JUE 14 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 02:58hs.
Amilton Noble, CEO na Hebara Distribuidora de Produtos Lotéricos

O mercado das bets no Brasil chegou à sua exaustão?

Neste artigo exclusivo para o GMB, Amilton Noble, CEO da Hebara Distribuidora de Produtos Lotéricos, aborda oportunamente a crescente desinformação sobre o mercado de apostas esportivas no Brasil. Ele destaca a importância de uma regulamentação adequada, expõe equívocos comuns sobre o retorno ao jogador (RTP) e critica prazos desnecessários para a adaptação das empresas às novas regras. Além disso, Noble também alerta para o perigo de retrocessos no setor.

Na última semana ocorreu uma avalanche de informações (a maioria desinformações) sobre o mercado de apostas esportivas e jogos online no Brasil.

É assustador como se propagam notícias, até por órgão oficiais, sem conhecimento de causa e, principalmente, sem conhecer os fundamentos do mercado.

Ouvimos coisas estarrecedoras, inclusive de parlamentares.

Como diria Barão de Itararé, "de onde menos se espera, daí é que não vai sair nada mesmo".

Ser contra os jogos é um direito legítimo de qualquer cidadão. Mas desinformar, para defender o seu ponto de vista, não é.

Ouvi coisas do tipo:

Temos que proibir, pois esses jogos devolvem 10% de prêmios aos jogadores e as casas enriquecem ficando com 90%.

E o pior, absurdos como esse se não forem contestados viram verdade.

O mercado de bets só cresceu pois pratica um RTP (return to player) que chega a 97% em alguns casos. A média no Brasil deve girar entre 90 e 92%.

É isso mesmo. A verdade é essa. A cada 100 reais apostados, 90 a 92 reais são devolvidos aos apostadores como prêmio.

As próprias portarias publicadas recentemente pelo Governo estabelecem um RTP mínimo de 85%.

Daí alguém diz que tem que fechar as casas de apostas pois pagam 10% de prêmio e "fica tudo bem".

Ouvi outro defender que precisa proibir o Pix para apostas pois isso está endividando a população. Este alguém representa o sistema bancário que pratica juros no cartão de crédito que ultrapassam 400% ao ano e que trabalha com o famigerado empréstimo consignado que, especialmente na classe aposentada, causou um estrago brutal.

Quando ouvi essa aberração lembrei logo do Ciro Gomes que norteou suas duas últimas campanhas presidenciais defendendo ações para "tirar 60 milhões de brasileiros do Serasa". E ali nem se falava da existência das bets. Pimenta nos olhos dos outros é refresco ...

Mas a maior violência é pensar em me proibir de usar o Pix (dinheiro meu e disponível no meu banco) para que eu use onde eu quiser. A discussão do uso de cartão de crédito é válida e já deveria ter sido proibido esse meio de pagamento, apesar de não ter efeito prático, pois quase ninguém do setor aceita cartão.

Mas a Febraban também vai propor proibir o uso de cartão para parcelar o Pix como muitos bancos (inclusive o que se intitula o maior) estão fazendo?

As apostas só chegaram aonde chegaram pois o RTP é alto. O consumidor não é bobo.

Alguns, com espanto, fizeram um estardalhaço que as apostas de quota fixa superaram as loterias federais na proporção de 10 X 1.

Como comparar um produto que devolve ao apostador 90 a 92% do que é jogado contra outro que devolve 43% e é totalmente obsoleto, sem nenhum lançamento nos últimos 2 anos e meio?

Li também afirmação que mesmo com esse faturamento 10 X 1 as AQFs revertem menos impostos que as loterias.

Se quem escreveu isso conhecesse como o mercado funciona, e pensasse apenas 30 segundos no que escreveu, não teria ficado surpreso, pois é uma lógica que até uma criança começando a aprender matemática entende.

As loterias oficiais brasileiras, administradas pela Caixa, cometem a absurda prática de retirar fatias dos "impostos" sobre o turnover (total geral das apostas). Isso faz com que o apostador seja "prejudicado" com um retorno muito baixo (um dos menores do mundo). Sob o discurso de que precisamos recursos para benefícios sociais (todos eles certamente muito nobres e merecedores) praticamos a "tunga" desses recursos penalizando o apostador. Dá no que dá. Uma arrecadação pífia de pouco mais de US$ 4 bilhões de dólares por ano.

