MIÉ 27 DE NOVIEMBRE DE 2024 - 13:58hs.
Gabriela Borges/Gustavo de Santana - FGV Direito Rio

Bets e meios de pagamento no Brasil: desafios e alternativas regulatórias

O Pix é responsável pela movimentação de R$ 21 bilhões mensais no mercado de iGaming. Os advogados Gabriela Borges e Gustavo de Santana, da FGV Direito Rio, apontam em artigo no Jota que os reguladores proibiram o uso de cartões de crédito, mas o impacto é limitado, pois o método criado pelo Banco Central domina. Debate sobre restrição ou regulação dessas transações instantâneas divide opiniões, considerando inclusão financeira, endividamento e controle do setor.

As apostas online estão cada vez mais presentes no dia a dia dos brasileiros. Inicialmente, essa rápida expansão foi impulsionada pelas apostas esportivas, especialmente pela popularidade dos esportes no país. No entanto, o mercado das chamadas bets não parou por aí. As apostas online agora abrangem uma gama diversificada de modalidades e não se limitam às competições esportivas, havendo até mesmo tentativas de criar mercados de apostas para resultados eleitorais.

Apesar da popularidade que os jogos de azar online alcançaram no Brasil nos últimos anos, o número de apostadores e os valores movimentados ainda surpreende. Segundo pesquisa do Banco Central, nos primeiros oito meses de 2024, os brasileiros gastaram entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões por mês em apostas online, e aproximadamente 24 milhões de pessoas realizaram ao menos uma aposta nesse período através do meio de pagamento Pix.

A faixa etária dos apostadores é bastante diversificada, com ênfase nos jovens entre 20 e 30 anos. Os dados de agosto de 2024 revelam que o valor médio mensal das transferências aumenta com a idade: enquanto os apostadores mais jovens gastam cerca de R$ 100 por mês, aqueles mais velhos ultrapassam R$ 3.000 mensais. Outro dado alarmante é que, em agosto de 2024, cerca de 5 milhões de pessoas de famílias beneficiárias do Bolsa Família enviaram R$ 3 bilhões para empresas de apostas via plataforma Pix.

O uso de cartões de crédito para apostas online, embora menos frequente que o Pix, também tem atraído atenção tanto do mercado quanto dos reguladores devido ao risco de endividamento associado. Ao apostar utilizando o crédito, os jogadores podem facilmente ultrapassar seus limites, acumulando dívidas que se tornam difíceis de quitar, especialmente com os juros altos de cartões.

Diante desse cenário, os órgãos reguladores brasileiros têm demonstrado uma preocupação justificada acerca do crescimento das apostas online no país. Entende-se que esse fenômeno pode resultar em impactos negativos na economia e na sociedade, como a possível retirada de recursos antes destinados ao consumo, o aumento do endividamento de setores vulneráveis da população e os riscos de saúde pública associados ao uso excessivo dessas plataformas de apostas.

Como uma primeira resposta a esse crescimento, o Ministério da Fazenda determinou que o uso de cartões de crédito para apostas online seria proibido a partir de 1º de janeiro de 2025. Contudo, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) argumentou que a utilização de crédito para apostas é bastante limitada e, assim, antecipou a medida, implementando a proibição a partir de 2 de outubro de 2024.

De todo modo, a proibição do uso de cartões de crédito em apostas online levanta dúvidas sobre sua efetividade para conter os problemas associados ao crescimento desse mercado. Como indicado pela pesquisa do Banco Central do Brasil mencionada acima, o Pix tem sido o principal canal de realização de apostas nas chamadas "bets" e dado que o crédito representa apenas uma pequena parcela das transações no setor, não é certo até que ponto a medida terá um impacto significativo na prevenção de endividamento excessivo ou no controle do volume de apostas.

Com isso, a proibição do uso de cartões de crédito em apostas online pode ter um impacto limitado para mitigar o endividamento da população. Os apostadores ainda podem recorrer a outras modalidades de financiamento, como o Pix Crédito, que oferece a possibilidade de pagamento por meio do sistema de pagamentos instantâneos, utilizando o limite do cartão de crédito para o parcelamento de transações, funcionando como um crédito indireto que pode financiar apostas. Devido a facilidade de uso e ampla aceitação do Pix no Brasil, tem se discutido a possibilidade de se limitar ou até de se proibir o uso do Pix e do Pix Crédito para apostas no país.

