muitos países regulamentaram seus mercados de apostas esportivas, permitindo que operadores privados desenvolvessem suas atividades de forma competitiva e sob a supervisão de uma autoridade reguladora. Essas autoridades, além de se preocuparem com a arrecadação, também focam na saúde pública e na prevenção de manipulação de resultados (match-fixing). Antes disso, esses mercados eram, em sua maior parte, monopolizados ou a atividade era proibida.

A transição dos mercados mais maduros ocorreu quando a internet já existia, mas ainda não dominava outras formas de entretenimento e informação da forma maciça como vemos hoje. Países que regulamentaram mais recentemente fizeram isso de forma mais rápida e com controle mais restrito, limitando a expansão do mercado antes que o sistema regulatório estivesse presente.

A regulamentação, mesmo que não muito restritiva, inibe certos comportamentos, pois o arcabouço legal geral de um país pode ser usado contra abusos.

No Brasil, a tempestade perfeita se formou quando o país legalizou as apostas esportivas em 2018, mas demorou quase seis anos para implementar um sistema de regras e licenciamento. Isso permitiu que o mercado operasse sem controle. Outros fatores da tempestade perfeita incluem alta penetração da internet, uso intenso de redes sociais, baixa renda e baixa escolaridade.

Isso resultou em marketing absolutamente irresponsável, associando apostas esportivas e jogos a enriquecimento e investimento. O resultado é o que estamos vendo agora.

Essa situação levanta questões importantes sobre a responsabilidade dos influenciadores e dos times em relação aos seus patrocinadores e sobre a inércia do poder público. No entanto, a regulamentação das apostas esportivas, que tem se mostrado coerente, deve continuar.

A proibição total das apostas esportivas é impraticável, considerando a realidade da internet e da experiência com jogo em pontos físicos das bancas do bicho. This genie is out the bottle e não dá pra colocar ele de volta. O caminho para resolver essa lambança é uma regulamentação de qualidade, diálogo com a indústria e supervisão constante.

Espero sinceramente que o Brasil não retroceda e siga o exemplo de importantes economias do mundo. A solução está em avançar com responsabilidade e não em retroceder.

Victoria Fernandes
Head of Legal na Kambi / Regulatory complience