DOM 24 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 20:34hs.
Após dois dias de audiência pública

Pontos de vista conflitantes colocam STF em xeque para definir o futuro das bets no Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, na manhã desta terça (12), a audiência pública que discutiu os impactos das bets no Brasil. Durante dois dias, especialistas nacionais e estrangeiros, pesquisadores e representantes de órgãos públicos, organizações da sociedade civil e clubes de futebol apresentaram informações técnicas e diferentes pontos de vista sobre a matéria. Agora, caberá ao ministro relator, Luiz Fux, entender a dinâmica da lei e dos regulamentos.

Ao final do encontro, Luiz Fux destacou que a decisão a ser tomada pelo STF levará em consideração a ponderação de todos os valores debatidos ao longo dos dois dias. Ele disse ter ficado muito impressionado com os diferentes aspectos apresentados pelos expositores e registrou que, uma vez acionado, o Judiciário é obrigado a dar uma solução. 

Fomos provocados a decidir uma questão sobre a qual não temos expertise, daí a necessidade de ouvir a sociedade especializada através de uma audiência pública”, ressaltou.

 



Veja abaixo o resumo do que foi dito nesta terça-feira (12):

Terence Zveiter e Paulo Sérgio Feuz, representantes da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD)

Para a entidade, a lei representa um “futuro promissor” para o Brasil em termos de receita, e os problemas gerados pelas bets são pequenos frente ao bem que essa receita vai proporcionar. Segundo eles, a principal preocupação da ANDD é quanto à manipulação de resultados dos jogos, e, por isso, defenderam regulamentações que protejam a integridade das competições.

Eduardo Rocha Dias, representante da Universidade de Fortaleza (Unifor)

O professor do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) falou de pesquisas em andamento na instituição sobre prevenção e consequências do jogo patológico, que tratam a questão como um problema de saúde pública. Ele explicou que o vício em jogo é um transtorno de dependência comportamental, com implicações como endividamento, negligência parental, violência e criminalidade, depressão e alta taxa de suicídio. Por isso, sugeriu a proibição total da publicidade das apostas e de patrocínios desportivos.

Leonardo Ribeiro Pessoa, do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Empresarial e Tributário (Ibedet)

O presidente do instituto defendeu o aperfeiçoamento da Lei das Bets para proteger populações economicamente vulneráveis. Segundo ele, dados apontam para o endividamento significativo dessas pessoas, afetando especialmente a população negra. Também observou que os jogos online repercutem na saúde mental, com aumento dos níveis de ansiedade e depressão, especialmente entre os jovens.

 



Ione Amorim, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)

A consultora em serviços financeiros e endividamento apresentou dados dos últimos cinco anos que explicam a multiplicação das bets no Brasil, como o isolamento causado pela pandemia de covid-19, o avanço da tecnologia, a regulamentação “tardia e fraca” da matéria, a propaganda “enganosa e abusiva” e a participação de influenciadores digitais na divulgação. Ela disse que as bets lideram o ranking de denúncias nos órgãos de defesa do consumidor, com mais de 366 mil reclamações em seis meses.

Mariel Angeli Lopes, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)

A representante disse que o mercado de apostas online tem impacto negativo relevante na saúde mental, especialmente entre trabalhadores mais vulneráveis. Segundo ela, esse mercado aumentou significativamente durante a pandemia, e as pessoas não apostam por diversão, mas na tentativa de conseguir uma renda extra, pois já estão endividadas. A seu ver, está sendo criada uma geração de apostadores que dificilmente vai se desvincular desse hábito no futuro.

Fabíola Xavier, do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV)

A diretora-executiva do instituto manifestou a preocupação do setor varejista com o crescimento das apostas online. Ela ressaltou que os recursos destinados ao mercado de jogos deixam de circular na economia, e a questão já impacta o setor do varejo, responsável por gerar milhares de empregos diretos e indiretos.

