Este é o Brasil em um vislumbre:
Um país com +215 milhões de habitantes, com jogos de azar proibidos desde 1946, escassas experiências nos últimos 20 anos com bingos e máquinas caça-níqueis, finalmente banidos devido à extensa corrupção política dentro da atividade.
Nos últimos sete anos, houve várias tentativas de regulamentar o jogo, no regime de Temer e Bolsonaro e agora parece continuar no governo Lula da Silva, como uma extensão da mesma bobagem de falar muito para não produzir nada.
Mesmo com a aprovação do regulamento de apostas esportivas de probabilidade fixa em dezembro de 2018 sob a denominação disfarçada de loteria, com dois anos para desenvolver as regras necessárias para implementar as apostas esportivas online e varejistas em nível federal, quatro anos e meio depois de ainda estarmos no limbo de saber o que e quando isso vai acontecer.
Para tornar as coisas mais bizarras, agora parece que o decreto 13.756 do regulamento de apostas esportivas de 2018 será discutido sob um regulamento mais amplo, incluindo todos os segmentos e verticais de jogos.
Claro, isso é apenas algo publicado e divulgado sob uma videira oficial muito particular e não oficial, então não se pode garantir o que e como isso vai acontecer.
Durante este período, muitas especulações foram feitas sobre o tamanho do mercado e quanto o governo arrecadaria em impostos de uma hipotética regulamentação do jogo. Números estão fluindo, dependendo de onde, que o governo está perdendo de 3 a 5 bilhões de dólares em impostos sobre jogos de azar, como um exemplo da quantidade de absurdo que está fluindo devido à falta de transparência e não tendo fatos reais sobre os quais basear qualquer tipo de projeção do negócio.
Entretanto, os números oficiais e não oficiais do jogo existente no Brasil dão uma ideia do valor de mercado. Por exemplo, a loteria da Caixa Federal arrecadou em 2022 mais de 2,3 bilhões de dólares americanos de receita bruta, ou o popular jogo “ilegal” do bicho também estima-se dobrar esse valor (sic…), com sua loteria / jogo de apostas de animais de 25 números.
Devido a esse vácuo regulatório, os bicheiros – agentes do jogo do bicho – estão usando sua rede para aceitar apostas nas operadoras internacionais de jogos e apostas on-line baseadas offshore.
Estima-se que cerca de meio milhão de agentes do jogo do bicho estejam espalhados por todas as unidades federativas do Brasil. Só o Rio de Janeiro conta com cerca de 60 mil agentes do jogo do bicho.
Sem falar nas inúmeras operações ilegais de caça-níqueis e bingos espalhadas por todos os estados federais.
Um cenário muito estranho se desenrolou no Brasil com as expectativas da regulamentação nos últimos anos; a maioria, se não todas as grandes operadoras de jogos online se mudaram para estabelecer uma base no Brasil, assinaram acordos de patrocínio consideráveis com quase todos os clubes de futebol e outros esportes do país, mostrando as marcas livremente nas camisas dos jogadores, anunciando as marcas online esperando e sem qualquer quadro regulamentar em vigor.
Isso significou um investimento extraordinário a ser somado aos custos de manter as bases dessas empresas no país à espera de uma regulamentação que simplesmente não está acontecendo.
O jogo de cassino online, por exemplo, foi incluído na regulamentação geral do Projeto de Decreto 442/91, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022 e ainda está no limbo para ser discutido e confirmado pelo Senado.
O novo governo e a nova composição das casas legislativas acrescentam incertezas ao futuro deste projeto de lei, apesar de todas as versões que aparecem no noticiário quinzenalmente, com comentários de deputados e senadores e alguns dirigentes do governo no Ministério da Economia.
Faz parte desses comentários que todo o projeto está em análise pelas câmaras legislativas e isso significa quase como um recomeço do processo, incluindo o já aprovado segmento de apostas esportivas.
Enquanto isso não acontece, inúmeras senão centenas de empresas de jogos e apostas online estão todos os dias especulando com seus objetivos e quão grande é o mercado de jogos de azar brasileiro e quão extraordinário será o negócio.