O Pix foi desenvolvido pelo Banco Central com o objetivo de preencher uma série de lacunas existentes na cesta de instrumentos de pagamentos disponíveis atualmente à população. Como apontado pelo Núcleo de Estudos Avançados de Regulação do Sistema Financeiro Nacional (NEASF) da FGV Direito Rio, o Pix é resultado de um histórico de avanços no sistema de pagamentos brasileiro, iniciado com o desenvolvimento do Sistema Brasileiro de Pagamentos (SPB) e do Sistema de Transferência de Reservas (STR).

Esse meio de pagamento rapidamente se tornou essencial no cotidiano dos brasileiros. Até setembro deste ano, quase 800 milhões de chaves foram cadastradas, com mais de 760 milhões de contas de pessoas físicas. Só em setembro, as transações via Pix ultrapassaram R$ 2,4 bilhões[4]. Esse meio de pagamento, prático e acessível, tem sido o principal canal de realização de apostas nas chamadas "bets".

O debate sobre a proibição do Pix para apostas online vem dividindo opiniões de importantes entidades do mercado. Algumas dessas instituições acreditam que uma proibição imediata ou, caso isso não seja viável, a limitação do Pix para apostas pode ter um impacto positivo. Outras, porém, argumentam que o foco regulatório deveria estar na atividade das apostas em si e não nos meios de pagamento utilizados.

O Banco Central, por sua vez, tem implementado regulamentações mais rigorosas em relação ao Pix nos últimos meses. Para combater o aumento das fraudes e golpes, o BCB estabeleceu um limite de R$ 200 para transferências realizadas por novos dispositivos, com um teto diário de R$ 1.000. As transações superiores a R$ 200 só poderão ser feitas por dispositivos que já tenham sido cadastrados pelos usuários, aumentando assim a segurança nas operações.

No entanto, é importante indagar se a proibição do Pix não seria apenas uma solução superficial, incapaz de resolver os problemas relacionados às apostas online. Compreender se o crescimento acentuado das "bets" nos últimos anos é resultado das facilidades proporcionadas pelo Pix ou se é parte de uma tendência mais ampla no comportamento dos consumidores é um desafio que deve ser enfrentado com cautela.

Caso o crescimento acentuado das apostas seja uma tendência mais ampla no comportamento dos jogadores, a proibição do Pix pode não ter o impacto desejado. Os apostadores podem facilmente migrar para outros métodos de pagamento, como cartões de débito e cartões pré-pagos, continuando a realizar suas apostas.

Além disso, a proibição do uso do Pix nas "bets", assim como a implementação de outras barreiras regulatórias, deve ser cuidadosamente avaliada para que a agenda digital do Banco Central seja preservada. Essa agenda tem como objetivo tornar os meios de pagamento mais acessíveis e baratos, promovendo inclusão financeira e facilitando as transações entre usuários. Restrições que limitam a diversidade de opções de pagamento devem ser cuidadosamente avaliadas para garantir que os avanços alcançados não sejam comprometidos.

É inegável que o aumento no número de apostadores e os volumes significativos movimentados nas "bets" são alarmantes. Os potenciais impactos negativos na economia e na sociedade precisam ser considerados na formulação de uma regulação eficaz. No entanto, essa regulação deve ser elaborada com cautela, assegurando que o objetivo de mitigar os danos associados às apostas online seja alcançado sem comprometer os avanços obtidos nos meios de pagamento.

Gabriela Borges
Doutora e mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Mestre (LL.M.) em Law & Economics pela George Mason University. Pós-graduada em Societário e Mercado de Capitais pela FGV Direito Rio. Professora da FGV Direito Rio e coordenadora do Núcleo de Estudos Avançados de Regulação do Sistema Financeiro Nacional (NEASF/FGV Direito Rio)

Gustavo de Santana
Bacharel em Direito na FGV Direito Rio. Pesquisador do Núcleo de Estudos Avançados de Regulação do Sistema Financeiro Nacional (NEASF/FGV Direito Rio)