LUN 25 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 21:58hs.
Filipe Lovato Batich, sócio do Madrona Fialho Advogados

Lavagem de dinheiro deve ser combatida na regulamentação das apostas esportivas e iGaming

O combate à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo é uma prática adotada nos principais países que regulamentaram os jogos de azar. Para o advogado Filipe Lovato Batich, do escritório Madrona Fialho, tal ação deve ser implementada pelo Ministério da Fazenda na regulamentarão das apostas esportivas. Ele defende, em coluna no Blog do Fausto Macedo, que “é algo a ser pensado” pois a ausência de normas pode ser explorada para a prática de ilícitos.

No fim de 2023, o Congresso Nacional aprovou a exploração de jogos de cassino na modalidade online, atualizou disposições sobre sorteios e loterias privadas e regulamentou a taxação das atividades de apostas esportivas, que já eram previstas na Lei nº 13.756/18. Ainda que tenha dado este passo, as autoridades do Brasil são tímidas em regulamentar políticas de lavagem de dinheiro e de financiamento ao terrorismo nesses setores.

Sabidamente, as atividades que envolvem loterias, apostas e cassinos são vulneráveis a lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. Em 2009, o Grupo de Ação Financeira (GAFI), principal órgão que regula o combate a estes crimes no âmbito internacional, divulgou estudo apontando as vulnerabilidades locais na regulamentação de atividades de jogos e cassinos.

A dificuldade na detecção de ilícitos ocorre em razão do grande volume e da velocidade das transações envoltas, muito similares ao que ocorre com instituições financeiras. Adicionalmente, constatou-se a existência de controles falhos sobre grandes apostadores e o uso de contas com recursos em outros países para movimentação de valores ao exterior, sem detecção pelas autoridades competentes.

Alguns países, especialmente os com vasta experiência nessa atividade, possuem normas e controles mais rígidos para evitar a exploração de forma ilícita. Nos Estados Unidos, por exemplo, a American Gaming Association possui forte engajamento sobre seus associados para evitar que clientes utilizem cassinos (físicos e online) para lavagem de dinheiro ou financiamento ao terrorismo, além de emitir recomendações às autoridades do país sobre o tema. Em 2022, ela atualizou seu guia de boas práticas, destacando que os associados devem adotar medidas com base nas análises de riscos.

No Brasil, ainda estamos iniciando essa curva de aprendizagem. A autorização dessas atividades, inicialmente, faz com que o risco nacional aumente. A última avaliação mútua do GAFI sobre as medidas contra lavagem de dinheiro e contraterrorismo no Brasil, publicada em dezembro, desconsiderou riscos relacionados aos cassinos, uma vez que, até então, essa atividade era estritamente proibida, e não tratou da recente autorização para apostas esportivas. Os riscos mapeados desse setor eram relacionados a prática de jogos clandestinos e, apesar de até ser possível o acesso a plataformas de jogos online, tais apostas eram realizadas em outros países, atraindo o risco para as jurisdições estrangeiras.

Até 2021, apenas a distribuição de bens mediante sorteio, conforme a antiga redação do artigo 9º da Lei de Lavagem de Dinheiro, estava obrigada legalmente a implementar mecanismos de controle a lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. Mesmo havendo essa previsão, nota-se que o dever ainda era muito falho e quase incipiente.

A portaria nº 537/13 do Ministério da Fazenda, que trata dos procedimentos a serem adotados por sociedades que explorem loterias, não trata da necessidade da adoção de análises de riscos dessa atividade, limitando-se a questões sobre registros de ganhadores e a comunicação de operações sujeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). O último relatório de atividades do órgão, de 2021, não especificava o número de comunicações que foram recebidas do setor de apostas esportivas e, adicionalmente, é possível constatar uma diminuição no número de comunicações recebidas relacionadas a loterias.

Até o presente momento, o Poder Executivo não editou qualquer normativo que trate especificamente do dever de combate à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo em relação às apostas esportivas, apesar de estar sujeita legalmente aos controles desde 2021. Da mesma forma, o legislador, ao autorizar as atividades de cassinos on-line, não inclui o setor como sujeito aos mecanismos de controle de lavagem de dinheiro. A ausência de normas dessa natureza pode ser amplamente explorada para a prática de ilícitos.

Dada a inércia estatal, ações do setor privado são bem-vindas e devem suprir essa vulnerabilidade, especialmente dos players que estão explorando suas atividades de forma lícita, acreditando no desenvolvimento dos setores de apostas esportivas e cassinos online no Brasil.

A exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, a adoção de medidas conjuntas, com base no conhecimento adquirido internacionalmente e na experiência do mercado brasileiro, como a edição de boas práticas de combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo que levem em consideração os riscos dessas atividades, é algo a ser pensado. Mesmo considerando o baixo número de servidores estatais destacados para os órgãos controladores e as dificuldades políticas envoltas na aprovação de leis, o setor privado deve atuar favoravelmente a adoção de normas que tratem do combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo nos setores de apostas e cassinos on-line.

 

Filipe Lovato Batich
Sócio de White Collar & Compliance do Madrona Fialho Advogados

Fonte: Blog do Fausto Macedo/Estadão