Até aqui, temos que ser realistas, porque o Brasil apesar de ser um mercado de +213 milhões de pessoas, a renda per capita é um quinto da média dos países da UE e dos EUA.
Ou seja, que o valor do mercado está entre um quarto e um quinto do tamanho em habitantes para igualar o valor de mercado e a capacidade aos padrões a que estamos acostumados, o que significa que se pode estimar que terá o tamanho de um 50-60 milhões no mercado europeu, por exemplo, Itália ou França, não chegando nem perto do valor de mercado do Reino Unido.
Já temos a experiência de como alguns mercados regulados estão se comportando na América Central e do Sul, ou seja, México com um “meio” ambiente regulado, ou Colômbia um mercado totalmente regulado.
Para termos uma visão real do que o mercado pode ser, ainda faltam fatores importantes que impactam no desempenho do negócio e no resultado final da operação, por exemplo:
a) se o cassino online e as apostas serão regulamentados para oferecer um portfólio completo e adequado dos produtos de casino e apostas incluídos na oferta de sites (até agora as apostas esportivas estão a ser reguladas separadamente e o cassino ainda pendente de ser incluído no projeto de regulamentação geral do jogo)
b) tributação sobre as receitas de apostas e jogos; percentagem do imposto e se aplicado sobre NGR ou volume de negócios; que outros impostos colaterais existem (isso é muito comum na América Central e do Sul), impostos locais, impostos estaduais, outros impostos sociais a serem adicionados ao imposto sobre jogos
c) haverá um imposto sobre as vitórias do jogador como está estabelecido para a loteria nacional (30% sobre os ganhos).
Estas são apenas três áreas de preocupação, porque se assume que os custos de licenciamento (para já estabelecidos em cerca de 5,5 a 6 milhões de dólares americanos); acrescentar especificações técnicas se forem rigorosas e devidamente regulamentadas; prazo para emissão das licenças; e agência reguladora independente e qualificada para implementar o resultado dos próximos regulamentos de jogos de azar.
Sem falar nas regras de jogo responsável, proteção ao jogador e antilavagem de dinheiro que precisam e devem ser estabelecidas e seguidas para o bem-estar da indústria. Que haverá um razoável processo de licenciamento e aprovações de funcionamento, não necessitando de cumprir qualquer outro “requerimento”, que não os que vierem a ser estabelecidos no regulamento.
Vejo muitas incógnitas no processo de regulamentação brasileira do mercado de jogos de azar em todos os segmentos e canais, principalmente que garanta a segurança jurídica dos interessados que ingressam no mercado, para que se estabeleçam no Estado de Direito e que as leis serão seguidas tanto pelas empresas privadas quanto pelo órgão governamental que será responsável por estabelecer e implementar as regras.
Com tudo isso em mente, quem se atreve a estabelecer um prazo para qualquer coisa séria acontecendo no Brasil de curto a médio prazo, certamente não o farei.
E enquanto isso não está acontecendo, vale mencionar que o Supremo Tribunal Federal decidiu permitir que os estados estabeleçam sua jurisdição estadual regulamentando loterias que incluam apostas esportivas, e isso já está acontecendo em muitos estados, começando pelo Rio de Janeiro, Maranhão, Pernambuco e mais alguns, o que provavelmente significará que é possível que as apostas esportivas sejam aprovadas mais cedo por alguns estados antes que a lei federal entre em vigor.
Mas, dito isso, devido à forma peculiar como as coisas são feitas naquela parte do mundo, tudo pode acontecer no tempo e na forma que possa melhorar minhas expectativas. Eu sinceramente desejo estar errado.
Eduardo Morales Hermo
Diretor da iGamingco Limited e consultor sênior da Ficom Leisure. Ele oferece consultoria presencial para jogos de azar e apostas no varejo e online, bem como consultoria remota por hora. O especialista tem mais de 50 anos como empresário e gestão executiva corporativa, consultor em estratégia de negócios, marketing, desenvolvimento de produtos e entrada em novos mercados para varejo e apostas online e indústria de jogos de azar B2B & B2C.