Já nas apostas de quota fixa, a partir de 2025 a tributação será feita de forma correta, sobre o GGR (gross gaming revenue), que é o saldo entre o total apostado deduzidos os prêmios pagos. Ora, se a receita dos operadores de apostas é o que se aposta menos o que é pago de prêmios só daí é que poderá ser tributado alguma coisa. Nada mais óbvio.

E como o RTP é alto, consequentemente o GGR é baixo. Simples assim.

Por isso vejo com duplo espanto a verborragia de imprensa, ministérios, autoridades monetárias, entidades de classes etc.

Pessoas qualificadas (algumas até participantes da edição de atos regulatórios) têm falado tanta bobagem que as vezes tenho náuseas ao ler...

Estamos passando pela regulamentação do setor. Regulamentação tardia e que conteve acertos e muitos erros.

Criticar a "criminosa demora" do governo passado em regulamentar é fácil e não está de todo equivocada. Realmente ficamos esperando quatro anos PARA QUE UMA LEI FOSSE CUMPRIDA e nada.

Mas esse não é um problema isolado. É verdade o que disse o ministro Fernando Haddad a respeito disso recentemente.  Verdade também que o governo atual foi célere em apresentar uma medida provisória tentando regulamentar "a fórceps" o mercado. Não foi bem-sucedido, pois acabou no buraco negro da queda de braço com o Congresso Nacional, que queria, e foi, protagonista do assunto.

Mas onde o governo pecou, e ainda não reconheceu.

Errou feio ao não "bater pé" de que várias medidas da nova regulamentação deveriam ter efeito imediato, e não confirmando um prazo de adequação "até o fim do ano".

Aqui cabem alguns questionamentos:

Por que empresas sérias do segmento precisam de prazo para praticar os princípios de jogo responsável?  O que é certo e certo, não precisa o governo me dizer isso...

Qual a razão de uma empresa do segmento precisar prazo para adequar sua linguagem de comunicação ao que sugeriu o Conar se o que ali está previsto é tão óbvio e necessário para um mercado saudável?

Qual a razão de aceitar pagamento em cartão de crédito (dinheiro de terceiros)?

Isso não pode ser creditado à herança maldita como outrora se chamavam os problemas herdados de governos anteriores. Errou feio o governo.

É claro que o processo de regulamentação vem para separar o joio do trigo. Não é a toa que sempre ouvimos falar que atualmente existem mais de 4.000 sites operando no Brasil e só tivemos 113 empresas que requereram a licença.

A demora do governo de emitir portarias importantes para o setor também contribuiu para isso. Até 20 dias antes do fim do prazo não se sabia o que poderia ser feito. A portaria que definiu as modalidades só foi publicada em final de julho e o prazo para requerimento da licença expirou em 20 de agosto. Mais um ponto negativo para o Governo. E a culpa toda é do governo passado...

É claro que atualmente tem mais gente torcendo para o mercado não ser regulado (4.000 X 113) do que o inverso.

E o pior é que parece que os atores principais desse filme estão caindo nessa arapuca.

Respondendo o título desse artigo afirmo que não, o mercado de apostas não chegou à exaustão.

É um mercado pujante que, como qualquer outro, precisa de regras clara, de segurança jurídica, de previsibilidade e, principalmente, de serenidade e de conhecimento de seu funcionamento.

Enquanto as pessoas que escrevem a respeito não souberem distinguir turnover, GGR, cash in e cash out continuaremos sendo submetidos a um linchamento público e moral que faz mal ao Brasil.

Fica um alerta. Muito pior será se continuar tudo como está ou se pensarmos novamente em proibir. Retroagiremos várias casas nesse jogo de tabuleiro e quem vai dar esse passo pra trás é a sociedade brasileira.

Amilton Noble
CEO da Hebara Distribuidora de Produtos Lotéricos, atuando no mercado de jogos há mais de 30 anos.