Rosana Lúcia Alves, da Associação Nacional dos Aposentados, Pessoas com Deficiência, Idosos, Pensionistas e dos Assegurados da Previdência Social (Anadips)

A representante destacou que os jogos de azar geram um vício que causa a ludopatia, doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ela afirmou que o governo quer aumentar a arrecadação por meio das apostas online, mas não há uma discussão sobre uma política pública para prevenir e tratar a ludopatia pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

 



Maíra Fernandes, da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim)

Para a presidente da Comissão de Direito Penal Econômico da associação, o quadro atual é alarmante porque o Brasil passou de uma política absolutamente proibitiva dos jogos no passado para outra totalmente permissiva. Ela defendeu que o setor deve ser submetido a controle, assim como ocorre com o álcool e o tabaco. A seu ver, a Lei das Bets não é um problema, mas o início da solução, e traz segurança jurídica. No entanto, deve ser aperfeiçoada em relação ao controle da lavagem de dinheiro. Para ela, não regulamentar os jogos online é levar o setor para a clandestinidade.

Thiago Henrique Cunha Basílio, representante da Defensoria Pública do Rio de Janeiro

O defensor público e subcoordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor disse que sua área atende diariamente consumidores expostos ao mercado de apostas online. Com base nessa experiência, ele apontou como principais problemas o dano financeiro (que compromete a renda das famílias), os danos psicológicos, o impacto em crianças e adolescentes e a publicidade. Em seu entendimento, as apostas são uma atividade de risco que não pode ser normalizada.

Antônio Carlos de Almeida Castro, representante do Cruzeiro Esporte Clube

O advogado ressaltou a importância das bets no patrocínio do futebol, setor de grande importância econômica. Segundo ele, a retirada da publicidade das casas de apostas e do patrocínio dos clubes vai “quebrar” times grandes e pequenos, e a suspensão da lei será “o fim do futebol”. Lembrou, ainda, que antes da regulamentação atual havia milhares de empresas sem nenhum controle.

Jonas Decorte Marmello, representante do Botafogo de Futebol e Regatas

Segundo o vice-presidente executivo do clube, o crescimento da indústria do futebol nos últimos seis anos coincide com a entrada das apostas online no país. A “injeção de capital” trazida por esses novos atores fortaleceu essa indústria, num esporte que antes era financiado pelo Estado. Ele informou, ainda, que os 20 clubes de maior faturamento da série A vão obter mais de R$ 12 bilhões, uma variação positiva de 40% de arrecadação nos últimos seis anos.

 



André Carvalho Sica, representante do Fluminense Futebol Clube

O advogado apresentou um manifesto assinado por 30 clubes de vários estados, tamanhos e divisões do futebol brasileiro em favor da Lei das Bets e destacou que as casas de apostas são responsáveis pelas maiores fontes de receita para o futebol. Disse que a entrada das bets no mercado brasileiro, sem regulação, trouxe problemas como a falta de tributação, a manipulação de resultados e a utilização indevida das marcas dos clubes. Destacou, ainda, que a receita das bets responde pela maior parte do financiamento do futebol feminino e do patrocínio de 19 dos 20 clubes da série A do futebol masculino.

Mateus Fernandes Vilela Lima, representante do Senado Federal

Segundo o advogado do Senado, a Lei das Bets é resultado de um processo legislativo pautado por amplos debates, o que permitiu ao Parlamento construir uma norma que busca equilibrar a liberdade econômica com a proteção da população. No entanto, ele reconheceu efeitos adversos gerados pelo mercado de apostas online na vida dos brasileiros. Para compreender a dimensão dos impactos do setor e propor regulamentações que possam mitigar problemas, informou que o Senado instalou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets.

Carlos Manuel Baigorri, Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)

O presidente da agência afirmou que a regulação de serviços e atividades econômicas pressupõe a capacidade do Estado de fazer valer as regras estabelecidas. Segundo ele, para que a Lei das Bets seja efetiva e a punição de empresas irregulares seja possível, é preciso que o poder público tenha ferramentas tecnológicas e competência administrativa. Ele argumentou que o bloqueio de plataformas não depende apenas das empresas de telecomunicações, porque existem hoje meios de burlar os bloqueios no ecossistema digital. Novas ferramentas, a seu ver, são essenciais para a atuação efetiva da Anatel e da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda.

Fonte: GMB / STF